Become a Creator today!Start creating today - Share your story with the world!
Start for free
00:00:00
00:00:01
Episódio 35 image

Episódio 35

Três Divãs
Avatar
57 Plays4 days ago

Joaquim Paulo Nogueira - Dramaturgo

Disco: Ser solidário. José Mário Branco

https://open.spotify.com/album/4BU9W4qEpf2n04qpbEHAab?si=ym-cQpjTQQu2qRcC_XMQqw

Transcript

Reflexão sobre a morte de defensores da liberdade

00:00:22
Speaker
Estava ontem à conversa com a Patrícia sobre o podcast de hoje, quando lemos sobre a morte de Pinto Balsemão.
00:00:30
Speaker
A tristeza da esquerda com a morte de um homem de direita.
00:00:35
Speaker
É neste lugar que a vida é espetacular.
00:00:39
Speaker
A ressignificação a par e passo com a humildade.
00:00:44
Speaker
Sempre que morre um defensor da liberdade, instala-se uma tristeza nostálgica que, aparentemente, nos retira esperança.
00:00:55
Speaker
É que isto não está fácil, nada fácil.
00:00:59
Speaker
Ainda ontem uma pessoa me perguntava, consegue explicar-me porque é que para mim é tudo tão literal?
00:01:07
Speaker
É que eu sinto-me autista.
00:01:10
Speaker
Estou sempre a perguntar os significados do que me é dito.
00:01:14
Speaker
André de Jesus também escreveu ontem.
00:01:17
Speaker
Morre um homem que fez da liberdade um ofício e da palavra um destino.
00:01:24
Speaker
Eu estou sempre a dizer que quando morre um defensor da liberdade ficamos ainda mais responsáveis por continuar a sua luta.
00:01:32
Speaker
O disco de hoje é de um homem de esquerda que também morreu e que, com significados e significantes diferentes dos do homem que morreu ontem, também lutou com a palavra, deixando-nos a interlocução como sustenta a liberdade e a esperança.
00:01:51
Speaker
É um disco grande e um grande disco obliterar os calabres de léxico curto.
00:01:58
Speaker
A Patrícia ontem dizia-me, muitas pessoas a ocupar lugares que deviam pertencer a quem diz a partir de dentro, a quem diz de verdade.
00:02:09
Speaker
E eu digo que no mundo de hoje, e no de ontem também, quem diz a verdade merece castigo.
00:02:17
Speaker
O que este mesmo mundo não sabe é que a consequência do castigo em seres que vivem livremente reitera a coragem e a honra de assim viver.
00:02:27
Speaker
Pode aleijar, mas é efémero porque poeril.
00:02:31
Speaker
E se não abandonarmos o nosso lugar, os outros saberão sempre, sempre, o lugar deles.
00:02:40
Speaker
E agora, um segredo para esses que tentam fugir do seu.
00:02:45
Speaker
É sempre assim, até depois da morte.
00:02:50
Speaker
Ser Solidário, o disco de hoje de José Mário Branco, ocupa um lugar de esperança naqueles que lutaram e lutam a partir de um sítio de verdade.
00:03:01
Speaker
Desnuda a democracia, a mãe suficientemente boa, assim, cheia de falhas, mas com lugar para o engano, sem termos de enganar o outro.

Silêncio e a desconexão da hiper-realidade

00:03:13
Speaker
E para falar connosco sobre ele, hoje recebemos no 3 Divãs o Joaquim Paulo Nogueira, a quem vou passar a palavra.
00:03:21
Speaker
Boa noite, Joaquim, sejas bem-vindo.
00:03:24
Speaker
Apresenta-te.
00:03:28
Speaker
Boa noite.
00:03:39
Speaker
Gostei deste silêncio com que me comecei a apresentar e talvez tenha muito a ver com a fase em que eu estou em relação à linguagem, ou seja, tenho uma certa dificuldade em achar que ela vai dar algum lado, que não seja o silêncio.
00:04:01
Speaker
Acho que...
00:04:05
Speaker
Pode ser um romance, pode parecer um romance de alguém que escreve dizer que gosta do silêncio.
00:04:12
Speaker
Embora eu sempre... Perguntares-me como é que eu me definia o disso dramaturgo.
00:04:19
Speaker
escrevi um romance, escrevo poesia e tudo, mas se calhar a forma como mais recorrente que eu escrevo é mesmo teatro.
00:04:25
Speaker
E em teatro...
00:04:28
Speaker
O silêncio entre as palavras é fundamental.
00:04:31
Speaker
Eu lembro-me que a primeira peça que escrevia, Nadia das Calhas, escrevia sempre silêncio, silêncio, silêncio.
00:04:43
Speaker
E para uma pessoa que é tão parlapatão como eu sou, pode parecer estranho eu ter essa ambição de silêncio.
00:04:54
Speaker
Mas se calhar também não é estranho, porque se calhar nós procuramos aquilo que não está tão intrinsecamente dentro da nossa maneira de estar.
00:05:09
Speaker
Embora essa procura do silêncio para mim também seja... tem uma circunstância política muito forte, que é... não é apenas uma questão artística, não é apenas uma questão...
00:05:24
Speaker
Estética.
00:05:32
Speaker
É uma questão de desconstrução da linguagem.
00:05:36
Speaker
É uma questão de tentar...
00:05:39
Speaker
Eu estou a escrever um romance que é sobre isso, é sobre a forma como nós nos contaminamos com significados... O Brodilar tem um livro engraçado que se chama Simulacros e Simulações, em que ele fala dessa hiperrealidade que advém de nós não estarmos em contato com a coisa.
00:06:06
Speaker
As coisas desapareceram das coisas que nós habitamos.
00:06:11
Speaker
Quer dizer, este copo de vinho, ainda espero que tenha alguma coisa dentro que eu possa chamar coisa, mas a própria ideia do vinho que está aqui de estar na mesa convosco é uma ideia.
00:06:27
Speaker
E vai vestindo as coisas que nós temos aqui.
00:06:31
Speaker
E, portanto, para mim começou a ser muito claro, a partir de certa altura, um fastio da linguagem.
00:06:37
Speaker
Um fastio até de uma certa proposição que a linguagem tem de...
00:06:45
Speaker
Eu comecei a escrever no Dene Jovem em 83, 82, 84, e nessa altura havia gente como eu, que tinha 19, 20, 20 anos abertos, e que vazia um galo em serem o Joaquim Paulo diz isto, as Tereza Valso do outro, tudo isso, e isso era uma forma de nos apresentarmos.
00:07:15
Speaker
Se fôssemos ao podcast, ao vosso podcast, quando começássemos a apresentar-nos, diríamos, sou Joaquim Paulo, sou Joaquim Paulo Nogueira.
00:07:24
Speaker
E cedo comecei a perceber que isso era uma farsa, ou que conduzia a uma farsa, ou que conduzia a um modo de vida que não me interessa profundamente, que é... Interessa-me muito...
00:07:41
Speaker
Este momento que é quase como... Eu costumo dizer que no teatro o que é interessante é esta ferida que se abre, o encontro entre duas pessoas e aquele momento em que... Eu chamo-lhe o momento do elevador.
00:07:58
Speaker
Não sei se vocês alguma vez presenciaram... O teu elevador daria muito para esse momento, que é aquele momento em que nós somos pequeninos.
00:08:06
Speaker
Todos nós fomos pequeninos alguma vez na vida.
00:08:09
Speaker
E que vamos no elevador com a mãe dos nossos amigos ou o pai dos nossos amigos e temos aquela angústia de porque é que eu não fui de escadas?
00:08:17
Speaker
Porque não sabemos o que é que acabamos de dizer.
00:08:20
Speaker
E a vida é muitas vezes esse momento de angústia do elevador que é nós não sabemos o que é que acabamos de dizer.
00:08:28
Speaker
Estamos uns ao dos outros e como é que eu agora rompo esta barreira?
00:08:34
Speaker
E no teatro é exatamente isso, que essa ideia é...
00:08:40
Speaker
É gloriosa, porque é esse momento em que tu não sabes o que é que de fazer, por exemplo, quando nós improvisamos, quando nós criamos em teatro, que abre, abre mundos, abre experiências, e que estamos ali a fazer aquilo que um grande mestre do teatro dizia, que é o ator segura como um feixe todos os significados que aquele momento do que agora tem.
00:09:06
Speaker
Ou seja...
00:09:11
Speaker
No fundo, se calhar, isto não é a glorificação máxima do presente como única possibilidade que nós temos de conquistar a imortalidade.
00:09:20
Speaker
Parece-me que sim.
00:09:21
Speaker
Parece-me que... E isso interessa-me bastante.
00:09:28
Speaker
Interessa-me essa... Não é a imortalidade, mas interessa-me...
00:09:38
Speaker
Interessa-me desconstruir esse medo original da morte, de morrer.
00:09:45
Speaker
Eu, quando era a mulher, tinha medo de morrer.
00:09:46
Speaker
Eu acharia que era uma pessoa muito importante, que queria ser uma pessoa muito importante, ou que queria ser uma pessoa muito importante.
00:09:51
Speaker
No fundo, eu queria ser uma pessoa muito importante, para a minha mãezinha, claro.
00:09:55
Speaker
Mas

Técnicas de respiração e experiências pessoais

00:09:56
Speaker
ainda não sabia disso.
00:09:57
Speaker
Pensava que queria ser apenas artista, essas coisas todas.
00:10:01
Speaker
E, com o tempo, tu percebes,
00:10:09
Speaker
Que aquilo que mais significativo tu podes fazer nesta vida é conseguir respirar sobre a angústia, sobre o medo.
00:10:21
Speaker
Não é venceres o medo, é estás quando o medo acontece e...
00:10:28
Speaker
Uma vez eu estava a fazer yoga e o nosso facilitador ensinou-nos a trabalhar a respiração sobre o incómodo, sobre a dor, sobre a própria dor, e foi espantoso isso, perceber que realmente a própria resistência à dor era uma coisa que eu tinha dentro da minha cabeça e que podia, através da respiração, é claro que depois tentei isso nas resistências mais disparatadas e não resultou, porque
00:10:56
Speaker
Não devemos extrapolar.
00:10:58
Speaker
Portanto, acho que uma forma muito concreta de me apresentar é que eu tenho uma grande dificuldade em apresentar-me.
00:11:05
Speaker
Acho que gastei o tempo suficiente para isso.
00:11:11
Speaker
Estavas a dizer...
00:11:13
Speaker
requer treino, não é?
00:11:15
Speaker
como tudo na vida até requer experiência, não é?
00:11:20
Speaker
o conseguir respirar e tempo, tempo com experiência que é o que é preciso de facto para amadurecer o que quer que seja, não é?
00:11:29
Speaker
para de facto ser possível respirar sobre a dor Joaquim Ana Tereza
00:11:42
Speaker
Tu escolheste um disco, não é?
00:11:44
Speaker
E eu vou passar ao disco Porque à medida que tu for conversando sobre o disco vais continuar a apresentar-te, portanto, tu e nós Então esse disco?
00:11:55
Speaker
Então, tu escolheste o José Mário Branco com o Ser Solidário, porquê?
00:12:05
Speaker
Para já, porque ele me permite contar uma mentira que eu contei durante muito tempo, que era a de que tinha estado nesse espetáculo.
00:12:16
Speaker
De facto, eu estava a 300 ou 400 metros desse espetáculo, na sala da comuna, no curso da comuna, e portanto eu achei que não ter estado era uma circunstância que eu podia perfeitamente desprezar.
00:12:31
Speaker
Está refeita à verdade histórica.
00:12:32
Speaker
Eu nunca estive lá, mas era como se estivesse.
00:12:35
Speaker
Porque eu fui muitas vezes.
00:12:38
Speaker
Como dizia a semana passada a Shahad Wadi, que eu entrevistei, ele dizia, eu acordo e todos os dias vou à Palestina.
00:12:45
Speaker
Portanto, eu também todos os dias ia a este momento mágico em que o Mário Branco...
00:12:54
Speaker
depois de um dia em que tinha morrido a Mayden fez este espetáculo e para mim era muito significativo José Mário Branco foi uma pessoa bastante importante na minha adolescência e naquela minha adolescência em que eu me afirmei para mim mesmo como um ser pensante pensante e interligado com o mundo porque
00:13:24
Speaker
sempre tive essa raiz muito... esses micróbios filosóficos, que me vinham até do meu pai, o meu pai era formado em teologia, em filosofia, mas com este disco...
00:13:40
Speaker
Eu nunca me esqueço da maneira como eu encontrei este disco.
00:13:44
Speaker
Nós tínhamos um grupo nos Olivais que a certa altura fazíamos audições públicas, audições em grupo de discos.
00:13:53
Speaker
Vimos um disco de Leonardo Cohen, que era Os Sons do Meu Quarto, uma coisa assim.
00:13:58
Speaker
E as canções do meu quarto eu digo em português porque tenho alguma dificuldade em dizer os nomes originais.
00:14:09
Speaker
E depois fizemos a audição do FMI.
00:14:14
Speaker
E foi muito forte.
00:14:16
Speaker
E quando acabou um amigo meu disse esta merda devia ser ensinada na escola.
00:14:25
Speaker
Quatro anos ou cinco anos depois eu estava a dar aulas no Monte da Caparica, animadores socioculturais, e estava-se a chegar ao fim, chegou à última aula, e eu disse, é hoje.
00:14:37
Speaker
E levei o disco para os meus alunos de animação cultural.
00:14:45
Speaker
E foi uma experiência completamente estranha, porque aqueles novidos tinham 20 anos e tinham 20 anos nos anos 90, portanto tinham passado.
00:14:57
Speaker
Mas receberam aquilo de uma forma, ao princípio, quando começa com aquela pop-chula, tudo isso muito...
00:15:06
Speaker
risonho, mas quando começa a entrar por ali adentro, começam a ficar nervosos e depois no final discutem aquilo de uma forma muito intensa, queriam perceber quem era.
00:15:23
Speaker
Eu nunca me esqueço que no dia seguinte uma aluna chegou ao de mim com uma fotografia em que o pai estava a tocar guitarra e disse, eu nunca compreendi o que era esta fotografia do meu pai e agora sei que o meu pai estava a ouvir este disco.
00:15:39
Speaker
Era mentira, era tal como a mentira de eu ter ido ao espetáculo, porque aquilo nem coincidia temporalmente, mas era importante que aquilo foi a password para aquela filha
00:15:48
Speaker
Conseguir aceder a uma compreensão qualquer do pai que estava ali.
00:15:53
Speaker
E anos mais tarde, uma outra rapariga manda-me uma mensagem e diz-me, vem ver o espetáculo da Cláudia Dias, creio que era o CCB.
00:16:04
Speaker
Mas porquê?
00:16:06
Speaker
Vem ver.
00:16:07
Speaker
Eu vou ver.
00:16:09
Speaker
E não é que estava o FMI e ela veio me dizer, estava a dizer, porque fui eu que propus fazer isto.
00:16:18
Speaker
Portanto, tem essa ligação muito forte emocionalmente a isso.
00:16:24
Speaker
É um...
00:16:28
Speaker
Eu depois descobri um espetáculo sem de ano e metro do Leo Ferré, que eu acho que segue muito a estrutura disto e eu às vezes nem sei se não uma casualidade entre um e o outro.
00:16:41
Speaker
Fiquei na dúvida.
00:16:44
Speaker
Porque eles ainda por cima são dois cantores que o Marran gostava muito do Leo Ferré e fiquei.
00:16:50
Speaker
Porque é uma estrutura muito, muito, muito parecida desta estrutura de...
00:16:56
Speaker
da calma, até o desabafo, até o estrondo e depois até uma certa angústia.
00:17:01
Speaker
Mas não sei.
00:17:02
Speaker
Eu gosto muito dos dois.
00:17:04
Speaker
Gosto muito... E o Mário Branco era uma pessoa que eu acompanhava nessa minha adolescência tardia e ia a tudo.
00:17:13
Speaker
Eu bebia...
00:17:16
Speaker
Aliás, eu gostava menos quando ele cantava do que quando ele falava.
00:17:19
Speaker
Aqueles momentos em que ele era elétrico.
00:17:22
Speaker
Eu conhecia-o depois várias vezes, encontrei-me com ele várias vezes.
00:17:26
Speaker
Uma vez até veio ter comigo ao meu gabinete.
00:17:29
Speaker
Eu na altura estava na direção... Era a diretora de junto do Teatro da Trindade e o Pedro Branco tinha o convidado para fazer um espetáculo no Teatro Bar.
00:17:37
Speaker
Ele vem, bate lá à porta assim, muito envergonhado.
00:17:41
Speaker
Posso... Posso dar umas palavrinhas consigo?
00:17:44
Speaker
Sim, sim.
00:17:47
Speaker
Eu achava que vocês deviam ter aqui assim melhores condições para os músicos Mas dou-lhe os parabéns Depois estivemos a falar e expliquei também a minha admiração profunda por ele E este disco que eu te propus, onde está o...
00:18:08
Speaker
Na verdade, quando eu ouvi o FMI foi naquele disco de 45 rotações que era autónomo.
00:18:16
Speaker
Depois tinha aquela patina também de ter uma inscrição que dizia não se deve ouvir em certas circunstâncias.
00:18:23
Speaker
Portanto, sentiste ultrapassar uma barreira, quase que qualquer coisa de proibido quando fazias aquilo.
00:18:29
Speaker
Aliás, quando nós ouvimos aquilo em bom sentido, estávamos a transgredir a regra do próprio... Porque ele dizia que não podia haver audições públicas ou coletivas daquele disco.
00:18:44
Speaker
Depois foi integrado no CD e se desapareceu completamente.
00:18:50
Speaker
Mas este outro disco também tem várias outras canções que para mim eram muito importantes.

Influências musicais e impacto da música

00:18:59
Speaker
Talvez por outras razões também, porque nunca foi muito... O meu inglês era péssimo sempre.
00:19:09
Speaker
Eu agarrava muito mais às letras francófonas e aos cantores de intervenção.
00:19:17
Speaker
Portanto, agarrei muito estes imaginários todos criados pelo José Mário Branco, pelo C. Afonso, pelo Fausto, por todos os...
00:19:31
Speaker
Quando dizes que a tua tendência era essa, tu consegues nos explicar porquê?
00:19:40
Speaker
Que a minha tendência é... Eram todos esses cantores, os francófonos e os de intervenção portugueses também.
00:19:48
Speaker
Começou assim, olha, os franceses.
00:19:53
Speaker
Também uma raiz para isso.
00:19:54
Speaker
O meu pai estudou na Suíça e o meu pai gostava muito da língua francesa e, portanto, também incentivou-nos.
00:20:04
Speaker
Mas eu lembro-me que a primeira vez que vi um cantor francês que o meu pai chanou, eu chorei.
00:20:15
Speaker
Era o Sérgio Eugéni com o Le Deserteur.
00:20:18
Speaker
Ah, sim.
00:20:20
Speaker
Eu era o objeto de consciência, fui o objeto de consciência depois, aliás.
00:20:27
Speaker
E aquilo, eu era, e sempre fui, um defensor da não-violência.
00:20:33
Speaker
E, portanto, aquilo mexeu muito, muito comigo.
00:20:37
Speaker
Talvez tenha sido a minha porta de entrada para a música.
00:20:45
Speaker
A Silvia Vartan era muito gira também.
00:20:48
Speaker
Mas acho que não, acho que não, não foi por aí.
00:20:50
Speaker
Não foi por aí.
00:20:55
Speaker
Ok.
00:20:55
Speaker
Patrícia, e o que é que tu achas do disco que o Joaquim escolheu?
00:21:01
Speaker
Antes de ir a isso, acho que a apresentação do Joaquim foi fabulosa, não é?
00:21:06
Speaker
Queria dizer isso porque esta ideia de resgatar o lugar de silêncio, não é?
00:21:10
Speaker
Porque esta sensação de fastio vem com a linguagem, vem com tudo, não é?
00:21:14
Speaker
Nós andamos a dizer isto muito E o que eu acho que este disco uma forma Traz de volta também é o resgate desse silêncio Porque as palavras são pensadas Não são palavras vazias Que é o que nós vamos sentindo Sem querer cair na problemática atual Não queria pôr a coisa assim Mas acho que tu disseste uma coisa fabulosa Que é esta hiperrealidade que vem Nesta intoxicação permanente Com a ausência total de palavras ditas A partir de dentro Este sítio que tu puseste exatamente ao contrário do que a psicanálise Costuma dizer ainda que eu penso que é o mesmo lugar
00:21:43
Speaker
Que é o lugar do nome, não é?
00:21:45
Speaker
Por isso que nós passamos a dizer É preciso dar nome àquilo que se sente É preciso dar nome Mas ainda no outro dia eu pensava Mas é preciso dar nome porquê?
00:21:51
Speaker
Se calhar não é E agora tu puseste isso maravilhosamente Porque é uma abnegação até desse lugar Que é o sítio a partir do qual nós realmente conseguimos construir Qualquer coisa de uma perspectiva mais solidária E também o próprio nome da solidariedade Que está presente no disco A mim, no disco e nessa época Todos esses cantores que tu falaste E mesmo os francófonos
00:22:11
Speaker
Havia esta sensação de solidariedade.
00:22:12
Speaker
Eu, por exemplo, tinha uma paixão por Moustaki e sentia-se isto.
00:22:15
Speaker
Ele cantava e havia realmente um silêncio implícito deste encontro com o outro.
00:22:19
Speaker
Eu acho que é isto que está muito presente neste disco.
00:22:23
Speaker
uma data de palavras que dão esta sensação da possibilidade de parares no tempo com elas.
00:22:29
Speaker
Não te intoxicam.
00:22:30
Speaker
Portanto eu fiquei E lembrei-me nós, o nosso O nosso psicanalista Que morreu pouco tempo no Coimbra de Matos Prestava-me lembrar o Coimbra de Matos dava as aulas E de repente fazia assim uns silêncios E toda a gente ficava um bocadinho inquieta Até que fomos percebendo, espera lá, o que ele está a pensar Sim
00:22:47
Speaker
E então havia uma cadência naquilo, que começava a fazer parte do próprio diálogo com ele, e aquilo era fabuloso, a dificuldade que seria agora, às vezes uma pessoa para, até mesmo nas sessões eu sinto, mais dificuldade em suportar esse lugar, quantas vezes não é preciso dizer, não faz mal, está a pensar, ou é preciso pensar, não tem mal pensar, pensar é bom.
00:23:07
Speaker
Hoje também veio uma coisa engraçada, queria-me lembrar quem é que era que estava a fazer, que era uma espécie de um sequestro humorista, mas não era português também, que era exatamente isto, era uma fulana que dizia, vejam esta loucura que nós nos anos 80, 90 fazíamos, parávamos para pensar sobre as coisas que eram ditas.
00:23:28
Speaker
E, portanto, ainda a minha pergunta, desca-se a responder do disco.
00:23:34
Speaker
É este lugar, eu acho que é este lugar, porque é um disco cheio de palavras, mas são palavras que não te intoxicam, pelo contrário, todas elas estão cheias e abrem lugares novos, não é?
00:23:42
Speaker
E, portanto, trazem esta possibilidade da tal imortalidade que o Joaquim dizia, não é?
00:23:48
Speaker
Exatamente porque não são palavras oucas, não é?
00:23:50
Speaker
O que eu sinto é isto, é uma facilidade tremenda de encher o tempo com vazios, não é?
00:23:56
Speaker
Que te impedem essa possibilidade de chegar e dizer o meu nome é o que menos interessa naquilo que tem para dizer, não é?
00:24:02
Speaker
Há um verso nesta canção do ser solidário que para mim é muito forte.
00:24:09
Speaker
E que me transporta muitas vezes, ou que eu transporto muitas vezes até para lidar com as situações da vida, que é esta ideia de fazer de cada de uma raiz.
00:24:21
Speaker
Exatamente.
00:24:22
Speaker
Improvavelmente.
00:24:23
Speaker
Ser feliz, quer dizer... É isso mesmo.
00:24:28
Speaker
É qualquer coisa...
00:24:32
Speaker
Este enraizamento na nossa dor, não como uma coisa de expiação, mas como uma possibilidade que nós temos de acrescentar o tempo à nossa vida.
00:24:45
Speaker
Isso para mim é uma coisa muito forte desta canção.
00:24:49
Speaker
Mas o disco tem algumas canções muito emblemáticas para mim.
00:24:56
Speaker
A queixa das jovens almas censuradas, então, é uma coisa que me acompanhou...
00:25:00
Speaker
Eu passei a gostar da Natália Correia mais por isto.
00:25:03
Speaker
Quer dizer, depois houve aquele poema célebre dirigido ao coito, mas foi talvez este poema que eu percebi a dimensão dela enquanto poeta.
00:25:21
Speaker
E depois há aquela coisa fabulosa que é o vindo longe, que é...
00:25:29
Speaker
que é quase uma história de um desencanto
00:25:37
Speaker
mas da transformação desse desencanto numa possibilidade de... Ok, estou aqui.
00:25:42
Speaker
Estou aqui com esta viola e com o resto, vá, venham lá.
00:25:47
Speaker
E esse lado do Mário Branco, ao mesmo tempo, muito dentro de uma vivência muito marcada politicamente, mas ao mesmo tempo também, se calhar, aquele que mais questionava e que mais punha, desconstruía essa...
00:26:07
Speaker
Essa linhagem, por alguma razão, ele também teve em momentos tão contraditórios, lembro-me de um sindicato em que ele teve, em que ele estava com músicos que toda a gente achava que não eram compagináveis com aquilo que era a canção de intervenção e que foi uma coisa muito agregadora.
00:26:27
Speaker
Não sei, tenho essa... Depois o lado teatral dele também, não é?
00:26:33
Speaker
Eu me apanhei um bocadinho com estes rastros da passagem dele e da Manuela de Freitas por lá.
00:26:42
Speaker
Há aqui uma data de significados comuns para um...
00:26:50
Speaker
Foi uma pessoa como eu que vim do campo, eu vivi os primeiros 10 anos no campo, em Mafra, portanto, quando venho para a cidade vinha com essa marca muito rupestre.
00:27:06
Speaker
E olha que tu agora disseste aí uma coisa desta, a propósito, eu vim de longe, de muito longe, o que eu andei para aqui chegar, e chegou, e disseste uma coisa muito, me parece muito verdade, ou melhor, vou compará-la com uma que também é verdade, mas parece-me um lugar mais profícuo,
00:27:29
Speaker
Que é mesmo esse lugar onde tu elaboras a desilusão e a transformas numa coisa boa para ti e que consequentemente poderá ser boa para os outros.
00:27:39
Speaker
Em vez de ser o destilar de ódio através de uma zanga infrutífera.
00:27:46
Speaker
E por falar nisso, lembrei-me das últimas palavras dele do FMI, que já vamos conversar sobre o FMI, mas cai aqui que nem ginges.
00:27:56
Speaker
De como aqui chegar não vale a pena que a moral da história é tão pequena Que nunca por vingança eu vos daria No ventre das canções de sabedoria É isto É espetacular como Olha, como é sabedoria Isto é sabedoria de experiência É sabedoria que vem de dentro Não é...
00:28:23
Speaker
Não é isto que também tocámos na introdução e agora a Patrícia também tocou e tu tocaste de outra forma na tua apresentação.
00:28:32
Speaker
Que é isto que também temos vindo a ver.
00:28:36
Speaker
Porque nós temos a vindo a ver duas coisas, entre muitas outras.
00:28:42
Speaker
De facto temos vindo a ver o ódio a ser destilado, mas temos vindo, e vimos isso a aumentar...
00:28:51
Speaker
O ódio poderá ser o mesmo Mas os canais onde se pode ser transmitido e destilado são mais E que depois também faz com que aumente Com que se contagie E se contaminemos, como tu usaste a palavra Contaminar uns aos outros por Mas isto também que é...
00:29:14
Speaker
que é o ódio camuflado, que é este lugar onde de facto as pessoas aprendem a mimetizar com tal categoria que dizem coisas tão verdadeiras, completamente desprovidas de... Interioridade.
00:29:32
Speaker
De interioridade e desta ressonância interna de quem viveu, não é?
00:29:38
Speaker
Porque tu para saberes isto, que eu acabei de dizer do José Mário Branco, tu tens mesmo que vir de longe, de muito longe, até aqui chegares.
00:29:48
Speaker
E nas mimetizações que se apanham tão bem, quem está mais atento pode apanhar tão bem.
00:29:56
Speaker
É muito... Isto é uma constante também nos dias de hoje.
00:30:02
Speaker
E nós vemos isto tanto na direita como na esquerda.
00:30:05
Speaker
Não é?
00:30:08
Speaker
É uma coisa que acaba por ser assustadora na medida em que, de facto...
00:30:16
Speaker
Estes lugares que aparentemente estão na luta podem de fato retirar-nos muita esperança porque deixamos de os ter como inteiros locutores, porque nós percebemos o que é que é falso e o que é que é verdadeiro.
00:30:29
Speaker
E portanto eu também gosto muito deste disco porque ele está cheio dessa força.
00:30:34
Speaker
que é muito interna, que vem mesmo de um sítio profundo, de quem viveu e experienciou aquilo que está a cantar e aquilo que está... E atenção, tu não precisas de passar pelas coisas para as poder viver, porque exatamente a empatia é isso.
00:30:53
Speaker
E é isso nesta medida, porque a empatia é aquele sítio onde tu de facto não vives-te aquilo, mas consegues-te colocar naquele lugar.
00:31:03
Speaker
Não é tão empatia coisas como nós ouvimos do género.
00:31:06
Speaker
Ah, eu sei o que isso é porque eu também passei por o mesmo.
00:31:11
Speaker
E pode haver um certo encontro de identificação com o outro, mas tu não precisas de passar pelo mesmo para saberes o que o outro está a sentir.
00:31:19
Speaker
Tens é de conseguir colocar no lugar dele.
00:31:22
Speaker
E nem sempre, e muitas vezes nós até vemos uma falsa empatia, quando ouvimos pessoas a dizer qualquer coisa do género.
00:31:29
Speaker
Ah, eu sei o que isso é, porque também me aconteceu.
00:31:32
Speaker
Isso é outra coisa, isso não é empatia.
00:31:35
Speaker
E portanto, é por isso também que eu gosto muito do José Mário Branco.
00:31:40
Speaker
E pela inquietação.
00:31:41
Speaker
Claro.
00:31:42
Speaker
Claro, claro que está... Não é porque vocês estavam a dizer, toca nisto, não é?
00:31:48
Speaker
Que a inquietação diz maravilhosamente, não é?
00:31:50
Speaker
Que é...
00:31:51
Speaker
Este sítio que é o sítio que vem a seguir Há sempre um sítio qualquer a seguir Que tu não sabes qual é e aguentar isso Eu acho que é o resgate da curiosidade também pelo outro E a inquietação que causa aquela tal estranheza Que tu dizias logo no princípio E que é preciso às vezes saber Ficar os pés Ok, o que é que vem?
00:32:11
Speaker
uma coisa muito curiosa nesta questão, que agora vai se transformar num meme cotidiano, que é de dizermos o que se está agora a viver, o que é que está agora a acontecer, e falamos do ódio e tudo isso.
00:32:25
Speaker
E a mim parece-me uma coisa muito estranha neste sentido, em que nós temos uma imagem do ódio por oposição ao amor.
00:32:38
Speaker
Mas, provavelmente, eu estou a ler o livro do Miguel Carvalho sobre o Chega.
00:32:44
Speaker
Aliás, eu disse ao Miguel quando foi à apresentação do livro, disse, ok, comecei a ler isto e parece-me excelente, falta-me agora perceber se tu vais escrever o outro livro que é Por Dentro da Oposição ao Chega.
00:33:01
Speaker
Porque eu creio que a oposição ao Chega faz crescer o Chega.
00:33:06
Speaker
E portanto acho que é uma blague, claro, tem o seu que é de blague como quase tudo o que eu digo, mas tem esse fundo de pensar que a nossa incompreensão sobre esse fenómeno está a fazê-lo crescer.

Dinâmicas de oposição política e amor/ódio

00:33:22
Speaker
E está a fazê-lo crescer nesse sentido também de uma inquietação desmesurada que temos, porque não somos capazes de compreender este fenómeno,
00:33:34
Speaker
É um truque.
00:33:34
Speaker
Truque não é um truque, é um truque.
00:33:36
Speaker
É um truque.
00:33:40
Speaker
Aquilo que nós chamamos ódio é amor de outra forma.
00:33:45
Speaker
Ou seja, o que é perfeitamente destruturante é que nós não estamos a conseguir fazer uma plataforma de comunicação entre o nosso entendimento do que é o ódio e o amor, que é a forma como nós todos organizamos a nossa vida durante anos e anos, e portanto é isso que nós temos para compreender o mundo, e de repente uma destruturação disso em torno do caos e...
00:34:09
Speaker
Esses agentes que nós vemos como agentes do caos, dentro são agentes da ordem para eles.
00:34:16
Speaker
E é um gesto amoroso que eles têm para com o mundo.
00:34:19
Speaker
É o amor possível deles.
00:34:21
Speaker
E enquanto nós não conseguimos estabelecer uma plataforma em que entendemos esse lugar de amor, não vamos conseguir comunicar com isso.
00:34:34
Speaker
O tinha uma coisa muito engraçada que era...
00:34:39
Speaker
um determinado momento do nazismo em que ele corresponde a uma aspiração de ser positiva de uma determinada classe.
00:34:48
Speaker
E depois é que vem a barbárie.
00:34:50
Speaker
Mas naquele momento em que ele é sonho, aquelas pessoas que estão estão a acreditar mesmo, que estão a criar um mundo melhor.
00:34:59
Speaker
Se nós formos ver...
00:35:01
Speaker
Eu às vezes vejo, por causa disso, os tempos do Chega, de tudo isso, vemos que eles estão realmente, para além do lixo e de tudo isso, da maquinação, mas vemos que muitos deles estão realmente convictos de que estão a fazer as coisas...
00:35:22
Speaker
O que devem fazer?
00:35:23
Speaker
E então eu pergunto-me como é que eu vou conseguir entender essas pessoas?
00:35:29
Speaker
O meu problema não é dar-as um lugar de razão ou de não razão, mas é, interessa-me classificá-las?
00:35:38
Speaker
ou interessa-me compreender o tempo em que elas estão a agir.
00:35:43
Speaker
Porque, no fundo, poderemos dar aqui o caso de que eu, ao não compreender, ao recolher-me na minha tribo, que é perfeitamente normalíssimo, eu não consigo compreender estes fenómenos, ninguém consegue compreender.
00:35:59
Speaker
Quer dizer, eu tenho 63 anos, eu vivi,
00:36:03
Speaker
Os últimos 50 anos em democracia, toda a minha aspiração é disso.
00:36:09
Speaker
Quer dizer, de repente virem-me aqui pessoas com esta... Os derrotados do 25 de Abril, como chamam a coisa, de construir um discurso sobre a realidade, eu não consigo compreender isso.
00:36:22
Speaker
Eu tenho um momento em que eu...
00:36:24
Speaker
Eu não consigo E depois ainda por cima Porque se juntam Linguagens de violência De destruição e de tudo misturado Temos Aquele caso risível Que se transforma em endóton Que rouba malas Mas depois há coisas muito mais graves grupos armados Que são apanhados Porque têm um armamento militar Que aquilo dava para fazer quase que uma guerra civil
00:36:53
Speaker
E isso é muito preocupante, porque isso está aqui nos nossos quotidianos, não está na lua, não está... Como é que a gente lida com isso?
00:37:06
Speaker
Eu acho que temos de fazer um esforço de desamarrar a linguagem que nós usávamos
00:37:14
Speaker
Antes e criarmos aqui um vazio Em que não sabemos comunicar isto Em que não sabemos pensar isto Não saber pensar uma coisa Neste momento é a coisa mais importante Que nós podemos fazer, é dizer Não, ok, se eu tiver De destruir Porque não quer destruir, eu vou Mas antes disso eu vou reconhecer Que é porque eu estou numa posição de derrota Face ao real
00:37:39
Speaker
porque eu vejo que muitas vezes nós não conseguimos identificar isso eu quando estava na apresentação do livro do do Miguel Carvalho é Miguel Carvalho é Miguel Carvalho, sim
00:37:58
Speaker
A certa altura estavam-lhe a dizer, ok, nós estamos aqui a falar sobre o que é que nós vamos fazer por estas pessoas que são deste grupo e que andam a dizer que o mal são os imigrantes, que o mal são isto e mal aquilo.
00:38:11
Speaker
E de repente nós estamos a...
00:38:14
Speaker
Olhar para estas pessoas como se elas fossem a causa da degradação da democracia.
00:38:19
Speaker
E estamos a fazer o mesmo exercício.
00:38:21
Speaker
A democracia não é por causa destas pessoas que se deteriorou, foi porque foi-se deteriorando e porque nós não cuidámos dela.
00:38:31
Speaker
Mas isso não somos capazes de pensar.
00:38:33
Speaker
Então, como não somos capazes de pensar, temos ali o bucho de Napoleão para suportar isso.
00:38:40
Speaker
Vou dar agora a palavra à Patrícia, porque eu agora tenho que dizer uma coisa.
00:38:45
Speaker
Consigo perceber exatamente a tua perspectiva e de como é que tu estás a ver isto, porque de facto...
00:38:51
Speaker
Acho que é o exercício que quem, de facto, não está por dentro daquilo que agora vou aqui puxar a brasa à nossa sardinha, que é a psicanálise, ou seja, quem não estuda a psicanálise, de facto...
00:39:06
Speaker
É um grande exercício de reflexão este que tu estás a fazer, não é?
00:39:10
Speaker
Porque é tu, o que estás a fazer é colocar-se no lugar do outro para tentar perceber o que é que aquelas pessoas estão a sentir comparativamente com aquilo que nós sentimos e até que ponto estamos aqui a fazer quase uma reciprocidade dentro daquilo que acreditamos que é o nosso amor e o amor deles.
00:39:26
Speaker
E acho mesmo que as pessoas deviam pensar assim, até lhes dar mais plasticidade ou elasticidade ao pensamento.
00:39:32
Speaker
Mas, tenho que te dizer...
00:39:35
Speaker
Que a psicanálise pensa isso tudo Isso, esse lugar que é quase impensável E que é tão difícil de pensar Nós pensamos-o a toda hora Porque isso de facto está muito É uma É resultado de uma grande complexidade E da dinâmica de muitas variáveis E nós constantemente Passamos o tempo a pensar nisso E portanto eu acho que a Patrícia
00:40:00
Speaker
Depois de ter ouvido, e antes de eu também dizer uma ou duas coisas sobre isso, gostaria de dizer, acho que tenho coisas a dizer sobre isto, não tenho absolutamente duvido.
00:40:10
Speaker
Ana, tu me deixaste até ficando nervosa, é porque eu vou a dizer, eu estava a pensar, vou a outro sítio primeiro, que é esse sítio da desconstrução do carro, porque eu dei comigo no outro dia a pensar assim, se calhar estou com aquela coisa que eu ando sempre a dizer que não existe, mas sou eu que estou.
00:40:24
Speaker
Diz-se a Carolina quando cheguei, eu acho que estou a ficar com o PHDA, que é o diagnóstico contra o qual eu luto.
00:40:30
Speaker
Eu luto na medida daquilo que me parece que é o excessivo, sabes o que era a coisa do déficit de atenção.
00:40:36
Speaker
Mas pensei-me outra coisa, a dificuldade que tenho em pensar algumas coisas faz-me perder outras, porque fico atentada à sentida, à dimensão daquilo que está a acontecer.
00:40:45
Speaker
Portanto, efetivamente, eu acho...
00:40:48
Speaker
que a dimensão do que nós estamos a viver neste sítio de destruição é tão tão tremenda que a sensação que é como continuar a acreditar que é possível irrigar de vida a ponto de suportar tanta destrutividade, não é?
00:41:02
Speaker
Por isso, seja como for ou seja do ponto de vista mais global que é mesmo difícil também para mim pensar mas o que eu sinto é como em processos mesmo como dizia Ana Tres é mesmo em processo de análise, não é?
00:41:13
Speaker
Que tu tens alguém que está decidido a destruir-te todo o consultório em todos os sentidos
00:41:19
Speaker
como fazer o movimento de suporte daquilo que ali se passa sem te deixar contaminar a ponto de tu também estar naquele caos de estruturação, não é?
00:41:28
Speaker
Portanto, é um limiar e é um risco tremendo, é isto que eu sinto, acho que nós estamos todos num risco tremendo de ir para uma zona de decepção que deixa de ser uma inquietação boa e passa a ser a destruição do próprio ser solidário, não é?
00:41:42
Speaker
Por isso, é isso que tu querias?
00:41:45
Speaker
Não, não, concordo com isso, eu digo também.
00:41:48
Speaker
Mas efetivamente, eu também acho que um sítio de desconstrução que é brutal, que não é uma desconstrução do dia-a-dia normal, estou a pensar, não é uma consulta normal.
00:41:58
Speaker
Agora coisa quase risível, mas não é. É mesmo uma carga de destrutividade com vida própria que pode agir uma coisa coletiva, que eu acho que sim, que acho também, e que foi buscar dentro de cada pessoa as suas fragilidades imunitárias para se fazer vingar, no fundo é isto.
00:42:15
Speaker
Mas, por isso é que eu ando neste pensamento, talvez um pouco até utópico, mas estava a pensar aqui no disco também muitos sites de utopia que eu também gosto.
00:42:23
Speaker
Mas, de ter a certeza que nós temos que garantir, e isso parece-me, independentemente de qualquer coisa que possa vir construir-se a partir daí, um terreno que tem que ser fértil, não pode estar seco.
00:42:34
Speaker
E esse terreno fértil que não pode estar seco.
00:42:37
Speaker
Tem que ser este resgate da curiosidade e do entusiasmo pela relação que se constrói, que é maior do que nós, e a resgatar também o prazer que é ver... Eu estou guardando com esta, mas eu acho que nós perdemos alguns pelo caminho, isto.
00:42:49
Speaker
Nesses sítios que tu estás a dizer, o que é que nós na psicanálise podemos ter para dizer, digo eu, para além das questões inconscientes e complexidades todas que a Ana disse.
00:42:56
Speaker
Mas é este sítio onde eu tenho imenso prazer em pensar que bom, que a Ana vai fazer não sei o quê, que lhe imenso prazer.
00:43:04
Speaker
Por sempre.
00:43:05
Speaker
Este sítio onde ficas mesmo contente com o prazer de ver o outro chegar no lugar.
00:43:07
Speaker
Gostar de gostar.
00:43:08
Speaker
Gostar de gostar, exatamente, é isso mesmo.
00:43:11
Speaker
E a partir daí eu acho que depois a seguir nós conseguimos pensar qualquer coisa.
00:43:13
Speaker
Mas a minha questão é até onde é que nós podemos também ir a esse caos?
00:43:20
Speaker
Garantindo que há uma parte de nós que não se deixa secar.
00:43:23
Speaker
Estou a conseguir explicar o que é isso?
00:43:26
Speaker
O que eu posso fazer, e é como eu faço a mim mesma, para não perder o pé, para não perder o pé, porque eu posso fazer a questão, e faço constantemente a questão que tu fizeste e que tu fazes a ti próprio, sobre isto que estávamos a falar, e quando eu faço essa questão a mim própria, eu tenho que trazer coisas dentro de mim para me ancorar, que é para não perder o pé, porque senão instala-se o caos, não é?
00:43:48
Speaker
Este caos de o que é que é referência, o que é que não é, para onde é que caminhamos.
00:43:54
Speaker
E uma coisa que para mim é fundamental e que é assim.
00:44:00
Speaker
Nós temos duas emoções básicas, que é o amor e o ódio, e as duas fazem parte de todos os seres humanos.
00:44:08
Speaker
Depois uns têm mais ódio, outros têm mais amor dentro deles, outros... E, inclusivamente, estas duas emoções base, se tu misturares como uma paleta de cores para pintares um quadro, daqui derivam imensos sentires e imensas emoções.
00:44:25
Speaker
E, portanto, o ódio faz falta.
00:44:27
Speaker
O ódio é fundamental que exista dentro de nós.
00:44:31
Speaker
A diferença que eu acho que ajuda a pôr os pés na terra e que mostra o quão perverte... o quão está perver... tudo isto está pervertido e que a perversão de facto se instalou de uma forma que eu acho que não estávamos à espera é esta.
00:44:50
Speaker
É que o ódio não o outro.
00:44:54
Speaker
O amor vê.
00:44:55
Speaker
Ou seja, o que distingue amor de ódio é a alteridade.
00:45:00
Speaker
portanto quando tu vês pessoas que querem expulsar imigrantes ou querem tirar burcas ou querem matar pessoas para expulsar de um território ou aniquilar uma identidade estamos de facto na ordem de um ódio cru que não o outro e portanto estamos perante um egoísmo muito primário que nasce muito até a partir de uma inveja que é a incapacidade de eu ver o outro
00:45:30
Speaker
Mas perceber que o outro existe com coisas que eu não tenho, eu tenho que o aniquilar.
00:45:35
Speaker
Portanto, a alteridade é o que distingue o amor do ódio.
00:45:41
Speaker
E portanto, essas pessoas que aparentemente podem pensar que estão a fazer o melhor, essas pessoas...
00:45:50
Speaker
Não pensam isso, porque essas pessoas não têm um acesso, do ponto de vista emocional, não têm um acesso a esta capacidade de ver o outro.
00:45:59
Speaker
Estão focadas naquilo que é a sua ideia própria, daquilo que é...
00:46:07
Speaker
a partir de si próprio e daquilo que é o incómodo para elas.
00:46:10
Speaker
Estamos mesmo num terreno de uma grande imaturidade emocional.
00:46:15
Speaker
E claro que essas pessoas existem e estão aí.
00:46:18
Speaker
E claro que temos que lidar com elas, mas temos que partir do princípio que aquilo não é de facto amor.
00:46:25
Speaker
Porque o amor nasce de uma relação de reciprocidade, de paridade,
00:46:30
Speaker
Nasce de uma coisa relacional, que é o ser humano é um ser relacional, o ser humano não é um ser que veio à Terra para viver sozinho, nós dependemos todos uns dos outros e, portanto, tudo o que seja posto em cima da mesa como um prolongamento de mim, que te aniquil naquilo que tu és e não esteja atento àquilo que tu és e àquilo que tu és diferente de mim, à tua necessidade, na tua diferença, vem do campo do ódio e nunca é amor.
00:47:00
Speaker
Pronto.
00:47:01
Speaker
E isto é a minha opinião.
00:47:04
Speaker
E é nisto que me vou ancorando quando de repente estou a ouvir coisas que são tão bem argumentadas, não é?
00:47:17
Speaker
Vêm de um sítio que é mimetizado mas que parece tão vindo de dentro...
00:47:23
Speaker
que é preciso estar atento só a isto esta pessoa que está a dizer isto está a ver o outro ou está focada na própria necessidade e que essa necessidade vem muito até da necessidade de aniquilar o outro pela impossibilidade de coexistir com ele
00:47:40
Speaker
Isto é o que eu acho que se está a passar.
00:47:42
Speaker
É daqui que vem a perversão.
00:47:44
Speaker
É daqui que vem a perversão e é daqui que temos... E por isso, e falaste tão bem, e eu pensei na palavra sedução.
00:47:52
Speaker
E por isso o Hitler seduziu tanta gente.
00:47:54
Speaker
Nesse primeiro ponto, não é?
00:47:56
Speaker
uma sedução...
00:48:00
Speaker
em que há um encantamento dos outros com essa argumentação, com essa vontade de mudar o mundo, ou seja o que for, e de facto as pessoas ficam um bocado enumeriadas com isso.
00:48:10
Speaker
E a seguir calhes a conta.
00:48:13
Speaker
E a seguir vem a conta, porque a seguir sim vem o outro, vai mostrar aquilo que é, dentro deste campo específico que estamos aqui a falar.
00:48:21
Speaker
E portanto...
00:48:23
Speaker
eu estava a ouvir eu estou totalmente de acordo contigo e estava a pensar qual é a minha âncora estava a pensar qual é a minha âncora porque eu também a minha âncora é esta quando eu para um determinado fenómeno tiver que fazer um movimento que de alguma forma representa uma construção jactante de mim próprio eu estou errado então eu
00:48:54
Speaker
Vou à praia, vou fazer outra coisa igual quero Mas nesse dia eu não vou fazer nenhuma teoria Sobre aquilo que eu não estou a conseguir compreender Porque nesse momento Eu estou a fazer aquilo Que é aquilo Que é a única coisa que eu posso cuidar neste mundo Que é de manter íntegro
00:49:10
Speaker
é de manter com capacidade de analisar e por isso e agora vou puxar a minha de comunicação ou seja, existe esse plano da comunicação que é e eu não quero falar sobre uma realidade que eu desconheço tanto, estou a ler um livro com 700 páginas e estou a 30 portanto não tenho nenhuma mas aqui uma questão que me parece que é que me funciona como essa âncora que é
00:49:42
Speaker
Eu quero lidar com uma pessoa sobre a qual eu consigo vê-la enquanto pessoa.
00:49:48
Speaker
Quando eu não conseguir, então eu desligo.
00:49:51
Speaker
E parece-me que há aqui camadas de comunicação política.
00:49:56
Speaker
Eu uma vez estava a entrevistar o José Gil e estava-lhe a perguntar sobre isso, sobre o caos e a ordem, em como o caos muitas vezes é potenciador.
00:50:06
Speaker
Ele dizia uma coisa muito engraçada.
00:50:08
Speaker
O problema é que estes tipos que nós estamos aqui a falar, estes venturas, esta vida, estes tramps, essas coisas todas, eles não estão no caos.
00:50:23
Speaker
Eles estão muito bem organizados a tecer o controle desse caos.
00:50:30
Speaker
Mas aquilo é completamente organizado.
00:50:32
Speaker
E cada vez estão a evoluir mais...
00:50:35
Speaker
E, portanto, esse plano da comunicação que eu concordo exatamente contigo.
00:50:42
Speaker
Mas uma coisa engraçada que para ver na 30ª página por dentro do Chega ou também nas apresentações que o Miguel faz, que é ele diz.
00:50:53
Speaker
Uma das coisas que me espantou na minha aprendizagem com o Chega era ver que eu tinha aquela pessoa que achava
00:51:02
Speaker
Que não, que os imigrantes não, é uma questão, os imigrantes podem estar.
00:51:08
Speaker
Aquela questão da igualdade de género Ele faz muito bem em dizer aquilo E o outro achava exatamente o contrário Ou seja, as pessoas tinham uma adesão Factal À causa Mas depois defendiam Porque achavam que ele falava muito bem E isso Pode também Fazer perceber-nos Que Estas pessoas todas Que Que
00:51:37
Speaker
que estão por nós assumidamente a não conseguirmos compreender, porque nós temos que assumir que não temos padrões para compreender um tipo que, de momento, sem nenhum interesse aparente nisso.
00:51:49
Speaker
Ou seja, eu compreendo que um tipo que perdeu no 25 de Abril todo o seu potencial político, continuou por estes anos todos a tentar encontrar um espaço de afirmação e que agora encontrou.
00:52:05
Speaker
como mandou a financiar e andou a fazer estas pessoas que foram os derrotados de 25 de abril não tiveram parados a dormir a cesta eles estiveram lá, só que não foram encontrando mas de repente o Miguel diz como é que eu compreendo que aquele tipo que tem o salário mínimo vai revoltar-se contra o salário mínimo do outro gajo que está ao lado que identidade é que ele criou é que já não estamos a falar de pessoas
00:52:34
Speaker
que estamos a falar de uma outra coisa.
00:52:37
Speaker
E isso sim... Estamos sempre a falar de pessoas, sabes porquê?
00:52:40
Speaker
Porque estamos a falar de inveja.
00:52:43
Speaker
E nós descuidamos muito a palavra inveja, porque é quase que o Ricker dizer, ah, tem inveja de mim, ah, tem inveja dele, e não se para para pensar exatamente o que é que é isto.
00:52:56
Speaker
É porque é uma das emoções, é das primeiras emoções que o ser humano desenvolve, é inveja.
00:53:03
Speaker
É assim, nos primeiros dias de vida.
00:53:06
Speaker
É uma coisa mesmo muito primária Que não precisa de grande Que não é muito complexa É muito básica A inveja é a coisa mais básica Ainda hoje com 63 anos eu sofro com a minha inveja Imagina A inveja é isto Tu tens uma coisa que eu quero
00:53:24
Speaker
Eu não posso ter porque és tu que a tens, então eu vou-te matar porque tu também não a podes ter.
00:53:28
Speaker
É isto, isto é tão básico, é tão básico, básico no sentido de é zero complexo, é pobre, é mesmo pobre, mas é das primeiras a aparecer.
00:53:37
Speaker
É precisamente por não termos estrutura mental para desenvolver uma coisa maior que desenvolvemos logo a inveja no início.

Insegurança e comportamento destrutivo

00:53:43
Speaker
E a inveja é a causa de quase... a inveja é a desgraça do mundo, não é?
00:53:48
Speaker
Que no outro dia falávamos e quem é que dizia, não é por acaso que os Lusíadas acabam com essa palavra?
00:53:54
Speaker
É reportar-se um bocadinho ao povo português, mas não é em Portugal, é no mundo inteiro.
00:53:58
Speaker
E portanto, ainda continuamos a falar de pessoas porque a própria inveja se desenvolve a partir da impossibilidade de eu conseguir estar na relação com o outro, nesta comunicação em que, olha que bom, tu tens uma coisa que eu não tenho, mas eu estou contente por tu teres.
00:54:13
Speaker
Olha, eu gostava de ter também.
00:54:15
Speaker
Se calhar vou conversar contigo para tu me ensinares como é que isto pode ser.
00:54:18
Speaker
Em vez de dizer, não, vais daqui para fora, vais tirar a burca, vais-te embora daqui do país porque eu não estou para aturar isto.
00:54:23
Speaker
Portanto, isto mostra exatamente o oposto, é o quão frágil estas personalidades são.
00:54:30
Speaker
É como, por exemplo, agora também tocaste na questão do genocídio.
00:54:35
Speaker
Eu nem sequer vou falar sobre as pessoas que consideram que o que está a acontecer em Gaza tem que acontecer.
00:54:45
Speaker
Que muitas que pensam assim.
00:54:47
Speaker
Não, vou falar das pessoas que umas chamam-lhes de homicídio, outras não chamam-lhes de homicídio.
00:54:58
Speaker
e se nós conversarmos com as pessoas que não chamam genocídio a isto nós conseguimos perceber a fragilidade enorme que têm de imaginar que há um grau de maldade que os pode destruir a eles também a diferença é que não acedem ao lugar que estávamos todos a falar ainda há bocado que é respira na dor não, dói, fecha
00:55:21
Speaker
Respira na dor.
00:55:22
Speaker
Se aguentares respirar na dor, aguentas perceber que um lugar de maldade como este no mundo e vais-lhe chamar a genocídio.
00:55:29
Speaker
Se tu não aguentares respirar na dor, se tu não acederes a esse lugar, que é um lugar difícil, porque olha que foi contigo que eu tive esta conversa dois anos que seres humanos é que vai mexer.
00:55:41
Speaker
Estávamos a beber um copo.
00:55:44
Speaker
na Graça Estes momentos que eu acho terríveis, que nos lembram coisas que a gente não se lembra viste?
00:55:50
Speaker
Estávamos a ver um copo de vinho e dizer que seres humanos isto tinha acabado Andava tudo em sério no sítio, não é?
00:55:57
Speaker
No início e pensarmos o que seres humanos é que vamos ser Portanto, isto é um lugar muito difícil de aguentar para todos nós Nós temos andado a aguentar uma coisa que não se aguenta que é a impossibilidade de agirmos
00:56:10
Speaker
sobre esta violência e este massacre que está a acontecer portanto depois há aquelas pessoas que não conseguem aguentar este lugar então não lhe podem chamar genocídio porque é assumir que um grau de maldade no mundo do qual têm medo do qual têm medo e portanto é aqui que se também a fragilidade de algumas personalidades não é porque as pessoas querem que matem pessoas as pessoas não querem é ver que um grau de maldade que te pode vir matar desta forma que se chama inveja e que é mesmo maligna
00:56:41
Speaker
E que é a principal causa da destruição do mundo.
00:56:45
Speaker
falei demasiado.
00:56:49
Speaker
Pronto.
00:56:50
Speaker
Mas não.
00:56:51
Speaker
A questão do genocídio também tem uma outra questão associada, que é... Eu às vezes, quando as pessoas me dizem que não há genocídio, eu digo, ok, então o que é que há?
00:57:04
Speaker
Assim mesmo.
00:57:04
Speaker
O que é que há?
00:57:04
Speaker
Vamos definir o que é que há.
00:57:07
Speaker
Talvez nos consigamos entender aí.
00:57:09
Speaker
Uhum.
00:57:13
Speaker
Rezaram ou não rezaram com o povo?
00:57:16
Speaker
Arrasaram ou não arrasaram, deitaram armas para pessoas que não tinham armas.
00:57:20
Speaker
Ok, então vamos fazer o checklist.
00:57:23
Speaker
Não me interessa a questão do genocídio, a palavra genocídio.
00:57:26
Speaker
Interessa-me então encontrar o sítio onde eu e tu vamos conseguir criar uma evidência partilhável para definirmos uma ação em relação a qualquer coisa que nós achamos que é insustentável.
00:57:35
Speaker
Sim, mas percebes que para algumas pessoas o que se torna insustentável é qualquer coisa deste terreno.
00:57:41
Speaker
Está bem, mas como isto é insustentável para mim eu vou tamputar um bocadinho de ti.
00:57:46
Speaker
Para eu aguentar.
00:57:48
Speaker
Entendes?
00:57:49
Speaker
E o movimento é este.
00:57:50
Speaker
Eu vou amputar um bocadinho de ti para eu aguentar isto.
00:57:58
Speaker
que é a ideia de agregar, não é?
00:58:00
Speaker
É porque efetivamente é que vamos pela forma de entendimento, senão a clivagem é total e a ruptura é infinita, não é?
00:58:05
Speaker
A questão é como pôr isso em prática ou como pôr isso em marcha.
00:58:09
Speaker
E depois não confundir lugares, acho eu, porque existe realmente o cúmulo das coisas, que é essa perversão máxima, não é?
00:58:14
Speaker
Da morte total, crua, sem infinito nenhum, não é?
00:58:17
Speaker
Toda finita.
00:58:19
Speaker
Pois existe o mundo do meio, eu também me pareço, muita coisa para pensar, a psicanálise é o mais, chega a 50 mil outras disciplinas que pensam sobre isto, nós pensamos isto do ponto de vista singular e depois extrapolamos um bocadinho e vamos vendo que os movimentos são idênticos, mas em todo o caso eu acho que houve vozes, nós em psicanálise falamos muito na contra-transferência, que são as coisas que estão a ser ditas sem serem ditas e que se não lhes prestares atenção elas têm vida própria, não é?
00:58:42
Speaker
Portanto, eu acho que houve muitas coisas coletivas que estavam a acontecer e que não tiveram voz.
00:58:47
Speaker
E surgem depois, assim como ímpetos impulsivos, viscerais, que vêm diretamente dos sítios não pensados, vêm em vista e são socialmente consentidas por fatores maiores que eu penso que não consigo chegar lá.
00:58:57
Speaker
Eu não consigo.
00:58:58
Speaker
Qual é a função que pode ter esta ideia de que quer dizer que eu posso, no sentido de que muita gente pensou sobre isto, e a ideia do domínio e submissão, e a colonização mental, e todas estas coisas que nós sabemos...
00:59:08
Speaker
Mas, de um ponto de vista mais singular, não dúvida que a visceralidade não mentalizada está a ser premiada, não é?
00:59:16
Speaker
E isto é perigoso, porque isso é o oposto da agregação que nós estamos a falar, não é?
00:59:20
Speaker
E depois, quando tu sugeres agregação a uma tentativa de encontro, esse encontro é sentido como uma coisa de brutalidade, não é?
00:59:29
Speaker
está aí que nós falávamos que é um sentido de paridade, que não há domínio e submissão, não é?
00:59:32
Speaker
Como se existisse, agora voltando ao princípio da conversa, como se existisse esta necessidade tão grande do tal infinito, não é?
00:59:39
Speaker
Que se torna absolutamente infinito, mas como se a condição existencial a partir da tivesse completamente contaminada, não é?
00:59:44
Speaker
Porque o que de base, acho eu, é esta impossibilidade de tudo sentir-se finito.
00:59:48
Speaker
Eu acho que nós somos uma espécie mesmo mal acabada nesta parte.
00:59:51
Speaker
Acho mesmo que continuamos nestas estupidez.
00:59:53
Speaker
Eu estou à espera do upgrade.
00:59:55
Speaker
Tu disseste aquela coisa fantástica logo no princípio.
00:59:58
Speaker
Disseste a questão da morte, não é?
01:00:00
Speaker
Como é que disseste?
01:00:00
Speaker
Disseste qualquer coisa da morte logo no princípio.
01:00:03
Speaker
Está interessado agora em pensar sobre... Pensar sobre a questão da morte, mas tu disseste de uma maneira ótima que era um bocadinho isto, não é?
01:00:09
Speaker
E a partir daí é que eu posso renegar esse lugar Que tu disseste maravilhosamente, por outras palavras Mas quer dizer, os lugares narcísicos onde nós estávamos ancorados Qual é o meu lugar narcísico?
01:00:18
Speaker
E porquê que eu morro de medo de sair dentro dele?
01:00:21
Speaker
Como é que fazemos um exercício de abnegação desse lugar Para nos encontrarmos mais capazes de estar na relação com os outros E isso é um exercício psicanalítico também Pode ser outra coisa qualquer Mas também é psicanalítico Mas não chega Não chega, olha esta palavra Mas não basta
01:00:35
Speaker
É preciso mais Não é suficiente Exatamente, não tem nada Mas eu acho que há muitos lugares Por pensar, eu também me parece muitas coisas por pensar Agora Diz isso que és de...
01:00:51
Speaker
Não, eu ia dizer que concordo em tudo com o que estás a dizer.
01:00:55
Speaker
que acho que temos que acrescentar a isto, que de facto, essa questão de agregar, não é?
01:01:05
Speaker
Se tentarmos entrar em relação com uma pessoa que não quer estar em relação...
01:01:14
Speaker
as coisas tornam-se muito impossíveis e por isso é que as coisas estão tão disruptivas.
01:01:18
Speaker
Mas pensando que vai na base de tudo, se toda a gente quer estar em relação, ainda pessoas que podem não estar completamente secas e que tanto seja possível.
01:01:25
Speaker
Claro, não.
01:01:27
Speaker
Não, mesmo nestas pessoas.
01:01:28
Speaker
Sim, claro, claro, claro.
01:01:30
Speaker
Temos num...
01:01:32
Speaker
E por isso é que a esperança nunca morre Eu acho que te contei isto 30 vezes, isto é um exemplo patético No meio de 50 mil coisas que as pessoas todas passaram Mas para mim aquilo foi muito sintomático E tinha acabado o curso E fui dar aulas para uma coisa que era na altura de Quinto do Cabrinha contei isto 30 vezes
01:01:47
Speaker
Eu não ouvi ainda Mas conta que nós editamos Se por acaso tiver sido contada neste podcast Vai lá, Patrícia Mas olha, porque é que foi aquilo Nós íamos fazer formação no Quinto do Cabrinha E era uma coisa sobre No fundo era para teres equivalência ao nono ano E então eram miúdos Entre os 18 e os 24 Mais ou menos E...
01:02:13
Speaker
E eu tinha 24, não é?
01:02:15
Speaker
Acabadinhas de fazer, estás a ver?
01:02:16
Speaker
Fui dar ali a aula.
01:02:18
Speaker
E era um grupo de formadores, pronto, não interessa.
01:02:20
Speaker
E então eles tinham definido uma data de regras que eu pensei, deixa-me ver, porque as regras pareceram um bocado assustadoras, mas regras que eram tentativas de chegar a estes minutos, não é?
01:02:29
Speaker
Então eu fiz logo no primeiro dia como é que era a apresentação para se apresentarem.
01:02:34
Speaker
E então faziam.
01:02:35
Speaker
Suásticas.
01:02:37
Speaker
A sério.
01:02:38
Speaker
Tinha um negro a fazer uma suástica, um...
01:02:41
Speaker
Era tudo assim, coisas completamente Um fez, não sei o que, viva o Hitler Isto foi há 20 anos, não é?
01:02:46
Speaker
Viva o Hitler, não sei o que Eu pensei, o que é que eu faço com isto?
01:02:49
Speaker
Eu sabia que eles eram todos ali do bairro, mas vocês sabem quem era o Hitler?
01:02:54
Speaker
Sim, morta aos pretos!
01:02:56
Speaker
E o que dizia isto era negro, não é?
01:02:58
Speaker
Eu dizia, mas quais pretos?
01:03:00
Speaker
Quem são os pretos?
01:03:01
Speaker
Estes sítios todos de vazio e desconstrução total.
01:03:04
Speaker
Mas repara, havia mesmo um vazio de tudo, não é?
01:03:07
Speaker
Era um vazio de tudo.
01:03:08
Speaker
O único sítio que sobrava para pôr na folha em branco que eu lhes tinha dado era este lugar.
01:03:13
Speaker
Isto é assustador, não é?
01:03:14
Speaker
É assustador, mas é muito identitário de vazio, não é?
01:03:18
Speaker
Pronto, mas eu tive sorte, porque ainda tive algum tempo com eles e foi possível.
01:03:21
Speaker
Depois falei na altura com a minha irmã que me deu uma ideia de umas músicas e tal que entretanto se ouviu na altura que eu penso que agora... Nem isso, não é?
01:03:27
Speaker
Nem isso.
01:03:27
Speaker
Eu não quero ser fatalista, mas... Tinhas aqueles fulanos do... Ajudem-me, como é que se chamava?
01:03:33
Speaker
O Sam de Kid e não sei o quê que tinham letras boas e que estavam para desconstruir.
01:03:36
Speaker
Ah, sei que a minha função era pô-los a ler os Lusias e a mensagem.
01:03:42
Speaker
Estás a ver?
01:03:43
Speaker
Mas a verdade é que através destas coisas foi possível.
01:03:47
Speaker
E eles começaram realmente no movimento a ter que fazer qualquer coisa em conjunto todos.
01:03:50
Speaker
O que é que eu acho que houve de diferente que correu bem comigo?
01:03:53
Speaker
Que correu bem com outros formadores e não correu bem com alguns outros?
01:03:57
Speaker
Porque houve uns que acharam que eles não podiam dizer as neiras.
01:04:00
Speaker
Não podiam.
01:04:00
Speaker
Portanto, não podiam falar nestas coisas do Hitler e das swastikas e não podiam dizer as neiras, das múltiplas que diziam.
01:04:06
Speaker
Então tinham posto uma caixinha que era para eles porem 5 cêntimos, ou o que é que era, cada vez se acessem a imagem, era claro que eles tiraram com aquilo para o ar, partiram tudo, foi um 31, e eu pensei, mas eu também sei dizer estas as neiras todas, que isso também não me ofende minimamente.
01:04:18
Speaker
Foi a única coisa que eu acho que fiz de diferente, foi, não fiz uma crítica à linguagem, que eles traziam pelo contrário, aceitei.
01:04:23
Speaker
O que eu disse foi, se para vos fazerem uma coisa qualquer, agora imaginem que vão dizer isto, à senhora da Mercê de baixo, que eu depois conhecia, que era uma velhota que estava lá, acham que ela vai perceber da maneira como vocês estão a dizer.
01:04:34
Speaker
Não, transforma ela a isso numa linguagem que ela entenda.
01:04:37
Speaker
E foi por ali fora, numa construção de textos, para chegar à linguagem que não sei quem, não sei onde podia entender.
01:04:43
Speaker
Isto para falar nestes fenómenos, e a verdade é que me passou como final, havia qualquer coisa de transformação, que se calhar não durou dois dias, não é?
01:04:49
Speaker
Mas que me deixou um bocadinho satisfeita por este exercício do respeito da linguagem, que eu acho que é o que também estás a dizer, como ouvir a linguagem do outro, não é?
01:04:57
Speaker
Agora, a âncora era esta minha ideia, que realmente é o paradigma do qual nós partimos, que respeitando minimamente aquilo que era o espaço daquilo que o outro trazia no seu poder, pudesse fazer diminuir este movimento.
01:05:12
Speaker
que nós chamamos ódio, mas que ali era mesmo uma inscrição superficial de um lugar de... existiam por aquele lugar de raiva, não é?
01:05:18
Speaker
Nem sei se se pode chamar de ódio isto, de um lugar de rasgar qualquer coisa.
01:05:24
Speaker
Achar que isto dava para transformar num outro lugar qualquer, não é?
01:05:28
Speaker
Mas é isto.
01:05:31
Speaker
Este preâmbulo todo era para dizer isto.
01:05:34
Speaker
E, repara, eu não tenho nenhuma possibilidade de compreender uma realidade que eu não conheço como essa.
01:05:42
Speaker
Eu não estou tão preocupado em compreender o tipo do chega.
01:05:46
Speaker
Aquilo que eu estou preocupado... É estas pessoas.
01:05:49
Speaker
Não.
01:05:49
Speaker
É de eu não me investir numa posição arrogante na minha relação com ele.
01:05:53
Speaker
Exatamente.
01:05:54
Speaker
É isso mesmo.
01:05:54
Speaker
É a única coisa... É isso, é isso.
01:05:56
Speaker
Eu tenho... Eu sou CEO... Vocês não sabiam, mas eu sou CEO de uma empresa que tem 1,80m por 30cm de lado.
01:06:03
Speaker
É a única coisa que eu posso gerir...
01:06:07
Speaker
O que eu posso gerir com alguma eficácia é tentar que essa empresa não se destrua, não se torne arrogante porque não conseguem compreender a realidade.
01:06:18
Speaker
Agora, o problema do tipo do Chega, se ele está a fazer aquilo por bondade ou por não bom, é dele.
01:06:26
Speaker
Exatamente.
01:06:27
Speaker
Exatamente.
01:06:27
Speaker
Eu destituí-lo da sua condição de pessoa para me tentar a mim, para sobreviver político-eticamente, esse é um problema meu.
01:06:36
Speaker
E esse é um problema que eu tenho que cuidar.
01:06:39
Speaker
É por isso que eu vejo muitas vezes que parece que o único ponto de fuga que nós temos é para a tribo.
01:06:47
Speaker
Ou seja...
01:06:50
Speaker
não conseguimos organizar-nos numa comunidade global, vamos aqui na nossa triba onde nos entendemos.
01:06:57
Speaker
Eu acho isso importante.
01:06:59
Speaker
Aliás, uma das coisas muito giras que se está a passar, eu não sei se vocês têm essa perceção, mas eu tenho a vários níveis, é que em vários níveis de perceção, seja individual, grupal, grupos muito heterogêneos, cada vez mais eu vejo esta necessidade das pessoas estarem face a face com outras pessoas.
01:07:18
Speaker
E é reafirmar isso.
01:07:20
Speaker
Quando um encontro, quando há um grupo, é isto que tem que se fazer.
01:07:26
Speaker
Ou seja, é quase como se fosse um movimento que parece contraditório com esta questão da representação do outro, mas é sequer uma coisa que é quase... Eu gosto de pensar que nós temos em nós...
01:07:50
Speaker
Uma inteligência orgânica, a que muitas vezes não sabemos aceder, mas que ela está lá.
01:07:55
Speaker
Ou seja, nós sabemos...
01:08:02
Speaker
até um dia em que nos extinguirmos, mas até nos extinguirmos enquanto espécie, parece que temos dentro de nós uma sabedoria que sabe sobreviver.
01:08:11
Speaker
Eu estou aqui a morrer com uma lata de células, mas estou vivo, e vocês conseguem olhar para mim e dizer, é o Joaquim, mas eu estou aqui assim, com uma lata de células, a morrer neste momento, e outras a nascerem, sou composto dessa natureza.
01:08:29
Speaker
E também ao mesmo tempo...
01:08:32
Speaker
Eu tenho quase que uma... Aquilo que eu chamo eu, tenho uma inteligência para tentar saber estar com as situações onde eu estou.
01:08:43
Speaker
É uma inteligência quase adaptativa, não sei.
01:08:47
Speaker
E eu confio nisso.
01:08:49
Speaker
Eu confio que nós somos capazes de procurar essa inteligência.
01:08:58
Speaker
E voltamos ao princípio.
01:09:01
Speaker
acho que temos de ter a linguagem da equação.
01:09:05
Speaker
Acho que parafraseando, ainda ao encontrar aquilo que a Patrícia estava a dizer, que somos uma série incompleta, e muitas vezes não compreendemos que a dimensão da nossa catástrofe é a nossa forma como elaboramos grandiculamentemente a nossa falta, a nossa imperfeição.
01:09:28
Speaker
Portanto, não sabemos lidar com ela e fazemos aqui uma
01:09:31
Speaker
uma grande volta à volta disso eu acho que que nós temos essa essa possibilidade de nos encontrarmos nessa dito por outras palavras
01:10:07
Speaker
Se nós tivermos alguma coisa, alguma possibilidade enquanto espécie, eu acredito que é porque nós desenvolveremos um estado outro em que somos capazes de nos entendermos sem este tráfico imenso das palavras.
01:10:25
Speaker
Isso volta ao princípio, foi muito bom.
01:10:27
Speaker
Era o que estava a dizer.
01:10:30
Speaker
Agora vou fazer de Patrícia.
01:10:35
Speaker
É seguro.
01:10:37
Speaker
Estás muito otimista.
01:10:38
Speaker
Eu costumo dizer que o meu otimismo é porque eu acho que nós vamos desaparecer antes de darmos cabo disto tudo.
01:10:47
Speaker
Exatamente, toda vez.
01:10:48
Speaker
É igual ao meu.
01:10:50
Speaker
A Patrícia costuma me dizer isto quando eu estou... Estás muito otimista, na natureza.
01:10:56
Speaker
Oh Joaquim.
01:11:04
Speaker
Penso como tu, porque acredito mesmo.
01:11:08
Speaker
Eu gosto mesmo de pessoas.
01:11:10
Speaker
Hoje em dia cada vez ouço mais... A Patrícia disse agora, gostei mais.
01:11:15
Speaker
E nós vamos ouvindo isto, e nós vamos ouvindo isto.
01:11:17
Speaker
Mas eu gosto mesmo muito de pessoas.
01:11:22
Speaker
E gosto mesmo...
01:11:28
Speaker
Às vezes até gosto de gostar da maldade, que é uma coisa que falámos num podcast e qualquer dia voltamos a falar sobre isso.
01:11:36
Speaker
Precisamente porque...
01:11:40
Speaker
Vamos imaginar assim a título de... Ai, agora está-me a faltar a palavra de caricatural.
01:11:49
Speaker
Título caricatural.
01:11:52
Speaker
Imagina a pessoa mais malvada do mundo à tua frente.
01:11:54
Speaker
A pessoa mais malvada do mundo.
01:11:56
Speaker
E eu acredito que a gente vai encontrar uma sementinha.
01:12:01
Speaker
pronto e por isso eu às vezes até das pessoas porque fico nesta coisa, isto é uma projeção minha eu quero muito encontrar aquela sementinha mas ela não está então isto que tu estás a dizer eu também gosto, também penso assim mas de facto nós temos
01:12:23
Speaker
A sobrevivência enquanto espécie que tu estavas a falar.
01:12:26
Speaker
E dentro dessa sobrevivência enquanto espécie, eu chamo-lhe mais a humanização da espécie, não é?
01:12:32
Speaker
Porque a sobrevivência dentro daquilo que é a nossa espécie pode ser mudar de cor com a sua antepartida que está no governo.
01:12:38
Speaker
E essas pessoas fazem-no muito bem.
01:12:41
Speaker
E isso é diferente daquilo que é tu estar no teu lugar e conseguir estar com os outros que estão em lugares diferentes.
01:12:48
Speaker
Sim.
01:12:49
Speaker
E portanto também é um modo de sobrevivência.
01:12:52
Speaker
Um modo de sobrevivência e que é muito típico.
01:12:56
Speaker
Nós, por exemplo, se formos ver gravações e gravações de determinados políticos que dois anos estavam a falar da desinformação na América e agora estão a usá-la da mesma forma.
01:13:06
Speaker
Isso é um mecanismo de sobrevivência, que é um mecanismo de sobrevivência invertebrado.
01:13:12
Speaker
E eu acho que é isto também temos que ter atenção.
01:13:14
Speaker
Agora, dentre destas pessoas mais fertebradas, menos fertebradas, claro que todo um espectro onde, como dizia a Patrícia ainda há bocado, haverá com certeza... Eu não tenho dúvidas, e o Coimbra de Matos estava sempre a dizer isto, que o número de pessoas...
01:13:31
Speaker
Se pensarmos nas mais boas, menos boas, que mais seres bons, mais seres humanos bons no mundo do que seres humanos maus.
01:13:37
Speaker
Respondo assim de uma forma muito simplista.
01:13:39
Speaker
Mas que um ser humano mau causa muita destruição e tem uma capacidade, muitas vezes, de sedução incrível, capaz de arrastar massas.
01:13:48
Speaker
E a única hipótese que nós temos é, de facto, nas escolas, voltarmos a ajudar as crianças a terem pensamento crítico.
01:13:55
Speaker
E não estarmos a passar a matéria Pensamento crítico, desenvolver pensamento crítico Isto que a Patrícia fez na aula dela A tentar resgatar ali As partes boas daquilo que lhe estava a parecer Um vazio completamente superficial Que é um negro a dizer Mateus Preto De alguma forma
01:14:15
Speaker
é pelo menos ir puxar uma pontinha do pensamento crítico e o pensamento crítico é sabermos nos colocar em causa colocar o outro e questionar tudo isto que está a acontecer e isto é que eu acho que é fundamental voltarmos a ter nas escolas porque eu acho que já tivemos com certeza haverá muitos professores a fazer isto mas nós também no nosso dia a dia vemos que muito disto não é feito que a única coisa que é feita é vamos seguir o rebanho e isto tem que andar assim
01:14:45
Speaker
Se não toma uma pilulante e PHDA.
01:14:50
Speaker
Fica tudo bem.
01:14:53
Speaker
Uma ritalina, não é?
01:14:54
Speaker
Uma ritalina.
01:14:57
Speaker
Sim.
01:14:59
Speaker
Ou um antipsicótico, também vai servindo, não é?
01:15:05
Speaker
Nós temos que ir aqui rapidamente, ou nós temos que terminar, mas a conversa está boa.
01:15:09
Speaker
Nós temos que ir aqui rapidamente a um sítio para depois fecharmos, que é
01:15:15
Speaker
A tua canção favorita deste disco é o FMI, aliás, para aquilo que eu percebi foi um bocadinho ao contrário, é por causa do FMI que tu escolheste?
01:15:23
Speaker
Um bocadinho por aí?
01:15:26
Speaker
Não, escolhi o Mário Branco, eu tinha pensado em escolher outro que tinha outro significado,
01:15:35
Speaker
Depois, uma vez ia no autocarro, estava uma rapariga muito nova a ler o Por Este Réu Acima, e eu disse, ok, vou fazer sobre o Fausto, e depois quando cheguei a casa disse, não, tem que ser...
01:15:50
Speaker
O Mário Branco, porque o Mário Branco é aquele que conta a tua história dos 17 aos 24, em que tu descobriste muitas coisas, em que foste para a comuna fazer o curso de teatro, em que tiveste o primeiro amor, em que desabruxaste um bocadinho, deixaste de ser aquele ser platónico e indesistente, dentro da tua...
01:16:13
Speaker
da tua cabeça e passaste a ser um ser que existia na relação com os outros.
01:16:20
Speaker
E isso pareceu-me que era poder fazer isso com uma... não com uma música, com várias músicas.
01:16:33
Speaker
Eu vi-me mesmo, vi-me mesmo andar de anfiteatro em anfiteatro, sempre à procura do concerto.
01:16:41
Speaker
Eu lembro-me quando estava na comuna, o Cafonso vinha depois dos concertos e eu às vezes estava perdido, às vezes estava lá e... Tenho uma certa raiva de não haver um relatório minoritário e eu não saber que iria ser tão importante para mim esse momento, para eu poder dizer assim...
01:17:02
Speaker
Zeca, você não me conhece, mas daqui a 20 anos vai ser fundamental para mim.
01:17:09
Speaker
Mas, de facto, estes trajetos que eu fiz para acompanhar o Mário Branco, para ir ver o mais pequeno concerto que ele fazia, fazem parte da minha vida.
01:17:25
Speaker
Eu gosto muito do FMI porque diz a verdade toda, toda, toda, toda Diz a verdade toda, toda, toda, toda De um sítio Com tudo Com metáfora, com ironia, com tudo, com tudo Escolhe uma estrofe É espetacular, mas... FMI, o que é que é o FMI?
01:17:46
Speaker
FMI, o que é que é?
01:17:48
Speaker
Até ele a explicar isso e o riso das pessoas Mas o que eu gosto mesmo no FMI é
01:17:55
Speaker
De toda a análise dele, a forma dele como mais janga, menos janga, mais alegria, menos alegria, tristeza, não é?
01:18:02
Speaker
E quando ele chega ao sítio de... e que grita pela mãe.
01:18:07
Speaker
Pois.
01:18:09
Speaker
E tu sabes que... É espetacular.
01:18:11
Speaker
Neste disco tu ouves isto em contínuo.
01:18:14
Speaker
Mas no 45 Rotações...
01:18:17
Speaker
Oh mãe, oh mãe E depois tinhas que virar o disco para ouvir o resto Para ouvir o resto, sim Era do que era essas Sim E É É de uma grande força Poder gritar pela mamãe assim De esta forma Isso, acho que é o que É uma das coisas Dentre muitas outras É uma das coisas que eu acho É engraçado esse seu ponto Sim
01:18:48
Speaker
Então... Psicanálise.
01:18:52
Speaker
Colo.
01:18:53
Speaker
Nós queremos colo.
01:18:55
Speaker
Toda a gente quer colinho.
01:18:56
Speaker
Quanto mais colo, melhor.
01:18:57
Speaker
Ainda não é com medo do colo.
01:19:00
Speaker
Todos.
01:19:01
Speaker
Todos.
01:19:02
Speaker
Colo bem embalado.
01:19:03
Speaker
Todos querem colinho.
01:19:06
Speaker
Pronto.
01:19:06
Speaker
É que a solução é fácil, mas ninguém nos sofre.
01:19:08
Speaker
Ninguém nos sofre, estamos a fazer a verdade.
01:19:12
Speaker
Então, vamos terminar.
01:19:15
Speaker
Joaquim Paulo foi um...
01:19:18
Speaker
Quase para dizer.
01:19:21
Speaker
Não sei se elas percebem.
01:19:23
Speaker
Então não percebem.
01:19:24
Speaker
O João Paulo Cotrim deve ser das pessoas ausentes.
01:19:30
Speaker
Hoje estamos a falar do José Mário Branco, mas nós quase todos os episódios falamos do João Paulo Cotrim.
01:19:36
Speaker
Se não for uma de nós, alguém vem e fala.
01:19:40
Speaker
Quase um prazer ter-te aqui.
01:19:44
Speaker
Muito obrigada por teres vindo.
01:19:46
Speaker
Espero que tenhas gostado.
01:19:49
Speaker
Obrigada à Patrícia Câmara por estar aqui, à Carolina Pichel.
01:19:54
Speaker
Obrigada à Climax Psicnos oferece... Oferece não, empresta este material.
01:20:01
Speaker
Obrigada aos Dirty Mac que são a canção do jingle da nossa introdução e à voz da Joana Bernardo Obrigada também
01:20:15
Speaker
Eu sou a Ana Teresa Sanganha.
01:20:18
Speaker
Vamos todos voltar para o mês que vem, mas vou-vos deixar com esta frase que eu gostei muito da canção do José Mário Branco, 13 anos, 9 meses, que é esta.
01:20:31
Speaker
E a vida fora é que nos dava a cor para pintar o amor que estava dentro.
01:20:46
Speaker
Três divãs.
01:20:47
Speaker
A psicanálise, o mundo e o rock'n'roll.