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Episódio 26

Três Divãs
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263 Plays5 months ago

Convidado: Sérgio Godinho, "o homem dos sete instrumentos".

Transcript

Introdução e primeiras histórias

00:00:10
Speaker
Três divãs, a psicanálise, o mundo e o rock and roll. As pessoas são estranhas.
00:00:26
Speaker
Era adolescente, mas maior, creio, quando falei com ela a primeira vez. Pediu que lhe oferecesse o meu caderninho de notas no qual me deu o seu autógrafo. E eu recusei-lhe-o. O meu namorado da altura também me havia pedido, e eu disse-lhe que não. Mais tarde, no dia do primeiro concerto do Zé, em Lisboa, o Jorge Palma não me pediu, mas também o assinou e disse, olha o Sérgio, grande Sérgio,
00:00:57
Speaker
O meu avô gostava das suas canções, mas não gostava dele.-se perceber porquê.

Preferências musicais e colaborações

00:01:04
Speaker
Sempre que ele aparecia na televisão, resmungava para com os seus botões. Isto acontecia com eu e com o Paulo Portas, ao qual prometia uma sova se o encontrasse. É a minha hora ou o Paulo Portas? Sim.
00:01:20
Speaker
O meu avô passava aos dias a tirar cortiça de sobreiros no montado. Crei que sabia que não iria encontrar por ali o Paulo Portas, um submarino. O que é que eles teriam em comum para o meu avô? Não faço a mínima ideia. Até porque o meu avô tinha muito em comum com o Sérgio, achava eu.
00:01:42
Speaker
pouco tempo, a caminho de um jantar, também lhe disse. Ô, Sérgio, eu gosto de todas as tuas canções, mas uma que me toca particularmente.

Processo criativo de 'Caríssimas Canções'

00:01:51
Speaker
O namoro. Ô, sanganha, isso não é meu pá, é do Fausto. Do Fausto e do vedete da Cruz. E demos uma gargalhada. Ah, pois é, exclamai eu, envergonhada. Não lhe pedi desculpa pelo engano. Afinal, ele canta muito bem. Mas pensei. Justiça feita, avô. Agora falta outro.
00:02:14
Speaker
Não lhe dei o cadreninho que me pediu. O meu avô não gostava dele. E a minha canção favorita dele, afinal, é do Fausto. Por que terá ele aceitado o meu convite para estar aqui hoje comigo e com a Patrícia Câmara? Se calhar porque nunca tinha vindo à Casa do Comum. E o Três Divãs é um bom pretexto. Ou se calhar veio porque gosta de nós, por gostar.
00:02:39
Speaker
Escolheu um disco dele, caríssimas canções. Fiquei contente com a escolha, porque é um disco que nasceu de uma compilação de crónicas publicadas pela Abismo, pelo nosso querido amigo João Paulo Cotrim, de quem tanto gostávamos. E gostamos ainda. E com as ilustrações de outro nosso querido amigo, de quem gostamos um bocadinho menos, porque ele hoje não nos veio ver aqui. O Nuno Saraiva, que te manda um abraço.
00:03:06
Speaker
Depois, também fiquei contente porque o temos a ele a cantar outros de quem gosto e com outros de quem também gosto tanto, o Hélder Gonçalves, a Manuela Azevedo e o Nuno Rafael, neste disco gravado ao vivo no Centro Cultural de Belém, em 2013.
00:03:24
Speaker
Ontem perguntava a Patrícia se ela conseguia perceber o critério de seleção do nosso convidado para as canções escolhidas para este disco.

Impacto da música na vida e individualidade

00:03:33
Speaker
Não fazemos a mínima ideia. Se calhar escolheu por gostar delas, por gostar.
00:03:40
Speaker
Quando é que deixámos de precisar de mais do que do gostar por gostar? Quando é que o gostar por gostar não chega? Quando é que passámos a gostar do bom? E quando é que deixámos de poder gostar do feio? Creio que o Caetano a resposta numa das canções deste disco. É que Narciso acha feio o que não é espelho.
00:04:05
Speaker
Eu diria que é no lugar do gostar por gostar que reside a liberdade e a minha individualidade, a saúde. Descobri o amor no dia em que percebi que não precisava de eu, gostava de eu por gostar. Precisei, sim, muito de eu até o encontrar. E, de repente, o adverbio interrogativo não faz falta. E depois?
00:04:32
Speaker
Será que finda? Será que ainda? Temos enredo para tanto gosto, para tanto medo, para tanto susto. A vida é um doido brinquedo. Sérgio Godinho, a nossa vida não seria a mesma sem as tuas canções.

Sérgio Godinho: experiências e influências

00:04:50
Speaker
Todo o mundo sabe. O que o mundo não sabe ainda é que uma vez dentro, ninguém nulas pode tirar.
00:05:00
Speaker
E no dia que todo o mundo souber isso, esse será o primeiro dia do resto das nossas vidas. Sérgio, sejas bem-vindo. Tens a palavra. Muito obrigado. Muito obrigado. Que belas palavras, mas as que carecem de interpretação.
00:05:22
Speaker
Não, não, porque, de facto, a Ana Teresa sugeriu que falasse de mim próprio, que me apresentasse em nome próprio. Eu não tenho muito a dizer, até porque uma das coisas que se costuma dizer quando se apresenta o Sérgio Dinha é que não precisa de apresentações.
00:05:47
Speaker
Sérgio Boudin, que não precisa de apresentações. De facto, eu subscrevo isso, quer dizer, nós não podemos, não vou estar aqui uma hora e meia, como um outro artista esteve aqui, a falar de si próprio, mas posso dizer que... posso dizer que sou do Porto, que sou cidadão do mundo,
00:06:14
Speaker
No fim de contas, vivi nove anos fora de Portugal. Ainda saí legalmente. Estudei Psicologia, dois anos, em Geneve. Fui aluno de Peja, não sabia isso.
00:06:32
Speaker
Ah, não fazias ideia. Sabes que eu guardei esta surpresa para ti. Não, não é surpresa nenhuma. Ele vinha dar uma aula de 4 semanas. Era uma presença simbólica. Mas não era aquilo que eu queria e talvez tenha sido bom porque a psicologia... Eu queria sair, queria viver autonomamente e eu tinha um bom ambiente no Porto.
00:06:58
Speaker
em minha casa. Os meus pais eram pessoas de cultura, pessoas interessadas, pessoas boas introductoras a todos os níveis. E, portanto, não foi por isso que eu quis ir embora, viver autonomamente. É porque eu acho que uma idade, no meu caso, 20 anos, em que nós temos que viver
00:07:28
Speaker
se costuma dizer on our own. Cada vez se sai mais tarde de casa em Portugal e eu acho isso uma perversão. Me vejo quando começou o papá
00:07:46
Speaker
do Papa Francisco, isto é verdade. Uma daquelas incursões de rua houve uma mamã italiana logo, uma mamã,
00:08:00
Speaker
que lhe disse, oh, sabe, o meu filho tem 32 anos ou 33 e não sai de casa, o que é que eu posso fazer? E ele disse assim, deixe de passar as camisas. Eu acho que é isso, é fazer a papinha, não é?
00:08:17
Speaker
ou passar as camisas. Mas, sobretudo, eu tinha um desejo de conhecer outros horizontes de viver... Acho que é muito salutar viver num outro país, numa certa altura. E foi o que eu fiz.
00:08:33
Speaker
e, como dizia um antigo presidente brasileiro, filo por quilo. E eram os anos e quadros. E então, depois vivi muitas outras coisas. Trabalhei na cozinha de um barco, atravessei o Oceano, porque uma vez, porque me tinha permitido fazer isso, atravessei o Oceano Atlântico até... Primeiro até os Açores, depois até a Jamaica, a Trinidade.
00:09:04
Speaker
E depois, finalmente, fui ter Paris, no fim de 1967, onde vivi o maio de 1968, onde conheci, entre outras pessoas cujo nome não é público, mas onde conheci muito bem
00:09:24
Speaker
O Luiz Chile e o Mário Branco, com quem conheci a trabalhar desde logo musicalmente. Ainda não tínhamos nenhum disco gravado. O Mário tinha uma coisa de Cantigas de Amigo, estava a fazer.
00:09:46
Speaker
E, sobretudo, vivi o maio de 68 também, porque foi a altura em que aconteceu toda aquela explosão. E eu vivi mesmo do género de dormir várias noites na Sorbonne, etc., de apanhar muito gajos lacrimogénicos, de construir algumas barricadas. Enfim. E depois audicionei para... Não sei se é em português, mas pronto.
00:10:15
Speaker
para o RER, o Musical RER, e fui escolhido entre as 6 mil pessoas, fui escolhido e tive dois anos quase no RER. Estava a dizer que a seguiram a P.A.G.S. é outra surpresa.
00:10:31
Speaker
Ah, não, pois, exatamente. Um bocadinho de longe e agora um bocadinho de fora. Mas, pronto, tive muito tempo. Isso ensinou muito do que é estar num palco, estar num palco com música, com representação.

A importância da performance ao vivo

00:10:50
Speaker
E, de facto, foi extremamente útil.
00:10:54
Speaker
E desde eu estava a falar com a Ana Tereza quando estávamos a vir para aqui. Seu passado tantos anos ainda gostava dos palcos. E de facto é o que eu gosto mais numa canção. Uma canção vive.
00:11:08
Speaker
Eu tenho uma relação muito ambígua de amor e ódio com o estúdio. O estúdio é uma chatice, não é? Quer dizer, uma pessoa tem que repetir bocadinhos de canções, tem que voltar atrás, tem que corrigir afinações, portanto, de fazer outra vez, quer dizer.
00:11:29
Speaker
E, portanto, eu acho que a canção, de facto, tem a sua consecução real no palco. E eu sempre tive essa... Sou um bocado salte em banco, não é? Quer dizer, e sempre tive essa atração do palco. Sinto que é um lugar da minha casa, daquelas...
00:11:53
Speaker
que eles são, e também a companhia dos músicos e a interação com os músicos e a interação com o público, porque o que acontece com o palco é que nós damos energias, com certeza, é também um local de risco, porque uma vez que se começa
00:12:15
Speaker
tem que se acabar e tem que se levar o cobarco a um porto. enganos, aconteceu muitas vezes, mas mesmo assim, enganos são aproveitáveis se tiver essa pica. E damos energia ao público, mas também recebemos, como é evidente, e cada qual vai
00:12:39
Speaker
vai para casa ou para onde quiser, nós muitas vezes para o hotel, com essa energia renovada de facto. E o que aconteceu com estes discos, estas canções que vamos ouvir é que a Ana Teresa
00:13:02
Speaker
Dito, olha, escolho uma canção favorita e escolho... Pronto, e eu pensei que em vez de eu fiz de facto este projeto, caríssimas canções,
00:13:14
Speaker
que resultou depois de um disco ao vivo gravado no CCB. Tudo começou com crónicas no expresso, ou curtas, sobre o que eu quisesse. Eu sugeri, nessa altura, faziam 40 anos que eu tinha feito meu primeiro disco, eu sugeri 40 crónicas sobre canções de outros,
00:13:44
Speaker
que eu gostava. É bom mostrar também... Eu sempre gostei de mostrar aos outros coisas que eu amo, não é? Coisas que não são, não é? São as minhas canções, que são também todos os outros universos e que às vezes me influenciaram. E então fiz essas crónicas. Depois o João Paulo,
00:14:11
Speaker
De facto compilou isso, Ana Jarre falou disso, portanto num livro primoroso da apresentação, como sempre eram as coisas da Abismo ou São, com os desenhos do Nuno Saraiva, e depois
00:14:36
Speaker
Isso continuou com, é engraçado porque são quatro, quatro fases, continuou com um dos responsáveis de CCB, que tinham todos os anos uma coisa chamada Carta Branca, a dizer, não queres fazer essas canções em palco?
00:14:54
Speaker
não era exatamente as vezes mesmas, mas era alguém do mesmo... não sei lá... Jacques Brel não foi a mesma canção, mas pronto, basicamente transpor para o palco. E eu fiz isso com...
00:15:09
Speaker
o Hélder Gonçalves, o Nuno Rafael e a Manuela, mas a Manuela tocando, e às vezes fazendo... Ainda uma voz ou outra dela, não é? Fazendo uma voz ou outra, segundo as vozes. E portanto fizemos um disco chamado Caríssimas Canções, e portanto...
00:15:27
Speaker
É por isso que estás aqui hoje. É por isso que estou aqui hoje. Olha, eu estava a ouvir... Por causa das canções dos outros também, porque foi isso que me foi pedido. É verdade. E eu estava aqui a ouvir-te e isto não tem vídeo, não é? Mas para os presentes eu tenho o Freud a olhar para mim ali na lombada de um livro. Nas minhas costas? Nas tuas costas. Olha ali. Eu tenho o Freud a olhar para mim e estava a pensar assim.
00:15:49
Speaker
Até estou a sentir um peso de ter que falar do Édipo. Porque eu ia-te dizer assim, outra sugestão para não passar as camisas pelo sair de casa é chamar uma psicanalista para ajudar a resolver o Édipo. Porque ficar com a mãe em casa tanto tempo tem que se lhe diga, não é? E o que estávas a falar, eu estava a ver o Freud olhar para mim. Mas tu sabes que é incrível porque eu na quarta-feira, nesta quarta-feira, não sei quando é que isto vai ser,
00:16:16
Speaker
também é ouvido, mas nesta quarta-feira 29 eu vou fazer um espetáculo com a Marcia no Maria Matos e uma das canções que eu escolhi, que é uma canção que eu não cantava muito tempo, até que até pouco ao vivo, embora também tenha feito com os claros, é uma canção chamada Baú de 5 Lund Freud. Sim, sim.
00:16:38
Speaker
Eu sei, eu sei, Freud explica B.A. Badobao, mas se eu fosse atiço desmundo, não teria vindo ao mundo para nos fazer vir a nós. Quem quiser vir a si, vai ter que abrir o baú. Isso mesmo. Isso é o Franz. Olha, mas que estás a falar sobre isso, que escolheste essa canção para cantar com a Márcia, vou-te perguntar, porque isto é um...

Escolha e significado das canções

00:17:05
Speaker
Qual é que foi o teu critério para escolheres estas canções para este disco?
00:17:09
Speaker
Sim, para o caríssimas canções. De facto, veio das crónicas, não é? Mas qual foi o meu critério para escolher estas crónicas? Porque às vezes era alguém especial,
00:17:21
Speaker
Havia nomes incontornáveis, como a Bob Dylan, ou como o Caetano, ou como o Chico, como o Zeca. Outras vezes era uma canção que, em particular, me dizia qualquer coisa. Por exemplo, a conversa de Botequim do Noel Rosa, que fez aquilo em 1930. É uma canção absolutamente extraordinária. Conversa de Botequim.
00:17:48
Speaker
O malandro que está no botequim a mandar em tudo, embora não tenha sequer dinheiro para pagar, não é? E é estrangeiro, como outras coisas. Dona Rosa, que foi um grande inspirador de muita gente, como o Chico Borco, não é? O Noel precedeu isso. Aliás, o Chico, numa canção... A Rita levou o meu retrato e um bom disco de Noel.
00:18:14
Speaker
É de Noel Rosa que ele está a falar. E, portanto, às vezes é uma canção por uma razão especial, sei lá, o rapaz da camisa ao algeiro.
00:18:26
Speaker
O Pares da Camisa da Verde é uma canção com o poema do Pedro Almey de Mello e música do Frê Hermano da Câmara, que saiu do convento para gravar um disco. E é uma canção completamente homoerótica, não é? Quer dizer, nem sequer disfarça muito, não é? Porque me assaltam todos os pensamentos, à minha frente estavam condenados.
00:18:54
Speaker
Feito a rapazes da camisola verde, negra me deixa ao vento, boi-ne marujo ao lado. Portanto, canções que, por uma razão ou outra, me dizem, também por uma razão musical, não é? Me dizem qualquer coisa. Pronto, é isso. estou a falar demais, não é? Não, estás ótimo. Olha, então vamos ouvir a que eu podia, ou seja, o Godinho, para escolher uma canção favorita, que não será, são todas, não é? Mas deste disco, vamos ouvi-la e depois conversamos sobre ela. Pode ser?
00:19:23
Speaker
Então, ouvimos primeiro, mas tu não queres dizer o que é que é, pelo menos? Claro que vou dizer o que é, Sérgio Godinho. Mas não precisa dizer Sérgio Godinho. Como é que eu estava a pensar? disse outra vez. Diz sempre Sérgio Godinho. Ele podia dizer o nome do contribuinte. Eu, às vezes, digo Sérgio. Mas, volá, o teu nome é bonito. O que é que tu queres que eu te faça? Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele, às vezes, também. Ele
00:19:58
Speaker
Volver aos dezessete Depois de viver um ciclo Escomodos cifras signos Sem ser sábio ou competente Volver a ser, de repente, Tão frágil como um segundo Volver a sentir profundo Como um ninho frente a Deus
00:20:26
Speaker
Este é o que sinto eu En este instante fecundo Sem barredante redando Como en el muro la hiedra Iba brotando, brotando Como el musguite en la piedra Como el musguite en la piedra Y si, si, si
00:20:57
Speaker
o meu passo retrocedido quando o de vocês avança e o arco das alianças penetra de meu ninho com todo o seu colorido se apassionou pelas minhas penas e até a dura cadena com que nos ache o destino
00:21:25
Speaker
É como um diamante fino Que alumbra a minha alma serena. Sem barredar terrenando Como em um muro a hiedra Iva brotando, andando Como el musquita en la piedra
00:21:49
Speaker
Comer mosquite na pedra e, sim, sim, sim. O que foi do sentimento não o apoie do saber e o mais claro procedimento e o mais amplo pensamento tudo o que muda ao momento ou ao mago condescendente
00:22:17
Speaker
nos aleja dulcemente de rencores e violências. o amor com sua ciência nos torna tão inocentes.
00:22:34
Speaker
Sem paredão derredando, como é no muro uma hiedra. E vai brotando, brotando, como é o mosquite, a pedra. Como é o mosquite, a pedra. E, sim, sim, sim.
00:22:55
Speaker
O amor é torbellinho, de pureza original. Até o feroz animal, sussurra o seu dulce trino, detém os peregrinos, libera os prisioneiros. O âmbito com seus esmeros, ao velho se torna garoto.
00:23:22
Speaker
e ao malo o carinho o torna pura e sincero. Se embarrilando, enredando como no muro a pedra ia brotando, brotando como a mosquita na pedra como a mosquita na pedra, e sim, sim, sim.
00:23:54
Speaker
De par em par, a ventana Se abriu como por encanto Entrou o amor com o su manto Como uma tibia manhã Assume sua velha diana Que sobrou tais mil Volando com a ser afim Ao Cielo, os Pusaretes
00:24:23
Speaker
Meus anos e dezessete O convirtiu no querubim
00:24:34
Speaker
Se enbarredando, enredando Come en el muro la piedra Iba brotando, brotando Come el musquita en la piedra Se enbarredando, enredando Come en el muro la piedra Iba brotando, brotando Come el musquita en la piedra
00:25:02
Speaker
Como el mosquita en la piedra, sí, sí,
00:25:20
Speaker
Eu tenho que explicar o que é isto.

Discussão sobre Violeta Parra e Zeca Afonso

00:25:24
Speaker
Isto é uma canção absolutamente extraordinária da Violeta Parra, que era uma chilena, foi importantíssima na canção sul-americana, e não como figura.
00:25:43
Speaker
que viveu uma vida riquíssima e que se suicidou com 50 anos, por causa de um suponso de um amor infeliz. Mas esta canção que se chama Volver a 17 anos, é um bocado voltar à inocência, é um amor por alguém mais novo.
00:26:06
Speaker
E ela própria se sente mais nova, não é? Voltar aos 17 anos depois de viver um século. É como se se virasse signo sem ser sábio competente. Voltar a ser, de repente, mais frágil do que um segundo.
00:26:22
Speaker
voltar a sentir profundo como um menino entre Deus. É isso que eu sinto agora, neste instante. Neste instante fucundo, acho. Vai brutando, etc. Depois o refrão. Como no muro, na pedra.
00:26:43
Speaker
e vai-se arredando e arredando como um esguinho na pedra. Ela fez também outra canção extraordinária chamada Graças a la Vida, que é muito conhecida, não é? E fez muitas outras. Foi uma figura absolutamente incontornável.
00:27:03
Speaker
E eu sempre achei esta canção... aliás, se querem uma boa versão, mas se querem uma boa versão mesmo, vão ao YouTube e ouçam esta canção pela Mercedes Sosa. Mercedes Sosa, Mil Terracimentos, Catanoveloso, Alcosta e Chico Borja.
00:27:30
Speaker
estes cinco ao vivo a cantarem esta canção. É um momento absolutamente extraordinário. E encerra este assunto. Não encerra, não, porque eu vou passar a palavra à Patrícia Câmara, de certeza. A Patrícia Câmara tem estado muito calada. E agora vai dizer coisas. Por exemplo, porque é que gosta tanto desta canção também? Ela agora estava a ouvir-te e eu estava... Ela abanava a cabeça assim.
00:28:01
Speaker
A Patrícia Nintendo ainda não a acrescentar, nem pode, porque a mim eu gosto imenso desta canção, também gosto muito da veredura da parra. Gostei muito desta versão, muito mesmo. Da Mercedes Sousa também adoro. Mas qualquer coisa de melancólico, profundamente melancólico ao mesmo tempo, não é? Nesta música isso, fascinante, é imenso. Este duplo lugar de uma frescura imensa que se sabe ser eterna naquele momento que se encontra
00:28:23
Speaker
a pessoa com quem verdadeiramente se está. Esta frescura do reencontro interno. Acho que é fabulosa. É voltar à inocência, voltar aos 67 anos. Quer dizer, depois de viver o século. O que mais se pode dizer? Não se pode pedir mais. qualquer coisa disto. Se eu conseguir isto, não posso pedir mais. Não dúvida que é um filme melancólico fascinante, que depois tem o embalo, porque aquela parte depois do refrão tem sempre o embalo. Portanto, nunca se cai fundo. É um espanto. E esta versão, volto a dizer, é espantosa.
00:28:53
Speaker
Nada a ver com esta versão, mas é... Os Cure também cantam isto. Muito bem. Mas tínhamos que falar de melancolia, não é? Tínhamos, porque ela é surpreendida, se também não é incêndito. Sim, sim, sim. Mas aqui esta parte, nós agora andamos a também ler um outro livro, porque eu tenho sempre a maneira de fazer isto, me desculpando.
00:29:17
Speaker
Estamos a ler que tu também adoras, que é o do Stygman. A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer. Sim, eu conheço. O Styg e o Daggerman. Daggerman, sim. E eu acho que se tocam profundamente, não é? Aliás, os dois, de alguma forma, neste lugar. Mas o que eu acho que de fabuloso aqui nesta canção é o embalo que existe fundo nunca permite uma queda total. E acho que isso é que mantém a frescura. Está bem visto.
00:29:40
Speaker
Muito bem. Então, vamos passar à próxima canção. Tu e tu. Não, eu quero. Então não disse. Eu até cantei. Cantei um bocadinho de security. Se for com uma música. Então, a Patricia Câmara escolheu os vandis. Não queres? Pode ser tudo.
00:30:01
Speaker
Uma das canções que a Patrícia escolheu foi uma única para hoje, foi Os Vampiros.
00:30:16
Speaker
do Zeca Afonso. Queremos conversar sobre ela primeiro ou queremos ouvi-la? Ao contrário, mas a Padisa é que tive imensa dificuldade em escolher uma, porque eu acho que muito... Estamos a falar deste disco, não é? Claro, deste disco. Das versões que eram este disco, que no caso dos vampiros é radicalmente diferente da versão original do Zeca, não é?
00:30:37
Speaker
Embora respeitando. Eu vou chegar-me à frente com isto. É que esta arranja é brutal. Esta arranja de guitarra é espetacular. Do que foram todos que fizeram, obviamente, mas que tem os mais os dedinhos do Hélder Gonçalves. Então vamos ouvi-la e conversamos sobre ela.
00:31:25
Speaker
No céu cinzento sou o astro muro Batendo as asas para a noite acalada Vem pandas com pés de atulu Jupar o sangue fresco da manada
00:31:41
Speaker
Se alguém se engana com o seu arcisudo E lhe esfranqueia as portas à chegada Eles comem tudo, eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada Eles comem tudo, eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada
00:32:03
Speaker
Toda parte chegam os vampiros Pois ou nos prédios, pois ou nas calçadas Trazem no ventre, depois os antigos Mas nada os prende às vidas acabadas São os mordomos do universo todo Senhores à força, mandadores sem lei Enchem as tulhas, bebem vinho-lhovo Dançam a ronda no pinhol do rei
00:32:36
Speaker
Eles comem tudo Eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada Eles comem tudo Eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada
00:33:03
Speaker
No chão do medo tombam os vencidos Ouvem-se os gritos na noite abafada Jazem nos fossos vítimas de um credo E não se esgota a sangue da manada
00:33:18
Speaker
Se alguém se engana com o seu arcisudo E lhes franqueia as portas à chegada Eles comem tudo, eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada Eles comem tudo, eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada Eles comem tudo, eles comem tudo Eles comem tudo e não deixam nada Eles comem tudo, eles comem tudo
00:33:51
Speaker
E se você quiser, você tem que fazer isso.
00:34:40
Speaker
Não sei que eu não podia faltar aqui. Não, quer dizer, isto é... o Jampiros é uma canção absolutamente desbravadora. Não é que existiu antes de, enfim, antes de muitas músicas minhas, dizem mais, outras, existirem. E é uma canção que foi feita
00:35:11
Speaker
Parecia vinda do nada, porque o Zeca apareceu, não se faziam coisas assim. E é absolutamente extraordinário e corajoso. É uma canção perigosa, porque é uma metáfora explícita.
00:35:31
Speaker
E então eu fiquei, eu tinha pai, uns 18 anos, quando vi esta canção e disse-lá-te lá. Eu estava muito virado para a música estrangeira e com razão também,

Evolução musical e relevância moderna

00:35:46
Speaker
não é? Quer dizer, na altura em que apareceu os Beatles, Dylan, Stones, etc. E a canção francesa,
00:35:56
Speaker
Mas, de repente, percebi que também se podia escrever em português de uma maneira diferente. Não é que eu não gostasse de canções portuguesas também, que havia, mas nada tinha sido feito. Como então, Zeca, claro que esta versão é radicalmente diferente, é uma versão muito dura, muito... Hard, pode-se dizer. Cálstica.
00:36:21
Speaker
E cóstica, não é? Mas é, de fato... E depois esta... Esta foi a primeira crónica que eu fiz, que estava neste álbum. Neste álbum não, no livro.
00:36:36
Speaker
Porque, de facto, quer dizer, é uma canção desbravadora. Eu digo nessa crónica que o Zeca abriu janelas onde nem paredes havia. E, de facto, eu acho que é uma metáfora boa. Vai haver concerto daqui a bocado e acho que eles estão a fazer o som, parece-me. É, não é? Alguém me sabe dizer. Está a vir concerto. É alguém que está a tocar a guitarra.
00:37:06
Speaker
Ai, o caroças. Está aqui com corrença. Pronto. foi ali alguém a dizer assim, cortaram a pescoça. Vamos para a frente, vai. Senão isto não acaba, pai. Nunca mais eu tenho que ir para casa, porque a minha mãe disse que irei casar.
00:37:32
Speaker
A tua mãe está até a passar as camisas. Exatamente. O Patrício, por que escolhias ter-te? Não sei. Acho que a palavra desbravar é fabulosa, porque é isso que se sente, e a versão torna isso ainda mais evidente. A própria sonoridade, parece que passos que desbravam, é fabulosa. Eu gostei muito das músicas todas,
00:37:59
Speaker
dizem qualquer coisa também, eu adoro dos velhos, do rel, mas não consegui não achar que para aquilo que estamos a viver agora, que não seja essencial revitalizar permanentemente esta música, ainda por sentido, não para prestar atenção aos vampiros externos, que são muitos e nós sabemos, mas também para a impossibilidade de olhar para o vampiro interno, para a angústia.
00:38:18
Speaker
uma tendência tremenda para não se olhar. Aliás nós, e é uma coisa que eu tenho batalhado muito, mas mesmo na psicopatologia ou nas coisas que nós vamos pensar, a palavra angústia está a desaparecer. Substituído por ansiedade, não sei se tem esta ideia, mas é uma coisa terrível. Deixou-se de falar de angústia. E se não se reabilita um lugar da angústia, nós somos cada vez mais facilmente tiranizáveis por estes vampiros que não podem olhar para ela. E eu acho que esta música e esta versão,
00:38:41
Speaker
transporta um bocadinho, faz-nos sentir a angústia, faz-nos sentir a inquietação da angústia que tem, o lugar não para a frente de verdadeiros, se ela pudesse se olhar. Mas tu disseste outra palavra, inquietação, que também é, digamos, uma canção chave de Mario Barreiro. Não, é verdade, é verdade. A palavra angústia, sim, talvez tenha sido... Bem, foi usada pelo Sotá Monteiro num romance chamado Angústia por Arjanteiro, mas não foi tão nomeada como isso.
00:39:09
Speaker
Sim, mas é incrível, porque isto que a Patrícia estava a dizer da tendência para a palavra angústia, porque a angústia propõe uma profundidade maior do que a ansiedade. A ansiedade está à superfície. E às vezes no consultório as pessoas perguntam-me o que é que eu estou a sentir. E é muito fácil até discernir a diferença, porque a angústia é mesmo o aperto no peito. A ansiedade é outra coisa. A ansiedade é...
00:39:34
Speaker
De facto, o batimento também pode... O batimento é acelerado, a pessoa nem consegue respirar, mas as pessoas dizem para ela, mas o que é isto? Que é um aperto no peito, é diferente da ansiedade. É porque é angústia. Claro. Exato. E é muito mais profunda. E eu acho que, porque é que a Patrícia também escolheu os vampiros, tu próprio no disco, em 2013, diz assim, assustadoramente, tão presente.
00:40:01
Speaker
Dizes qualquer coisa deste género, quando fazes a passagem da dessa para outra canção, e dizes assustadoramente tão atual. Exatamente, desculpa. Assustadoramente tão atual. E, portanto, acho que é isso. Acho que também percebo porque é que a Patrícia a escolheu, porque, de facto... Tu disseste agora assim, Sérgio Godinho, por causa da coragem. Godinho outra vez. Godinho outra vez.
00:40:31
Speaker
Good. É porque é good. Goodinho. Eu gosto tanto dele. Então é goodinho. Goodinho. Sérgio, tu disseste que, a propósito da coragem de escrever isto nessa altura, falaste numa coisa que disseste, uma metáfora evidente, e eu fiquei a pensar. As metáforas não são evidentes. são evidentes para quem tem a profundidade de as perceber. É necessário uma linguagem simbólica
00:41:02
Speaker
E ela passou porquê? Porque eles comem tudo. Sim, porque eles não percebem nada. Eles comem tudo e não percebem nada. A questão é esta. Ela passou por isto, não é? É como a grande Elvila Morena. Passou porquê?
00:41:20
Speaker
Porque eles comem tudo e não percebem nada. E a questão é esta, e aqui é que está a pobreza. Aqui está o meu susto, não é? Ainda um bocado falávamos na palavra interlocutor. Eu dizia, onde é que estão os nossos interlocutores se eu usar uma metáfora que prende para nós até evidente, mas que eles não percebem nada? E aqui é que deixa de ser possível comunicar. E é aqui que nós nos sentimos com os braços presos, amarrados.

Aspectos psicológicos e sociais na música

00:41:46
Speaker
Porque, olha, perulas a porcos, como é que vamos fazer isto? Portanto, para a Patrícia dizia-me no outro dia, tem que ser pela resistência e temos que encontrar aqui uma forma de continuar a resistência. E, portanto, acho que esta música com certeza é sempre atual.
00:42:01
Speaker
Em vez de qualquer que responde. Diz lá. Era na outra. Ah, na outra canção. Na outra. Outra canção do Sérgio. Do horizonte, não é? Esses horizontes que nós temos que encontrar. Eu quero reforçar esta ideia, porque sabes que é a minha maior preocupação. Mas eu acho que este sítio, e isto é para fazer também, isto como é os três divãs, tem que puxar para esta nota. Claro. Mas é verdade. Nós temos que fazer um resgate deste sítio, no que diz respeito até ao pensamento daquilo que é a psicologia atual e daquilo que se vai ouvindo.
00:42:30
Speaker
Nós, toda a gente, se chovem a estas coisas da patologia da ansiedade, fazem isto aos próprios miúdos, não se fala outra coisa sem ser ansiedade, mas ninguém pensa na condição existencial que era uma base, e é uma base que está presente ao longo deste disco todo, pelo menos eu sentia sempre, em todas as músicas. Por isso é que eu estava também indecisa com a questão dos velhos do bravo, porque está presente, está este sítio. E eu acho que é este, e a escolha deste disco a mim tocou muito, porque todas as músicas me resgataram a esse lugar. E eu acho que isso é trapéutico, e acho que precisamos todos disso.
00:42:59
Speaker
É reforçar. E fizeste muito bem em reforçar isso. Olha, eu escolhi o Chico Borque, cantado pelo Sérgio Bezinho. Então, vamos ouvi-la? Podemos ouvi-la. Aliás, é uma canção conhecida do Chico, não é? E tive todo o prazer. Aliás, mas queria realçar um detalhe.
00:43:25
Speaker
Ela... quatro canções brasileiras neste disco. E a conversa de Butiquim é dita porque tinha que ser com pronúncia brasileira. As outras são ditas com pronúncia portuguesa de Portugal. Porque são transferíveis para a língua portuguesa em português. Portanto, acho que sim o Genia e o Plin é adequado.
00:43:55
Speaker
Então, vamos lá. De todo Cânia, do Torto, do Mangue e do Ras do Porto Ela foi namorada
00:44:23
Speaker
Seu corpo é dos errantes, dos cegos, dos retirantes, é de quem não tem mais nada.-se assim desde manina, na garagem, na cantina, atrás do tenko e no mato. É reina dos detentos, das rucas, dos nosalentos, dos catrais, do entornato.
00:44:54
Speaker
E também vai a miúda Com os velhinhos sem saúde E as viúvas sem porvir Ela é um poço de bondade É por isso que a cidade Viva sempre a repetir
00:45:14
Speaker
Joga a pedra na Geni Joga a pedra na Geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela pra correr um Maldita Geni Um dia surgiu brilhante Entre as nuvens flutuantes Um enorme sapelino Peirou sobre os edifícios Abriu dois mil unifícios
00:45:45
Speaker
com das mil cunhas assim. A cidade apavorada, quedou-se paralisada, pronta para vir às leia. Mas do secolim gigante, desceu-se a comandante, dizendo-mo de ir e deia. Quando vi nesta cidade, tanto horror e iniquidade,
00:46:14
Speaker
Resolvi tudo explodir Mas posso evitar o drama Se aquela formosa dama Esta noite me servir Essa dama era geni Mas não pode ser geni Ela é feita para apanhar Ela é boa de cuspir Ela para qualquer um Maldita geni
00:46:43
Speaker
Mas de fato logo ela, tão coitada e tão sigela, cativara o forasteiro. O guerreiro tão vistoso, tão temido e poderoso, era dela prisioneira. Acontece que a donzela, e ser a segredo dela, também tinha os seus cabrijos.
00:47:13
Speaker
E a deita promete à nobra Tão cheirando a brilha cobra Preferia amar com os bichos A ouvir tal heresia A cidade em Romaria Foi beijar a sua mão O perfeito de joelhos E o bispo de olhos vermelhos E o banqueiro com milhão
00:47:43
Speaker
Vai com ele, vai, geni Vai com ele, vai, geni Você pode nos salvar Você vai nos poder vir Você pra qualquer um Bem-vinda, geni Foram tantos os pedidos Os sinceros, tão sentidos Que ela dominou seu vasco Nessa noite lancinante Entregou-se a tal amante
00:48:14
Speaker
como quem carrasco. Ele fez tanta sujeira, lambuzou-se a noite inteira e até fica saciada. E nem bem amanhecia, partiu numa nuvem fria com o seu sertolim prateado. Uma suspira aliviada, ela virou-se de lado
00:48:45
Speaker
Que tentou até surgir Mas logo raiou o dia E a cidade encantoria Não deixou era dormir
00:49:00
Speaker
Joga pedra na geni Joga posta na geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela pra qualquer um Maldita geni Joga pedra na geni Joga posta na geni Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela pra qualquer um Maldita geni
00:49:38
Speaker
Opa! É brutal, é brutal esta canção. Mas eu tenho que dizer, antes de nós mergulharmos nesta canção... Diz, diz, diz... De uma violência, uma coisa assim... Aropiante. Sim. Mas olha, sabes que eu, antes de mergulhar aqui na canção, queria dizer aqui uma coisa que também está presente nos vampiros e aqui também, que é a voz da Manuela Azevedo.
00:49:57
Speaker
Pois, porque ela aqui não é protagonista, não é? Ela faz uma segunda voz, mas é extremamente presente. A Manuela, como cantora de Escolém e não só,
00:50:12
Speaker
Acho que é a melhor cantora de Portugal. Claro que é. A Manuela é a melhor cantora de Portugal, sem dúvida. Eu acho mesmo. Até te vou contar uma história. Não, até me vais contar uma história e muito obrigado por isto. Isso é que é uma história.
00:50:27
Speaker
Podem-se contar uma história. Podem-se contar uma história, mas queres que a gente fale para ali? Não, não, não. Claro que podem. Isto é a propósito da Manela, porque... Eu agora não me estou a lembrar do nome da peça, mas aquela peça que a Isabela e o Perre vêm a Portugal, ali ao Teatro Dona Maria, e a Manela está em palco com o Hélder Gonçalves, porque fazem a banda sonora em cima, em cena, no palco.
00:50:53
Speaker
E a da altura, portanto, a Manela está para cantar e para tocar com o Hélder Gonçalves, e o Perre e toda a gente a representar, está a Isabela Abreu também.
00:51:03
Speaker
Tudo muito bonito e tudo maravilhoso. Pá, digo-vos uma coisa. O melhor momento daquele espetáculo foi a um grupo de pessoas e a Manela faz isto. É a única intervenção da Manela, não como cantora, mas como atriz, em que ela vai à boca de cena, vira de costas para o público porque tem que transmitir uma massagem. Uma massagem.
00:51:26
Speaker
Ela deu-me uma mensagem, digo-vos já. Ela tem de transmitir uma mensagem para o grupo de atores que está em palco sobre uma linha de comboio que está fechada ou que está interrompida, ou não sei o quê, que eles vão todos apanhar o comboio. Eu tenho de atravessar a linha. Ou seja... E ela faz isto, que é... Ela vem, chega à boca de cena, vira de costas para o público e diz a mensagem, e foi a melhor coisa em palco naquela peça. Qual e o par?
00:51:53
Speaker
E o mais giro foi que eu a seguir encontrou a Manela fora com o Eler Gonçalves e fui-lhe dizer isso e ela ficou toda contente, claro. Era a história, porque acho que a Manela é mesmo a cena. Então, sobre aqui a Jenny e o Zeppelin,
00:52:13
Speaker
Eu escolhi esta canção, claro que tem a ver com este caráter falso moralista e hipócrita da sociedade, mas principalmente sobre uma coisa. Isto retrata muito bem a hipocrisia, mas toca num sítio que também tem a ver com a condição da mulher. Eu gosto sempre de tocar neste sítio.
00:52:37
Speaker
Porque, e não da mulher, mas aqui é a Genie, e isto me fez lembrar um filme onde entra a Mónica Bellucci, que eu recomendo que todos vejam, que é o Malena, que é de 2000, que é do Giuseppe Tornatore. É que personifica, não é personifica, materializa muito bem esta canção.
00:52:55
Speaker
em que a inveja está completamente presente. E eu acho que, para além de uma série de crítica que esta canção tem e a letra é extraordinária, super complexa, maravilhosa, metaforicamente...
00:53:11
Speaker
destonteante, mas eu acho que a base de fundo é sempre a inveja. E eu acho que queria tocar nisto mais uma vez. A Patrícia disse-me, não podcast que a gente não fale da melancolia, não podcast que nós não falemos da inveja. Falamos do Édipo para gozar um bocadinho com o Édipo e gostamos do Freud, obviamente, mas a inveja diz.
00:53:30
Speaker
Não, é estruturalmente abstudência, não é? É a última palavra dos Lusíadas. A última palavra mesmo. Se abrirem os Lusíadas na última página, a última palavra é inveja. E, portanto, está tudo dito. Está tudo dito, mas... E nós reforçamos sempre isto, porque ela é usada com alguma leviandade, não é? Nós, nas nossas conversas diárias, em último recurso,
00:54:01
Speaker
É inveja. Ela tem inveja de ti e depois ninguém... Ele tem inveja de ti e depois ninguém explora muito isto. E na realidade a inveja é que faz com que um trampo tenha ganho.
00:54:13
Speaker
umas eleições norte-americanas. Claro, estou-te a dizer em último, e estou a ir ao fundo, estou mesmo ao último ponto, como a última palavra dos Lusíadas também, como também tu agora disseste, é porque é exatamente esse o sítio de onde parte a perversão e por isso isto está a acontecer e portanto eu não gosto muito de
00:54:40
Speaker
dou mesmo verdadeira importância à inveja, ao estudo da inveja e àquilo que é a observação da inveja nas relações humanas. E, portanto, foi exatamente por isso que eu escolhi esta canção. Patrícia Câmara diz-me, para além disso, do que desenhas.
00:55:00
Speaker
Não, estava a circular a palavra inveja várias vezes. Não, claro. Havia um psicanalista que eu gostava muito, que era o Barata, que dizia que inveja é um ataque às qualidades. O Barata, eu acho que o conhecia. Que inveja é um ataque às qualidades. E, no fundo, sim, eu penso que um ataque às qualidades é um ataque à diferença. A impossibilidade de viver a diferença. Acho que isto estás a dizer, não é? Com o fundo de tudo, a impossibilidade de aceitar a diferenciação identitária leva sempre a estes ataques múltiplos.
00:55:29
Speaker
Mas acho que falavas de uma coisa que me parece muito importante. E podíamos ir ao contrário do Édipo. Sim, claro. Na inveja da condição feminina. Sim, mas é isso mesmo. Mas o que me parece que é importante, também disse esta, é o lugar da mulher. E, nessa medida, o lugar da vulnerabilidade sempre atacado. Acho que é outra coisa que falamos pouco. E falamos pouco no nosso área, o que é triste.
00:55:57
Speaker
mas continuamos a cantar com decibéis muito baixos na nossa área. A importância da vulnerabilidade e continuamos a reforçar a ideia da força a vir do narcisismo, que normalmente é balofo e vazio, mas que é vampiresco e, portanto, aparentemente tem força. E acho que isto está nesta canção também. Eu dizer que é verdade que a voz da Mariana não tinha pensado nisso, mas nas duas canções, especialmente na outra, ajuda a criar a atmosfera, não é? Como se fosse uma atmosfera base que ela proporciona para pôr estes lugares todos, não ditos, que vão aparecendo.
00:56:27
Speaker
E agora, porque é nas tuas palavras, Dino, que eu estava a dizer da inveja, na dificuldade em aceitar a diferença do outro, é para clarificar isto, é que não é a dificuldade em aceitar a diferença do outro. É a dificuldade em aceitar a diferença porque se deseja aquela diferença. Aliás, não vamos usar a palavra desejo, porque isso implica um ser humano que não invejou-se, mas é precisamente
00:56:55
Speaker
admiração pelo outro. Às vezes as pessoas fazem confusão com esta coisa da inveja. A inveja é precisamente porque eu admiro o outro num lugar onde eu não consigo ter as características dele, mas quero.
00:57:09
Speaker
É o ataque às qualidades? É o ataque às qualidades, pronto. Mas eu queria desmontar isto, porque muitas vezes as pessoas fazem confusão com isto. A inveja é isto, a inveja a destrói. Estamos falando de inveja maligna, porque quando dizemos no dia a dia... Não, mas a questão é... Mas estou como um amigo meu, sempre me disse que era a ansiedade, a ansiedade é sempre patológica. Onde é que isso é bom? A inveja é patológica, ponto. O resto tu chamas admiração, ambição, vontade de ter, desejo, gostava... A inveja é uma coisa maligna, não é?
00:57:42
Speaker
Aliás, está aqui a frase que diz, não é? Ela é um poço de bondava. Isto é o sítio através do qual... Ela entra. E é incrível porque... Aliás, os vampiros vêm a sugar este lugar. Mas é tão incrível como é tão fugares. Um vampiro tem que estar sempre a ir à procura de sangue. É tão fugares.
00:58:08
Speaker
É uma destruição momentânea de um posse sem fundo que novamente precisa ser destruído precisamente porque não este lugar, onde se pode encontrar o outro na sua diferença e ficar com ele.

Impacto da música ao vivo no público

00:58:20
Speaker
Sérgio Godinho. Eu sou a Ana Teresa Sanguenha, ele é a Patrícia Câmara. Tenho estado a gostar de estar aqui.
00:58:28
Speaker
Estou a gostar, estou a gostar de ouvir. Estou a gostar também de Desfiante, também recordações através das canções e memórias, mas também e de falar das canções, porque gosto muito a razão precisamente deste disco, deste projeto que foi atípico, porque não são as minhas canções. A única canção que é minha é a primeira, a última sessão, e chama-se a última sessão.
00:58:57
Speaker
A vida é um doido brinquedo, não é? E que é espetacular. referiste. Será que ainda temos... Será que ainda temos enredo?
00:59:12
Speaker
Portanto gosto, portanto medo, a vida é um dedo brinquedo. Mas é a única canção que é a minha, porque quis começar o espetáculo com uma canção minha, apesar de tudo. E agora vamos ao resto. E que é uma introdução... Mas eu gostei, e foi muito curioso, porque as pessoas, como é evidente, vão me ver, ainda bem, e tenho salas cheias, etc.
00:59:37
Speaker
por causa das minhas canções, não é? Gostam das minhas canções, ainda bem. E eu também canto hoje porque gosto. Mas aqui foram, até grande parte das pessoas foram um bocadinho à surpresa, porque não sabiam o que é que iam ouvir. E até muitas delas pensavam que ia ser um espetáculo com canções
00:59:59
Speaker
do tal Sérgio Rodelho que fala... Sente que tanto falo, não é? É que tanto falas. Mas aceitaram muito bem, porque hoje é um projeto atípico, de repente vai o Crome e não canta cações dele, não é? Quer dizer, o que é isto? Mas não se sentiram frustradas e aplaudiram com...

Encerramento e agradecimentos

01:00:26
Speaker
É o aposto da inveja.
01:00:27
Speaker
O posto da inveja, exatamente, mas também fiz por isso. Claro. Pronto, e acho que também não podemos estar aqui assim para falar que estes senhores estão um bocadinho avalecidos, e estes senhores e os outros que vão ouvir o podcast, eu sei que a pessoa dizer que não, mas pronto.
01:00:49
Speaker
Eu também não sou eu que comando aqui. Eu também não mando. Mas, se calhar, sou eu um bocadinho responsável por acabar isto agora. Portanto, olha, em primeiro lugar, vou fazer uns agradecimentos. vou a ti outra vez, a nós. Mas, antes disso, quero-vos dizer uma coisa. Hoje é dia 24 de janeiro. Nós fazemos anos de dia 27 de janeiro. Foi o nosso primeiro podcast. O nosso podcast é o 3 Divãs, a Psicanálise do Mundo e o Rock and Roll.
01:01:18
Speaker
e foi gravado pela primeira vez no dia 27 de janeiro, exatamente quando o campo de Auschwitz foi libertado. E, portanto, está quase a fazer anos, que é, portanto, segunda, 27, mas hoje nós fazemos anos, pronto, porque foi gravado a uma sexta-feira, no dia 27 de janeiro, e portanto, deem-nos os parabéns, por favor. Obrigada. Muito obrigada.
01:01:43
Speaker
E foi um acaso, no dia que percebi qual era o dia que estávamos a gravar e quero continuar a sublinhar esse dia sempre, por isso estou a falar disso agora. E hoje quero agradecer à Casa do Incomum, à Miguel Ribeira, a todos vocês por terem estado aqui conosco, à Carolina que fez o som, à Patrícia Câmara que faz barulho,
01:02:08
Speaker
Quero agradecer à Climapsy, editores, que nos empresta este material. Quero agradecer à Joana Bernardo, que a voz ao jingle. Aos Dirk T. Mack e a Yoko Ono, que são a canção do nosso jingle. Quero agradecer especialmente ao Sérgio Godinho por estar aqui conosco e vou agradecer à moda do nosso amigo. Foi quase um prazer.
01:02:31
Speaker
Foi quase um prazer ser uma frase, seja dito, do João Paulo Petrinho no fim de desencontres. Foi quase um prazer. Era uma frase típica, é preciso explicar. É uma bela despedida. Obrigada por estarem conosco. Eu sou a Ana Teresa Sanganha. Até para o mês que vem.
01:02:59
Speaker
Três divãs. A psicanálise, o mundo e o rock'n'roll.