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38 Plays2 months ago

Maria João Luis, Atriz e Encenadora.

Transcript

Música e Emoções

00:00:10
Speaker
3 Divãs, a psicanálise, o mundo e o rock'n'roll.
00:00:23
Speaker
Quando uma nota musical encaixa num espaço interno, a sensação de completude enche toda a atmosfera.
00:00:31
Speaker
Quando a melodia embala, a sensação de colo sustém a gravidade do ambiente.
00:00:37
Speaker
Quando a ausência de palavra nos permite conversar connosco, a sensação de companhia arrebata a solidão.
00:00:45
Speaker
Arrisco dizer que, nesta circunstância, existe a possibilidade de confundirmos tristeza e alegria.
00:00:52
Speaker
E não tem mal, como diz a Luísa.
00:00:55
Speaker
Pois não, são as duas da ordem da felicidade.
00:00:59
Speaker
São as duas indicadoras da existência de um outro dentro de nós, por oposição ao vazio e à incapacidade de as sentir.
00:01:07
Speaker
O disco escolhido pela Maria João Luís, a convidada de hoje de três divãs, proporciona uma viagem ao nosso interior, mostrando-nos os nossos diferentes lugares ao ritmo de cada faixa, da primeira à última nota.
00:01:24
Speaker
Às vezes pergunto-me o que é que acontece ao vazio quando escuta um disco assim.
00:01:29
Speaker
Eu diria que um disco assim lhe destapa a vulnerabilidade.
00:01:34
Speaker
Ora, sem a palavra do outro, sem a sua imagem física, onde é que fica a mimetização?
00:01:41
Speaker
Não fica.
00:01:42
Speaker
O vazio decora, não aprende.
00:01:45
Speaker
Quando ouvimos música clássica,
00:01:47
Speaker
Ou temos, de facto, uma identidade que se espelha na música, ou nos resta a aridez, pérfida, onde tudo faltou e onde a vida, ao contrário de vivida, é sobrevivida.
00:02:01
Speaker
O Gymnopédie, Gnossien and Other Works, de Eric Satie, é um disco onde nos podemos entregar por inteiro,
00:02:10
Speaker
onde transferimos e contratransferimos o que é nosso, através das notas musicais do outro.
00:02:16
Speaker
Um bom setting psicanalítico, onde uma presença melódica nos ampara na queda.
00:02:22
Speaker
Hoje, a Chasing Rabbits vai ouvir o piano do Giacomo Sinardo, escolhido pela Maria João.
00:02:30
Speaker
Olá, Maria João.
00:02:31
Speaker
Bem-vindo ao Três Divãs.
00:02:34
Speaker
tens a palavra.
00:02:34
Speaker
Oh meu Deus!
00:02:39
Speaker
Bom, eu sou a Maria João Luiz, tenho muito prazer em estar aqui, a conflito da Ana Teresa Sanganha e do Chasing Rabbit.
00:02:51
Speaker
E da Patrícia.
00:02:59
Speaker
Tenho 59 anos, sou atriz, sou encenadora, fui muitas
00:03:11
Speaker
muitas personagens na minha vida dentro do teatro e fora dele porque fui procurando sempre correr atrás daquilo que seria o meu eu a minha figura interior e por isso me apaixonei pela arte e me apaixonei
00:03:41
Speaker
por toda a forma de arte e de exposição daquilo que é
00:03:55
Speaker
a nossa procura, a nossa procura interior, a procura daquilo que nós somos, a procura daquilo que... a grande pergunta, no fundo,

Reflexões Existenciais de Maria João

00:04:04
Speaker
não é?
00:04:04
Speaker
O que é que eu estou aqui a fazer?
00:04:06
Speaker
Porquê é que eu estou aqui?
00:04:08
Speaker
Para que é que eu estou aqui?
00:04:09
Speaker
E depois, se calhar, muitas vezes a conclusão de que não estamos aqui para nada de especial.
00:04:16
Speaker
Estamos aqui porque estamos aqui...
00:04:19
Speaker
E pronto.
00:04:23
Speaker
Mas essa procura e essa coisa teve sempre em mim, desde muito cedo, desde muito miúda, que eu me pergunto, desde muito miúda, que eu me interrogo, mas muito miúda mesmo.
00:04:35
Speaker
Eu diria que com os meus seis, sete anos, eu tinha questões, tinha essas interrogações.
00:04:45
Speaker
era, a uma dada altura, aos meus oito, nove anos, tinha algumas perturbações ao nível psicológico, portanto, sofri de...
00:05:05
Speaker
tendências para depressão para coisas desse género e eu sei que estou aqui com duas psicanalistas portanto isto é isto a conversa leva-nos a esta zona peço desculpa mas a conversa leva-nos a estas zonas por estar aqui efetivamente com pessoas que trabalham a psicanálise e
00:05:35
Speaker
aquilo que é o interior do indivíduo as inquietações as inquietações do indivíduo mas é um facto isto acontecia e talvez por isso eu tenha seguido esta esta minha esta minha vertente de artística porque me dava mais espaço para respirar era quase como um balão
00:05:58
Speaker
que estava apertado no seu gargalo e que precisava rapidamente de se expandir, de deitar aquele ar fora, de deitar algum do ar, se não rebentava.
00:06:11
Speaker
E isso eu sentia aos meus 8, 9 anos.
00:06:14
Speaker
É curioso, não é?
00:06:15
Speaker
Tão cedo.
00:06:17
Speaker
Mas sentia isso gravemente mesmo.
00:06:22
Speaker
Daí que, quando se o 25 de Abril,
00:06:27
Speaker
Portanto, é uma grande coincidência.
00:06:30
Speaker
Tenho os meus 10 anos.
00:06:32
Speaker
O 25 de Abril foi como se fosse uma explicação para tudo aquilo que eu tinha, para todas as minhas questões, para todas as minhas interrogações sobre o mundo e sobre a vida.
00:06:44
Speaker
Portanto, apanha-me numa altura da minha vida em que eu estou com esse drama,
00:06:50
Speaker
Se vocês quiserem, é um drama, como é que se diz?
00:06:56
Speaker
Existencial.
00:06:57
Speaker
Existencial, exatamente.
00:06:59
Speaker
Portanto, estou com esse drama existencial.
00:07:02
Speaker
E quando se dá o 25 de Abril, eu acho que o mundo brotou.
00:07:11
Speaker
floresceu respirou portanto o mundo respirou e eu respirei com ele e começou-me de excessiva respirei muito mas é o entusiasmo é o entusiasmo pelo sentido respirei muito com este novo mundo acreditei muito neste novo mundo e acreditei efetivamente que a uma dada altura
00:07:42
Speaker
O mundo era meu.
00:07:45
Speaker
Era meu.
00:07:45
Speaker
Eu sabia que não era meu, completamente.
00:07:48
Speaker
Tinha essa consciência, não era Tantã.
00:07:50
Speaker
Mas... Não era completamente Tantã.
00:07:53
Speaker
Mas... Sabia que o mundo não era completamente meu.
00:07:57
Speaker
Mas... Sentiste-te empoderada.
00:08:00
Speaker
Senti-me livre.
00:08:04
Speaker
Livre.
00:08:05
Speaker
A palavra liberdade, que era o que se ouvia na rua.
00:08:09
Speaker
Nessas ruas por onde eu andei com os meus pais, estás a virar as cavalitas, a gritar liberdade.
00:08:15
Speaker
Essa palavra, que para uma miúda de 10 anos, teve uma importância e um significado maior.
00:08:26
Speaker
Ou seja, a liberdade era tudo, era tudo possível.
00:08:29
Speaker
Era tudo possível.
00:08:30
Speaker
Eu podia estar aqui, ir hoje daqui para ali e ninguém me podia dizer nada.
00:08:36
Speaker
Para mim era isso, percebes?
00:08:38
Speaker
Era essa urgência de existir, de estar com os outros, de partilhar essa liberdade com os outros, porque era o que eu vivia na rua,

Adolescência e Educação

00:08:50
Speaker
nas manifestações, o povo unido nunca mais será vencido.
00:08:57
Speaker
toda essa onda que se criou naquela altura para uma criança era uma coisa absolutamente extraordinária e permitiu-me uma adolescência feliz uma adolescência cheia de sonho e de de procura
00:09:20
Speaker
Percebes?
00:09:21
Speaker
Porque o sonho não se faz sem a procura.
00:09:23
Speaker
Portanto, uma procura constante também para se chegar ao sonho, para se chegar a toda essa coisa.
00:09:31
Speaker
E isso foi absolutamente extraordinário na minha adolescência.
00:09:35
Speaker
E depois essa coisa de liberdade que eu extravazei, porque sou excessiva, sempre fui excessiva, extravazei para uma coisa de, então se é assim, então eu posso tudo, então eu vou daqui para ali e ninguém me prende.
00:09:50
Speaker
E desatei a fugir de casa, desatei a ir de casa, miúda.
00:09:59
Speaker
Entrei para António Arroio aos meus 15 anos, portanto ia seguir arquitetura, era essa a minha ideia.
00:10:07
Speaker
E quando entrei para António Arroio então, eu estava com a minha gente, não é?
00:10:12
Speaker
Era gente como eu.
00:10:14
Speaker
Eu tinha encontrado as pessoas como eu, não eram as pessoas da secundária que eu tinha encontrado, que queriam ser engenheiros e que queriam ser doutores e que queriam outras coisas e alguns nada, mas não eram aquelas pessoas, não eram aquelas pessoas.
00:10:31
Speaker
E quando eu entro na António Rui, vejo uma data de gente igual a mim, igual, igualzinha.
00:10:39
Speaker
Mas igualzinha, com a mesma liberdade, com a mesma vontade de criar.
00:10:45
Speaker
A escola, na altura, e hoje penso que ainda continua, tenho ouvido muitos relatos de gente de Noda que está na António Arroio, e a escola, na altura, era um passo para a liberdade.
00:10:59
Speaker
Os professores não marcavam faltas.
00:11:01
Speaker
Não havia faltas.
00:11:03
Speaker
Era uma escola diferente.
00:11:04
Speaker
Era uma escola nova.
00:11:07
Speaker
Ensinavam-se coisas de uma forma que não era a forma com que se ensinava no outro tipo de ensino.
00:11:13
Speaker
A filosofia não era a mesma filosofia que era dada nas outras escolas.
00:11:19
Speaker
Havia uma nuance, havia qualquer coisa que saía do programa.
00:11:24
Speaker
e que nos trazia uma outra novidade.
00:11:30
Speaker
As aulas eram prazerosas, efetivamente.
00:11:33
Speaker
Era uma escola prazerosa.
00:11:35
Speaker
Não pelos colegas, mas pelos professores, que eram todos extraordinários.
00:11:41
Speaker
e onde tive professores Aldina, pintora, Corubin Lapa, onde tive alguns professores ainda muito importantes, não é?
00:11:59
Speaker
E sai da escola, é engraçado que eu tenho uma professora de filosofia, que uma dada altura, que era a Inês, que eu nunca me hei de esquecer, até porque fui dizer poesia tempos, há uns anos, fui dizer poesia à Faculdade de Ciências e tenho uma professora na plateia que vem ter comigo no fim e que diz, ó Maria João, isto normalmente é ao contrário, eu lembro-me
00:12:22
Speaker
Lembro-me dos alunos.
00:12:27
Speaker
Eu não me lembro dos alunos.
00:12:28
Speaker
Os alunos é que se lembram da professora.
00:12:30
Speaker
Aqui sou eu que me lembro da aluna.
00:12:33
Speaker
E a aluna não se lembra da professora.
00:12:35
Speaker
E eu disse, pá, Inês, eu lembro-me de si.
00:12:38
Speaker
Lembro-me perfeitamente de si.
00:12:39
Speaker
Ela diz, você lembra-se de um dia estar num corredor da escola e eu lhe dizer, ó Maria João, venha às minhas aulas.
00:12:48
Speaker
Porquê é que não vem às minhas aulas?
00:12:50
Speaker
É que você até gosta de filosofia.
00:12:52
Speaker
Porquê é que não vem às minhas aulas?
00:12:54
Speaker
É que eu assino e lhe posso dar nota.
00:12:56
Speaker
Eu disse, ó professora, deixe isso.
00:12:57
Speaker
Não.
00:13:00
Speaker
Eu agora vou para o norte, vou criar cabras.
00:13:04
Speaker
E era assim que eu estava na vida.
00:13:07
Speaker
Era assim, com esta liberdade.
00:13:09
Speaker
Queria ir para o norte, queria criar cabras, queria...
00:13:14
Speaker
Sentir a natureza que foi sempre uma coisa muito querida para mim, muito perto de mim, que eu ainda hoje preservo.
00:13:20
Speaker
Fiz uma casa no campo, tenho a minha casa no campo, tenho o campo à minha volta.
00:13:27
Speaker
Isso para mim é talvez a coisa mais importante porque eu sou super ligada à natureza.
00:13:37
Speaker
depois a minha profissão a minha profissão que chega de uma forma simples muito simples não fazia ideia do que é que queria seguir tinha uma grande amiga minha que estava na escola comigo que qualquer coisa que fizesse era genial eu não fazia nada de jeito portanto eu percebi isto não é o meu caminho eu não vou para a arquitetura coisa nenhuma eu estou a enganar os meus pais isto não é o meu caminho
00:14:06
Speaker
Portanto, o que é que eu faço?
00:14:09
Speaker
Na altura, na escola, pediam-me para eu dizer poesia.
00:14:12
Speaker
Eu tinha jeito para dizer poesia.
00:14:14
Speaker
E às vezes faziam coisas na escola, exposições de artes plásticas, de escultura, de várias coisas.
00:14:24
Speaker
E às vezes pediam para eu dizer poesia.
00:14:27
Speaker
Eu tinha talento para aquilo, eu sabia dizer aquilo, fazia aquilo bem.
00:14:30
Speaker
fazia em casa, quando era pequenina, dizia poesia.
00:14:33
Speaker
O meu pai cantava ao fado, escrevia umas coisas também.
00:14:39
Speaker
E eu dizia poesia, tinha gosto naquilo.
00:14:41
Speaker
Depois conheci muito cedo os surrealistas, conheci através de amigos da terra, conheci os surrealistas franceses, o Breton,
00:14:59
Speaker
Agora, não tenho aqui os nomes precisos, mas, enfim, vários.
00:15:07
Speaker
Os portugueses, todos, não é?
00:15:09
Speaker
Todos.
00:15:10
Speaker
O Cesarini, o Pacheco,
00:15:13
Speaker
o Almada, enfim, essa gente eu conheci toda, alguns pessoalmente até, mas tive uma paixão súbita por aquilo, por aquele tipo de texto, por aquele universo, pelo universo surrealista.

Liberdade Criativa e Depressão

00:15:32
Speaker
Depois apaixonei-me por um homem, esse homem tinha uma banda de punk, apaixonei-me pelo punk, tive uma banda de punk,
00:15:41
Speaker
Tive uma banda de punk que se chamava Bactéria Prima.
00:15:44
Speaker
Eu acho que é um nome muito bem encontrado.
00:15:49
Speaker
E que era uma coisa séria, atenção, era uma coisa séria, era uma coisa... Tínhamos uma produtora, que eram as produções semíticas, e nessa produtora organizávamos vários... Tinha alguma ironia, embora depois aquilo fosse uma coisa mesmo feita a sério, organizámos concertos,
00:16:13
Speaker
Organizámos concertos em vários sítios, Voz do Operário, numa sala em frente à Voz do Operário, na Comuna, organizámos um mês inteiro de concertos de música alternativa, com os Glassed Mechanism, com os censurados, a começarem a sua banda como Tara Perdida.
00:16:39
Speaker
os Corrosão Caótica Ratos do Porão eu sei trabalhámos e fizemos música com muita malta da música alternativa muita gente da música alternativa aprendi muito aprendi uma coisa extraordinária que no teatro muitas vezes não se ensina
00:16:59
Speaker
que é, és livre.
00:17:01
Speaker
O teatro tem às vezes uma escola muito rígida, muito... Nem todo o teatro, mas um teatro que mantém essa espécie de necessidade de criar uma complexidade gigante
00:17:18
Speaker
à volta das coisas é preciso atenção as coisas são mais simples e quanto mais simples as coisas são quanto mais simples elas são encontradas e quanto mais simplesmente elas nos são transmitidas e para isso está o grande intelectual Jorge Silva Mel que nos ensina como fazer como falar das coisas de uma forma simples dizendo tudo
00:17:45
Speaker
sem criar patamares e patamares e patamares de coisas que às vezes nos confundem e nos baralham e acho que falei queres que eu fale mais?
00:18:01
Speaker
eu ia pegar nas tuas palavras antes de passarmos ao disco ia pegar nisto que olha, um amigo meu a propósito da sensação que tu tinhas até ao 25 de Abril
00:18:14
Speaker
um amigo meu que costuma dizer isto, que é de facto se nós sentimos que temos um dom.
00:18:19
Speaker
E dom neste sentido de temos algo para viver e não conseguimos.
00:18:23
Speaker
Não conseguimos encontrar a expressão dessa vivência que estamos tramados para a vida, não é?
00:18:29
Speaker
E por isso fico muito contente que tenha chegado o 25 de Abril e que tu tenhas encontrado esse lugar.
00:18:35
Speaker
Mas queria-te perguntar uma coisa.
00:18:38
Speaker
Todas essas experiências que tu depois passaste a ter e que tens ainda hoje, fazes muitas coisas diferentes,
00:18:45
Speaker
onde é que tu sentes que és mais tu?
00:18:53
Speaker
eu agora ia dizer uma coisa macaca que é proibitiva que é proibitiva mas embora eu não me sinta num lugar de desistência
00:19:14
Speaker
ou não me sinta num lugar de perda muito pelo contrário estou numa fase até em que as coisas não são assim portanto tenho objetivos, tenho projetos tenho imensas, imensas coisas para fazer mas o sítio onde eu me sinto mais eu é na depressão no encontro interno esse é o meu maior encontro interno
00:19:46
Speaker
Isto é talvez terrível de dizer, porque, de certa forma, também aniquila uma espécie de conceito que se tem sobre a depressão.
00:20:03
Speaker
Eu passei por uma depressão alguns anos, dois ou três anos.
00:20:10
Speaker
Foi uma coisa muito difícil, muito dura de passar.
00:20:15
Speaker
mas que ao mesmo tempo me colocou num sítio perante o meu eu.
00:20:24
Speaker
Alguma humildade.
00:20:27
Speaker
Não tem a ver bem com humildade.
00:20:30
Speaker
Tem a ver com uma espécie de encontro com...
00:20:42
Speaker
algo de mim que habita sem dúvida nenhuma o meu ser e que não tem de ser destrutivo.
00:20:57
Speaker
e que pode ser salvo de alguma forma, não é?
00:21:01
Speaker
E aqui, estamos nós a falar outra vez das mesmas coisas, porque estamos perante duas psiquiatras, duas psicanalistas, mas, que também é verdade, porque eu sou levada a isso, peço desculpa, mas o que é um facto é que uma... um encontro connosco que a depressão nos obriga a fazer, não é?
00:21:25
Speaker
Com o lado de nós...
00:21:28
Speaker
que é importante.
00:21:29
Speaker
É o tal de parar, não é?
00:21:33
Speaker
É importante fazer esse caminho.
00:21:35
Speaker
Nós às vezes dizemos que o mundo anda doido e que ouvimos muitas vezes na televisão que a grande pandemia é a depressão.
00:21:49
Speaker
a ausência dela e a Patrícia costuma dizer isto e agora ia dizer e a Patrícia costuma dizer tomara que a pandemia fosse a depressão o pior é que a pandemia é a ausência dela é o sítio onde de facto se pode parar para pensar
00:22:06
Speaker
e era o que tu estavas a dizer nem tem que ser como é que tu disseste?
00:22:12
Speaker
como é que a João disse?
00:22:13
Speaker
que nem tem que ser não tem que ser mau não tem que ser destrutivo exatamente, obrigada não tem que ser destrutivo
00:22:21
Speaker
E pelo contrário, podemos parar de a tentar tapar também.
00:22:28
Speaker
Exatamente, tentar... E de agredir, ou de falar sobre ela como se fosse uma coisa externa.
00:22:32
Speaker
Como se fosse uma coisa externa e como se fosse uma coisa absolutamente negativa.
00:22:38
Speaker
É evidente que traz sofrimento, traz sofrimento, isso não dúvida, isso é um facto, traz algum sofrimento, sem dúvida.
00:22:46
Speaker
Às vezes até a incapacidade.
00:22:49
Speaker
Mas não sei até que ponto é que nós não temos todos que passar por isso.
00:22:53
Speaker
Nós costumamos falar numa espécie de um estátua.
00:22:55
Speaker
Lembra de Matos, que era o que nós falávamos, o nosso mestre, Traspa.
00:23:00
Speaker
Mas falava num conceito que era a depressividade, que era a capacidade de nos deixarmos encontrar connosco.
00:23:05
Speaker
Exatamente.
00:23:07
Speaker
Nesse movimento.
00:23:08
Speaker
E esse movimento...
00:23:10
Speaker
Eu tive a sorte de ter a família ao meu lado e de ter a capacidade de ter a família comigo a acompanhar e a dar-me força, a puxar-me para cima.
00:23:29
Speaker
Mas quase como que um tempo para se viver isso.
00:23:34
Speaker
um tempo para se viver isso.
00:23:36
Speaker
um tempo para se passar por isso.
00:23:39
Speaker
e não adianta às vezes até... Eu tive de usar medicação, como é evidente, não consegui de outra forma, mas... A medicação às vezes é...
00:23:57
Speaker
É como se fosse um aliviar da coisa, mas a coisa continua lá.
00:24:03
Speaker
A coisa não desaparece.
00:24:04
Speaker
A coisa mantém.
00:24:06
Speaker
A coisa mantém.
00:24:07
Speaker
um aliviar.
00:24:08
Speaker
Há uma bengala, não é?
00:24:09
Speaker
uma bengala.
00:24:10
Speaker
uma coisa que tu podes sair dali a andar.
00:24:16
Speaker
Mas sem transporte.
00:24:18
Speaker
podes sair dali a andar, mas não consegues libertar-te dela.
00:24:22
Speaker
Ela não sai.
00:24:24
Speaker
Ela sai quando quer.
00:24:25
Speaker
Não afundas.
00:24:26
Speaker
Não afundas.
00:24:27
Speaker
Ajuda-te a não afundar.
00:24:29
Speaker
A não afundar.
00:24:30
Speaker
E podes pensar.
00:24:31
Speaker
E podes pensar.
00:24:32
Speaker
Mas também, isto é mesmo importante, porque é esta ideia de despatologizar até a própria depressão, não é?
00:24:36
Speaker
Porque nós estamos aberto a atualmente, então, olhar para todas as coisas que sentimos,
00:24:40
Speaker
como se diz para aniquilar.
00:24:41
Speaker
A pessoa passa um bocado mais tempo triste, passa um bocado mais tempo a refletir e automaticamente é posta em marcha, não é?
00:24:46
Speaker
Toda a gente à volta diz para se pôr em marcha.
00:24:49
Speaker
E esse movimento contrário, com essa ideia de que é possível parar e através desse parar se construir coisas novas, é despatologizar esse lugar.
00:24:55
Speaker
É importante resgatar isso.
00:24:56
Speaker
Acho que é muito importante resgatar isso.
00:24:58
Speaker
Acho que um lado de despatolizar exatamente, como tu dizes.
00:25:04
Speaker
Eu senti isso durante todo o processo.
00:25:09
Speaker
senti uma coisa... isso eu senti sempre, senti.
00:25:12
Speaker
Isto é natural.
00:25:13
Speaker
Isto é uma coisa natural.
00:25:14
Speaker
É uma coisa que me está a acontecer que é natural.
00:25:16
Speaker
Ok, eu estou a cair nisto porque tenho carradas de problemas, tenho carradas de coisas que tenho de resolver, tenho carradas de coisas que não sei como resolver.
00:25:26
Speaker
A pressão é mais.
00:25:27
Speaker
Pressão, muita pressão, muita pressão, muita pressão.
00:25:31
Speaker
Portanto, mas isto é um processo.
00:25:34
Speaker
Nunca senti a depressão como um processo que não fosse natural.
00:25:38
Speaker
nunca senti sempre como uma coisa absolutamente natural e que eu tinha de passar tinha de passar, tinha de viver e de passar E tens uma história, acima de tudo, quando estavas a dizer tenho problemas, tenho coisas para resolver, acho que acima de tudo tens uma história e essa história também te trouxe aqui a esse lugar que de facto tem de ser vivido porque faz parte de ti Exatamente
00:26:04
Speaker
Olha, temos que falar um bocadinho do disco.
00:26:08
Speaker
Exato, quem encaixa aqui, não é?
00:26:10
Speaker
Quem encaixa aqui, perfeitamente.
00:26:11
Speaker
Claro, completamente.
00:26:12
Speaker
E portanto, vou-te perguntar o porquê do Éric Satie.
00:26:17
Speaker
Porquê que tu pensaste no Éric Satie para trazer hoje aqui?
00:26:21
Speaker
Olha, para quem teve uma banda de punk rock, eu compreendo que seja, mas não é. Está no mesmo sítio, exatamente.
00:26:33
Speaker
O que é que o Sati me traz?
00:26:35
Speaker
Traz-me a possibilidade, ainda muito nova, quando ouvi a primeira vez o Sati, de me poder isolar com a música, de poder ficar eu e a música,
00:26:56
Speaker
eu e a música, eu e as notas delicadas da gimnopédia.
00:27:07
Speaker
E esse tema foi-me acompanhando ao longo da minha vida, em momentos mais stressantes, mais complicados, em que eu punha aquilo.
00:27:21
Speaker
e me encontrava completamente comigo as notas suaves a delicadeza a inteligência da música a inteligência na melodia isso está tudo está tudo lá é um gênio o Saty é um dos pais da música minimalista
00:27:51
Speaker
do pré-jaze, mas isto é daquelas coisas que vocês podem ir a... como é que se diz?
00:27:57
Speaker
ao Google e pesquisar e verem, portanto está tudo mas é preciso ouvirem mais do que saberem sobre a história da vida do homem que também é importante mas aquilo que é preciso é ouvirem, ouçam esta Gimna Opedie de número 1 que é absolutamente extraordinária
00:28:20
Speaker
E que encontram em vários discos, neste também, mas que encontram em vários discos e é um tema para mim de meditação e de transporte.
00:28:32
Speaker
É transpostador.
00:28:34
Speaker
É como uma droga.
00:28:36
Speaker
Muito bem.
00:28:38
Speaker
Então vamos ouvi-la e voltamos a conversar.
00:29:11
Speaker
Legenda Adriana Zanotto
00:32:35
Speaker
Maria João, então, o que é que nos tens a dizer sobre o Chimnopédia número 1, que foi o que acabámos de ouvir?
00:32:44
Speaker
Bom, eu acho que esta música é um bocadinho como andar, como respirar.
00:32:55
Speaker
Tem uma cadência que se encaixa com a minha.
00:33:01
Speaker
Não sei explicar mais do que isto.
00:33:03
Speaker
Tem uma cadência que se encaixa com a minha.
00:33:05
Speaker
E é uma música, para mim, inspiradora.
00:33:10
Speaker
Ou seja, quando estou a começar um projeto ou quando estou a trabalhar num texto e ouço muitas vezes esta música porque me ajuda a libertar.
00:33:30
Speaker
Ajuda-me a essa coisa da procura artística.
00:33:36
Speaker
Pronto.
00:33:37
Speaker
Ajuda-me.
00:33:38
Speaker
É inspiradora.
00:33:39
Speaker
É transportadora.
00:33:41
Speaker
Sim, sim.
00:33:45
Speaker
Sim, sim.
00:33:46
Speaker
A última convidada que tivemos foi o Mário Cordeiro.
00:33:52
Speaker
Mário Cordeiro.
00:33:54
Speaker
Médico-pediatra.
00:33:56
Speaker
E a dada altura ele estava a falar das questões da solitude.
00:34:00
Speaker
Do estar só, mas estar acompanhado dentro.
00:34:06
Speaker
E eu falei de uma coisa, que eu acho que vai um bocadinho ao encontro disto que tu estavas a dizer.
00:34:12
Speaker
E que às vezes também se fala pouco.
00:34:14
Speaker
E que é uma das minhas preocupações, e desta semana eu trocava mensagens com a Patrícia a propósito disso.
00:34:20
Speaker
Que é a solidão.
00:34:23
Speaker
E de facto é esta solidão que eu acho que todos nós temos uma solidão.
00:34:30
Speaker
Todos nós.
00:34:31
Speaker
Da mesma maneira que tu tens um coração, que tens uns pulmões, que tens a tua forma de ser alegre, a tua forma de... Não sei.
00:34:41
Speaker
Tens uma solidão.
00:34:42
Speaker
Todos nós temos uma solidão.
00:34:44
Speaker
E nem todos queremos tocar nessa solidão, porque é uma coisa difícil.
00:34:50
Speaker
E nem todos temos a capacidade de a viver.
00:34:53
Speaker
E muitas vezes a depressão... Mas eu acho que nos conhecemos a sério quando vivemos a nossa solidão.
00:34:59
Speaker
Quando olhamos para ela e sabemos que ela está cá e que também faz parte de nós, como o amor, como o ódio.
00:35:06
Speaker
E muitas vezes o contacto com a depressão, no contacto com a depressão da forma como tu estavas a falar sobre ela...
00:35:16
Speaker
uma coisa simultânea que é o encontro com a nossa solidão, mesmo que estejamos acompanhados.
00:35:22
Speaker
E de facto esse contacto permite-nos conhecer mais um lugar nosso que depois nos acompanha para a vida.
00:35:30
Speaker
E está lá, não é mais do que aquilo, é aquilo, está ali.
00:35:33
Speaker
E nós sabemos que tivermos que ir lá, vamos ou não.
00:35:37
Speaker
mas que é de facto uma das coisas mais difíceis de viver e de vivenciar.
00:35:43
Speaker
E por isso é que nem toda a gente quer ir, ou nem sequer é capaz.
00:35:48
Speaker
de chegar.
00:35:49
Speaker
Sim, mas estava a pensar que para poder ir e poder ir assim, realmente estava a pensar no impacto desta música porque irriga o espaço, não fica seco e isso permite que esse sítio seja possível de ser vivido porque senão era uma coisa crua.
00:36:02
Speaker
Este irriga e faz-se expandir.
00:36:06
Speaker
uma coisa com que eu sempre vivi que foi sempre uma certa ansiedade relativamente à vida e
00:36:16
Speaker
e uma inquietação grande perante a vida sobretudo numa grande necessidade de usufruir de tudo o que a vida teria para me dar isto eu vivi a minha vida toda à procura disso a correr atrás disso a correr atrás das possibilidades das aventuras que a vida teria para me dar e a vida foi muito
00:36:44
Speaker
Foi muito generosa a esse nível.

Teatro da Terra e Comunidade

00:36:46
Speaker
Portanto, a vida deu-me muitas oportunidades de experienciar muitas coisas.
00:36:51
Speaker
Eu lembro-me quando eu... Depois é claro que há uma procura destas coisas.
00:36:56
Speaker
Eu lembro-me quando quis fazer o projeto do Teatro da Terra e disse ao meu marido que queria muito fazer, ao Pedro Domingos.
00:37:06
Speaker
que construiu comigo o Teatro da Terra e que teve a minha banda de punk comigo também.
00:37:16
Speaker
e era baterista extraordinário baterista e quando quando eu lhe disse que queria fazer o Teatro da Terra que gostava de fazer uma companhia de teatro e que gostava de sair de Lisboa e de ir para o campo e de procurar um trabalho com a comunidade e de fazer tudo isto e
00:37:47
Speaker
O Pedro está instalado, quer dizer, o Pedro nesta altura está com os artistas unidos, portanto, tem a vida dele organizada, está organizadíssimo.
00:37:58
Speaker
E perante esta ideia, ele fica um bocadinho aflito, quer dizer, ele fica, então, agora vamos sair de casa, vamos deslocar-nos para o interior do Alentejo, vamos...
00:38:21
Speaker
E houve uma coisa que fez com que isto acontecesse, que foi o amor.
00:38:28
Speaker
O amor.
00:38:31
Speaker
Ele acreditou que isto era possível.
00:38:34
Speaker
porque me amava.
00:38:36
Speaker
Isto é extraordinário.
00:38:38
Speaker
Isto é uma das coisas mais incríveis que há.
00:38:41
Speaker
Eu acho que as pessoas às vezes, por falta de entendimento, subestimam muitas coisas, muitas coisas que são importantes, as pessoas subestimam.
00:38:52
Speaker
As pessoas estão um pouco viradas para a emoção, para o lado...
00:39:02
Speaker
para o lado da emoção com os outros para a relação com os outros estão muito pouco viradas para isso estão mais na sensação estão mais se calhar na sensação embora sejam umas sensações de merda mas como a adrenalina como a adrenalina engana mas são umas sensações de merda porque hoje em dia meu Deus o que é que se passa aqui o que é que se está a passar
00:39:28
Speaker
neste mundo que nós não estamos a conseguir perceber.
00:39:31
Speaker
Eu continuo cheia de vontade e de energia e não sei o quê, mas a cada passo ouço pessoas a dizer isto está uma merda, isto está complicado, isto está difícil, não sei como é que vai ser.
00:39:43
Speaker
Este mundo, não hipótese, o Putin é um deus porque não manda uma merda para matar esta merda toda que podia ter feito, não fez, não sei porquê, deve estar maluco, ou deve estar à espera do dia do aniversário, sei lá, não sei, não faço ideia nenhuma, mas alguma coisa está a acontecer para que ele não tenha dado de cabo da Europa, não é?
00:40:04
Speaker
Alguma coisa o homem deve ter que realmente, é pá... Ou está com alguma patologia, não sabemos, mas, efetivamente, dentro do quadro que pintam, eu estou sempre à espera de ver o Putin a mandar uma bomba nisto tudo.
00:40:19
Speaker
Não acontece.
00:40:20
Speaker
Por que será?
00:40:21
Speaker
Não sei.
00:40:24
Speaker
É uma interrogação.
00:40:25
Speaker
É uma pergunta que a gente se deve fazer.
00:40:29
Speaker
Enquanto isso,
00:40:31
Speaker
Continuam os bombardeamentos, continuam as pessoas a morrer na Ucrânia, continuam as injustiças contra as mulheres nos países árabes, continua este mundo desenfriado a correr não sabemos bem para onde.
00:40:51
Speaker
Não sabemos bem para onde.
00:40:53
Speaker
O que é isto agora?
00:40:55
Speaker
O que é que se procura agora?
00:40:56
Speaker
Explique-me lá.
00:40:57
Speaker
Não é?
00:40:59
Speaker
A ecologia foi com os porcos, isso ninguém fala, se fala das guerras e das armas e da grande potência que é os Estados Unidos com o Putin e com a Rússia e que o povo ucraniano é balas de canhão e é, realmente, é para toda a obra, aquilo morrem e pronto, não interessa nada, isso é um facto.
00:41:23
Speaker
Agora,
00:41:30
Speaker
aqui uma coisa que nos fugiu ao controle.
00:41:33
Speaker
Nós deixámos de ter controle sobre isto, deixámos de perceber.
00:41:37
Speaker
Esta é a verdade.
00:41:40
Speaker
Deixámos de perceber.
00:41:42
Speaker
Deixámos de conseguir perceber para onde é que isto vai, em que mãos é que isto está.
00:41:50
Speaker
Percebes?
00:41:50
Speaker
uma gente que nos diz, nos vai dizendo, mas cada vez mais essas vozes vão ficando numa espécie de limbo, de névoa, e a gente não as concretiza dentro da nossa cabeça, não acreditamos, no fundo, não acreditamos, não é?
00:42:11
Speaker
Não acreditamos, deixamos de acreditar.
00:42:13
Speaker
Deixamos de acreditar nas coisas.
00:42:16
Speaker
É urgente voltar a acreditar em alguma coisa.
00:42:18
Speaker
Mas precisamente por isso que tu estavas a dizer.
00:42:20
Speaker
Porque as pessoas deixaram de viver as relações.
00:42:23
Speaker
As pessoas deixaram de viver o amor.
00:42:25
Speaker
As pessoas... A resposta a isso é que está nas nossas mãos.
00:42:30
Speaker
De cada um.
00:42:31
Speaker
Mas de cada um na relação com o outro.
00:42:34
Speaker
E foi esta responsabilização que inundou toda a gente.
00:42:38
Speaker
E estamos numa superficialidade em que não somos responsáveis por nada.
00:42:41
Speaker
Porque é preciso ouvir a música até ao fim.
00:42:42
Speaker
Exatamente.
00:42:45
Speaker
É preciso.
00:42:51
Speaker
É muito importante este tipo de conversas, estas coisas onde a gente ainda, nesta luta desenfriada em que nós estamos, neste mundo cada vez mais de uma velocidade a que nós somos obrigados a viver.
00:43:07
Speaker
Chegámos aqui a correr às sete, estamos a fazer o programa a correr, veio a senhora do som a correr de outro lado.
00:43:14
Speaker
Estamos todos a correr, estamos todos a correr, sempre, constantemente a correr.
00:43:20
Speaker
Não é?
00:43:20
Speaker
E...
00:43:23
Speaker
mas agora parámos agora parámos um bocadinho estamos aqui a conversar, é bom e é bom arranjar espaço para isto é essencial é essencial arranjar espaço para dizer disparates para dizer coisas que eu devo ter dito aqui muitos disparates mas que são peço desculpa sou uma pessoa que não não pensa as coisas às vezes demasiado bem
00:43:53
Speaker
mas estou a dar-vos aquilo que é a minha sensação, as minhas sensações sobre as coisas, honestamente.
00:44:03
Speaker
a importância daquilo que disse há bocadinho, não é o lugar do amor como sítio onde acredita-se porque é importante para o outro, não é?
00:44:09
Speaker
Esse sítio que força por simples facto de ser importante para alguém.
00:44:12
Speaker
isso já é esse lugar de resgate.
00:44:14
Speaker
É, exatamente.
00:44:15
Speaker
Por oposição ao autocentramento e por oposição ao egoísmo mental.
00:44:20
Speaker
A autoreferência é sempre o amor.
00:44:22
Speaker
O amor.
00:44:23
Speaker
O amor.
00:44:24
Speaker
O amor.
00:44:25
Speaker
é porque sem amor nem sequer há depressão é isso que nós estávamos a dizer porque a depressão é otimista é muito subversivo isso que nós estamos a dizer e muito difícil às vezes de compreender mas sim a depressão é otimista sim Patrícia Ana Gnossian número 4
00:44:49
Speaker
É assim?
00:44:50
Speaker
É para ir juntos?
00:44:51
Speaker
Tem que ser.
00:44:52
Speaker
Temos que ouvir.
00:44:53
Speaker
Mas queres ouvir primeiro?
00:44:55
Speaker
Diz-me tu.
00:44:55
Speaker
Queres falar um bocadinho sobre ela antes ou depois?
00:44:57
Speaker
Ouvimos primeiro.
00:44:58
Speaker
Então vamos ouvir.
00:45:00
Speaker
Gnossian número 4.
00:48:06
Speaker
Patrícia?
00:48:08
Speaker
Olha Ana Teresa, a verdade é que esta foi a minha favorita de ontem.
00:48:13
Speaker
Nos outros dias não sei.
00:48:21
Speaker
Fiquei fascinada com uma data delas, mas esta tocou-me.
00:48:25
Speaker
Eu nem sei bem dizer porque.
00:48:27
Speaker
Quando a Ana Teresa me disse para pôr palavras aqui,
00:48:30
Speaker
e eu toquei nessa zona de vulnerabilidade que falavas no princípio mas acima de tudo o que me parece é que um lugar de profunda intimidade e esta música a mim transforma-me para esse lugar de uma intimidade que nunca se chega a tocar uma intimidade que existe remeteu-me para os filmes até disse a Ana Teresa P procurar para ver se um filme que eu gosto muito que é o Para Além das Nuvens que é do Antonioni exatamente
00:48:55
Speaker
Mas todos os filmes do António Anny tem um bocadinho isto, não é?
00:48:57
Speaker
São os encontros que nunca se chegam a dar, mas que existem sempre num sítio de contemplação, onde há uma intimidade profunda, não é?
00:49:03
Speaker
Parece que o toque não pode acontecer porque concretizando essa intimidade se exterminava para sempre.
00:49:08
Speaker
Está aqui qualquer coisa que me remete sempre para esse lugar, que a mim me faz companhia interna.
00:49:16
Speaker
Sim, sim.
00:49:17
Speaker
Ahm... Maria João.
00:49:21
Speaker
Esta questão, que eu acho que é uma coisa que é um bocadinho, que é muito tua.
00:49:27
Speaker
De até aos 10 anos teres vivido de uma forma e depois descobriste completamente outra forma de viver.
00:49:33
Speaker
Ahm... E que ainda agora estavas a dizer, continuo entusiasmada, com vontade de fazer coisas e vejo as pessoas à minha volta a afundar e a dizer merda, como tu disseste.
00:49:43
Speaker
Ahm...
00:49:47
Speaker
Tens-te desiludido com essa... Depois de descobrires a sensação de liberdade aos 10 anos, tens-te desiludido relativamente a isso mesmo?
00:50:00
Speaker
Olha, eu desiludi-me curiosamente, e agora vou dizer mais uma bomba, desiludi-me quando me apaixonei.
00:50:11
Speaker
Porque quando me apaixonei...
00:50:15
Speaker
Percebi, no dia em que isso me aconteceu, eu sempre fui muito apaixonada.
00:50:23
Speaker
Teve muitos namorados e sempre fui muito apaixonada.
00:50:26
Speaker
Mas quando encontrei o homem que vive comigo 34 anos, eu percebi, no dia em que eu o conheci, que tinha perdido grande parte da minha liberdade.
00:50:42
Speaker
Disse, isto vai ser...
00:50:44
Speaker
Isto vai ser outra coisa.
00:50:46
Speaker
A partir de agora a minha vida é outra coisa.
00:50:50
Speaker
Isto vai ser longo.
00:50:52
Speaker
Percebi logo.
00:50:53
Speaker
Isto vai ser duro.
00:50:54
Speaker
Parece que sou bruxa.
00:50:57
Speaker
Isto vai ser longo, isto vai ser duro.
00:51:00
Speaker
Implica construção, não é?
00:51:02
Speaker
Vai requerer aqui muito trabalho.
00:51:06
Speaker
e eu não vou sair disto, portanto eu vou ficar aqui vou ficar aqui, não tenho hipótese de sair portanto encontrei aquilo que é uma coisa se calhar rara na vida, não é?
00:51:18
Speaker
que é a tua cara metade daquela pessoa com quem tu decides passar o resto da tua vida e soube isso, embora tivesse sempre em aberta a possibilidade daquilo poder acabar o dia a seguir
00:51:34
Speaker
E percebi que isso também tinha que estar lá.
00:51:37
Speaker
Porque se isso não estivesse lá, aquilo não ia ser justo.
00:51:41
Speaker
Não ia ser uma coisa se calhar tão bonita como podia ser.
00:51:49
Speaker
Não é?
00:51:50
Speaker
Eu tinha a sensação, isto é difícil de explicar.
00:51:52
Speaker
Não está fabuloso.
00:51:53
Speaker
Está.
00:51:54
Speaker
Eu tinha a sensação de que a coisa ia ser longa, mas, ao mesmo tempo, sabia que tinha que trabalhar para isso.
00:52:01
Speaker
Uhum.
00:52:03
Speaker
Embora não fosse uma coisa de eu tenho de trabalhar para conseguir um amor, não era isso.
00:52:09
Speaker
Eu tenho de trabalhar no sentido de me encontrar com esta pessoa, porque esta pessoa é muito diferente de mim, porque esta pessoa é muito... é o oposto de mim.
00:52:21
Speaker
E eu tenho de encontrar aqui uma zona em que a gente consiga comunicar.
00:52:26
Speaker
Portanto, temos de fazer esse trabalho os dois.
00:52:29
Speaker
Para ele, terá sido igual, terá sido a mesma sensação.
00:52:34
Speaker
Agora, o que é um facto é que, efetivamente, nós fomos construindo uma vida.
00:52:39
Speaker
Portanto, eu... Para além de ter tentado atropelar uma ou duas vezes...
00:52:47
Speaker
Durante o processo, uma vez parti um Mercedes para o atropelar.
00:52:54
Speaker
Tivemos uma discussão no carro, ele saiu e ia passar por trás do carro e eu meti a marcha atrás e parti o carro contra o muro, para não deixar passar.
00:53:07
Speaker
para não deixar passar, não, para marcar a posição.
00:53:10
Speaker
Portanto, apesar de todas essas coisas que fazem parte de duas pessoas muito diferentes e pronto, mas se calhar um bocadinho longe demais, ok.
00:53:30
Speaker
mas todo esse processo de encontro deu-me três filhos portanto tenho três filhos deste homem deste homem que eu adoro e que continuarei sempre a adorar que é o Pedro Domingos e que me ensinou um outro lado da liberdade que me ensinou um outro lado das coisas
00:53:59
Speaker
Ensinou-me o lado raje, o lado... Portanto, eu venho ter com o Pedro, enquanto o Pedro estava cheia de sati e dos surrealistas e dessa gente toda.
00:54:16
Speaker
Quando chega ao do Pedro, o Pedro era Race Against the Machine, Helmut,
00:54:24
Speaker
primos, bandas que eu nunca tinha ouvido falar.
00:54:26
Speaker
Estás a ver de punk, de hardcore, eu sei lá.
00:54:32
Speaker
E eu também cheia de fricalhada no lombo.
00:54:36
Speaker
com muita fricalhada no lombo.
00:54:38
Speaker
Portanto, quando encontro o Pedro, aquilo que eu penso é, bora lá, vamos fazer uma banda.
00:54:43
Speaker
Bora, vamos fazer música.
00:54:45
Speaker
Bora lá.

Mudança de Carreira e Família

00:54:48
Speaker
E era atriz, na altura...
00:54:52
Speaker
tinha feito coisas com alguma qualidade, as pessoas me conheciam, e de repente corto com tudo, paro com a televisão, paro com tudo na altura, tudo, e dedico-me inteiramente a fazer punk rock.
00:55:08
Speaker
E faço durante alguns anos, até que engravido, do meu primeiro filho.
00:55:14
Speaker
Quando engravido do meu primeiro filho, disse, se calhar tenho que ir para a televisão agora, tenho que.
00:55:18
Speaker
Tem que dar de comer ao menino, não é?
00:55:20
Speaker
Temos que dar de comer ao menino, portanto, curiosamente, na mesma altura, isso está, tive sorte, não é?
00:55:27
Speaker
Tive um convite para fazer uma série, fiz a série, dei de comer ao menino.
00:55:32
Speaker
E depois tive outro menino.
00:55:34
Speaker
Logo a seguir era preciso continuar a dar a comer aos meninos.
00:55:36
Speaker
Mais uma série.
00:55:37
Speaker
Aos meninos.
00:55:38
Speaker
Mais uma série, mais uma novela, mais não sei o quê.
00:55:43
Speaker
Sempre fiz com muito prazer.
00:55:44
Speaker
Não me arrependo de nenhuma série ou novela ou filme que tenha feito.
00:55:51
Speaker
Sempre fiz com prazer.
00:55:52
Speaker
Sempre fiz entregando o máximo que eu podia, que eu conseguia.
00:56:02
Speaker
se calhar tenho alguma mágoa relativamente ao cinema, porque o cinema português era muito, na altura em que eu comecei, muito... Como é que eu ia te explicar?
00:56:17
Speaker
Um bocadinho de lobby, de...
00:56:21
Speaker
uns nichos de pessoas que circulavam naquela zona, algumas atrizes e atores da minha geração, mas que integravam ali um grupo de pessoas que estava ligada ao cinema.
00:56:37
Speaker
Portanto, era a malta do cinema, era outra coisa.
00:56:41
Speaker
E eram um bocadinho preconceituosos.
00:56:46
Speaker
relativamente à outra malta.
00:56:49
Speaker
Mas nós tivemos disso muito em Portugal.
00:56:51
Speaker
Tivemos isso, por exemplo, a relação entre os surrealistas e os neorealistas, que também era ela um bocadinho pretenciosa dos surrealistas.
00:57:02
Speaker
Achavam que o neorealismo era uma coisa menor, não davam valor à escrita neorealista, quando a escrita neorealista portuguesa foi extraordinária.
00:57:12
Speaker
Tivemos uma escrita neorealista extraordinária.
00:57:14
Speaker
Portanto, aqui uma gente...
00:57:16
Speaker
É uma dada altura que extravasa das suas intenções para coisas um bocadinho maliciosas.
00:57:35
Speaker
Como é que se diz?
00:57:36
Speaker
De lobbies.
00:57:37
Speaker
De lobbies.
00:57:38
Speaker
E que funcionaram muito nessa zona e que funcionaram até hoje.
00:57:45
Speaker
e que funcionam até hoje mas um bocadinho assentos num certo pertenciosismo num certo pertenciosismo mas é assim na vida sim vamos falar um bocadinho da minha música favorita do Sati que é a gnossian número 3
00:58:14
Speaker
E então eu vou fazer ao contrário, eu vou contar a história.
00:58:17
Speaker
E depois ouvimos.
00:58:18
Speaker
E depois ouvimos, tá?
00:58:19
Speaker
Ok.
00:58:20
Speaker
Isto porque quando tu me disseres de que querias o Satin, eu pensei, eu não posso acreditar que ela está a escolher isto.
00:58:27
Speaker
Em primeiro lugar, porque conhecesse a pretende de punk rock e pensei, a João vai aparecer com um disco de Pixies.
00:58:35
Speaker
mas depois e não é porque tu gostas de Pixies não é?
00:58:40
Speaker
e depois quando tu disseste o Satie eu nem queria acreditar porque esta sensação é relativamente recente e foi uma sensação que eu tive com o Satie
00:58:53
Speaker
com esta música que nós vamos ouvir e foi uma sensação única foi um sentir que eu nunca tinha sentido até aquele dia e que a partir daquele dia também nunca mais senti apesar de ter percebido, pronto, encontrei um lugar novo e agora está para sempre
00:59:12
Speaker
E posso revisitá-lo, mas também nunca mais senti.
00:59:15
Speaker
E eu acho que isto é um bocadinho a história daquilo que vocês as duas têm estado aqui a dizer, sobre a intimidade e sobre também o que é. E eu queria que ficassem com esta imagem.
00:59:26
Speaker
Porque era um dia à tarde, nublado, e chovia imenso fora.
00:59:33
Speaker
E eu estava com uma pessoa de quem gosto muito a trabalhar.
00:59:38
Speaker
Essa pessoa estava no meu sofá a ler.
00:59:42
Speaker
E eu estava na minha mesa, junto ao sofá, na sala, a escrever um ensaio qualquer.
00:59:50
Speaker
E resolvi pôr a banda sonora de um filme, que é o Elegia, Elegy, que é um remake, não é um remake disparado, é uma adaptação do Animal Moribundo, do Philip Roth, que é um livro que eu adoro, que é um escritor que eu admiro imenso.
01:00:09
Speaker
E gostei muito da banda sonora deste filme, que é uma história dele.
01:00:15
Speaker
E meti a banda sonora e de repente, quando está a passar a Gnócia 3, que no disco da banda sonora do Elegy,
01:00:30
Speaker
É de um tipo que eu fui ver o nome, que é o David Try Francis, ele é americano, então não é tocado aqui pelo nosso italiano, que hoje está aqui a tocar o Satie.
01:00:40
Speaker
E de repente, eu senti uma coisa que é, a propósito da inquietude que tu estavas a falar, que eu sei que tu tens, que és mesmo muito inquieta mais do que eu até.
01:00:49
Speaker
E sei que a Patrícia também é uma pessoa muito inquieta, e eu sou muito inquieta.
01:00:55
Speaker
Pela primeira vez, porque atenção, eu quando estou comigo mesma, como dizia a Patrícia ontem, consigo estar, mas a minha curiosidade não para.
01:01:09
Speaker
o mundo não para, eu estou comigo mesma mas o mundo não para, mas neste dia o mundo parou eu tive uma sensação de amparo interno tão grande, tão grande e foi uma sensação de o mundo pode parar que não me faz falta mais nada
01:01:30
Speaker
Eu nunca tinha sentido essa sensação.
01:01:33
Speaker
Que o mundo pode parar, que não precisas de mais nada.
01:01:36
Speaker
Pode ficar aqui, agora.
01:01:38
Speaker
Foi uma serenidade tão grande, tão grande, tão grande, que eu arrisco dizer que provavelmente teria sentido isto na barriga da minha mãe.
01:01:52
Speaker
Lindo, né?
01:01:56
Speaker
Que não tenho memória disso, não é?
01:01:58
Speaker
Mas houve qualquer coisa naquele dia e que eu hoje penso, eu devo ter sentido aquilo na barriga da minha mãe.
01:02:08
Speaker
E olha, Maria João, fiquei tão contente quando tu escolheste isto, porque eu pensei, eu vou poder dizer, contar a minha história, da sensação que eu tive.
01:02:18
Speaker
E então foi com esta, com a Gnossian número 3, que até hoje, este momento, sabes, é um tesouro que tu de repente encontras.
01:02:29
Speaker
Eu tinha um tesouro.
01:02:30
Speaker
E fica para a vida.
01:02:31
Speaker
Vamos ouvir-la?
01:02:33
Speaker
Sem dúvida, vamos sim.
01:06:57
Speaker
Desculpa, fiquei submersa ou imersa, não sei.
01:06:59
Speaker
Mas eu estava aqui a pensar no que tu disseste depois de ouvir isto neste espaço de suspensão.
01:07:06
Speaker
É isso que dizias, penso, não é?
01:07:08
Speaker
Na possibilidade de estar em suspensão, sem que isso seja um sítio de angústia, mas de permanência e de possibilidade.
01:07:14
Speaker
E também dizer que isto tudo me remete ou a qualquer coisa neste álbum inteiro que me remete para um sítio de mistério.
01:07:21
Speaker
Sítio esse que, de certa forma, a mim me uma certa esperança.
01:07:26
Speaker
Mas não sei, Maria João, o que é que lhe parece?
01:07:33
Speaker
Eu tenho sempre esperança.
01:07:34
Speaker
uma coisa que me acontece sempre quando acordo.
01:07:41
Speaker
que é uma sensação de esperança.
01:07:44
Speaker
Ou seja, vai estar sol,
01:07:48
Speaker
vou-me levantar pôr os pés no chão isto acontece-me ainda hoje sempre uma alegria quando acordo sempre uma coisa quando acordo que é promissora de possibilidade de... bora bora enfrentar os problemas bora falar com a pessoa que ficou magoada contigo ontem
01:08:15
Speaker
Sabes, bora conversar outra vez, bora pôr os pontos nos is bora resolver aquilo que ficou por resolver.
01:08:24
Speaker
Você também tem que pôr ontem para trazer amanhã, não é?
01:08:27
Speaker
Bora lá, bora tratar do dia ver o que os filhos precisam ver o que os filhos não precisam ver se estão bem se não têm gripes, constipações
01:08:47
Speaker
se não estão a fazer disparatos ou se os que estão a fazer são bons se os que estão a fazer são bons e uma coisa agora que me assusta eu quando era miúda e fazia as coisas que fazia pronto, os disparatos que fazia
01:09:13
Speaker
Havia uma... apesar de tudo... era mais fácil, não era tão difícil como é hoje para os jovens, acho eu.
01:09:25
Speaker
Os jovens hoje têm uma outra... têm outros...
01:09:30
Speaker
têm outras adversidades, têm esta história das redes sociais e tudo isto que os remete para um sítio onde não lidam verdadeiramente uns com os outros, onde não crescem, porque a gente cresce uns com os outros, crescemos a aprender uns com os outros, a aprender a falhar e a crescer, mas uns com os outros, olhar uns para os outros, porra!
01:09:58
Speaker
Olhar uns para os outros.
01:09:59
Speaker
Não é através do ecrã.
01:10:03
Speaker
Embora eu ache que um caminho no ecrã.
01:10:06
Speaker
um caminho no ecrã, mas que tem que ser ainda encontrado.
01:10:11
Speaker
Não está encontrado.
01:10:12
Speaker
Está encontrada ainda uma grande confusão.
01:10:15
Speaker
Portanto, aqui umas gerações que se vão perder nisto.
01:10:20
Speaker
Que se vão perder nisto.
01:10:22
Speaker
E que até isto ter o seu papel...
01:10:26
Speaker
e ser mais um adereço, não é?
01:10:30
Speaker
Vai levar aqui não sei quantos, é como a droga, vai levar aqui não sei quantos atrás, não é?
01:10:36
Speaker
Sim, percebe.
01:10:37
Speaker
Vai levar aqui não sei quantos atrás.
01:10:39
Speaker
E é uma gente que vai perder a capacidade de estar com os outros.
01:10:47
Speaker
e de aprender com os outros e de ver a natureza e de ver... A quantidade de mães e de pais que eu ouço às vezes a falarem da impossibilidade de tirar os filhos dos ecrãs e que têm filhos que ficam até às quatro, cinco da manhã agarrados aos ecrãs e que depois vão às nove da manhã para a escola.
01:11:09
Speaker
Bem que isto é possível.
01:11:10
Speaker
É pá, o pai e a mãe se calhar trabalham, são uns desgraçados que têm de trabalhar até às tantas da manhã.
01:11:15
Speaker
Isto normalmente, quem é que ataca mais?
01:11:18
Speaker
Os pobres.
01:11:22
Speaker
É sempre a mesma luta.
01:11:26
Speaker
Sempre a mesma luta.
01:11:29
Speaker
Embora isto seja um problema transversal, eu reconheço que a cena das netes, das redes sociais, dessas coisas todas, é um problema transversal.
01:11:39
Speaker
Das dependências, não é?
01:11:40
Speaker
Das dependências.
01:11:41
Speaker
É um problema transversal a todas as camadas da sociedade, porque é um facto.
01:11:45
Speaker
É que os pais que trabalham desde as sete da manhã até às nove da noite têm menos possibilidade de estar em casa com os meninos para lhes dizer que não podem estar tanto tempo nessa merda.
01:11:57
Speaker
está outra vez as classes.
01:11:59
Speaker
Sim.
01:12:02
Speaker
está outra vez as classes.
01:12:03
Speaker
Uma mãe que tem que entrar ao trabalho na fábrica às 8 da manhã, se calhar não consegue estar a ver se o menino às 8 da manhã está no ecrã do telemóvel ou não.
01:12:15
Speaker
É possível que não consiga porque está a apanhar o barco para a Amadora, está a apanhar o comboio para a Amadora.
01:12:21
Speaker
Ou vem da Amadora para Lisboa, ou vai não sei onde para não sei onde.
01:12:28
Speaker
Ou saiu para o campo no Alentejo.
01:12:30
Speaker
Ou saiu para o campo no Alentejo.
01:12:34
Speaker
Ou já... Não é?
01:12:35
Speaker
Portanto, há aqui sempre o mesmo problema das classes.

Luta de Classes e Amor

01:12:38
Speaker
está sempre o mesmo problema das classes.
01:12:41
Speaker
Esta é uma luta que...
01:12:45
Speaker
Não tem tempo.
01:12:48
Speaker
É sempre a mesma luta.
01:12:50
Speaker
Sempre, sempre, sempre.
01:12:51
Speaker
Os pobres, os remediados e os ricos.
01:12:56
Speaker
é sempre assim e quer se quer a quer não é que reside a resposta para aquilo tudo que nos está a acontecer sempre sempre sempre a luta de classes é aí que está a resposta para o estado do mundo exatamente haja amor para ver se isto vai mais longe não sei se é com o amor que vai mas que o amor não pode desaparecer
01:13:22
Speaker
Porque se desaparece, desaparece.
01:13:23
Speaker
desapareceu aqui.
01:13:24
Speaker
É aqui que está o desamor.
01:13:27
Speaker
Quando alguém se deita, quando alguém que é um dirigente de qualquer coisa, que é um político que nos representa, se deita de consciência tranquila, sabendo da fome,
01:13:41
Speaker
que no mundo, temos muitos amor.
01:13:44
Speaker
Por isso, haja amor para amparar isto tudo.
01:13:47
Speaker
Pois, haja amor para amparar isto tudo, sim.
01:13:49
Speaker
Acho que sim.
01:13:51
Speaker
E conversas boas.
01:13:52
Speaker
Haja amor.
01:13:53
Speaker
Haja amor.
01:13:54
Speaker
Maria João, muito obrigada.
01:13:57
Speaker
Foi um gosto.
01:14:00
Speaker
qualquer dia fazemos outro e vens outra vez falar de outras coisas vão sempre bater às mesmas vão sempre bater a isto que é o amor e a falta dele e eu queria te dizer uma coisa para fechar não sei se a Patrícia quer dizer alguma coisa vai ser do amor eu queria dizer uma coisa para fechar que me lembrei agora porque estava a pensar como é que me foi despedida Maria e depois lembrei-me de um momento muito marcante que tive contigo que acho que diz tudo
01:14:31
Speaker
E diz tudo porque agora este momento pode ressignificar aquele momento atrás.
01:14:37
Speaker
Eu conheci a Maria João em Ponte Sor, no Teatro da Terra.
01:14:41
Speaker
A Maria João gostou de mim, enviou-me no workshop e convidou-me para fazer uma peça.
01:14:46
Speaker
que ela ensinava e também participava como atriz e a dada altura dá-me um raspanete naquele momento em que ela pede a toda a gente para se sentar e para conversar e não sei o que e deu-me um raspanete e dizia ó sangue não sei o que, não sei o que, tens que fazer isto não sei o que, tens que ter atenção a isto não sei o que, ó sangue
01:15:07
Speaker
E a Maria João olha para mim, vem-me muito empávida e serei não ouvi-la, como se nada fosse comigo, mas eu estava a absorver aquilo tudo.
01:15:13
Speaker
E a dada altura diz-me assim, ó sanganha, olha que estou a falar para ti.
01:15:20
Speaker
Eu disse, eu sei, mas eu acho que isto não é pessoal, pois não.
01:15:24
Speaker
E ela aí, aí é que tu te enganas, porque é.
01:15:31
Speaker
E eu lembro-me de pensar assim, como duas coisas podem ser ao mesmo tempo.
01:15:39
Speaker
Isto é que é a liberdade.
01:15:42
Speaker
E agora, este mente aqui diz que isso é tudo verdade, não é?
01:15:46
Speaker
E ressignifica o que se passou atrás.
01:15:50
Speaker
Muito obrigada.
01:15:52
Speaker
Isto é pessoal mesmo.
01:15:53
Speaker
Muito obrigada.
01:15:55
Speaker
Isto é pessoal, é natureza.
01:15:58
Speaker
Muito obrigada e até à próxima.
01:16:01
Speaker
Até à próxima.
01:16:02
Speaker
Muito obrigada.
01:16:09
Speaker
3 Divãs, a psicanálise, o mundo e o rock'n'roll.