Introdução e Álbum de Gal Costa
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Speaker
3 Divãs, a Psicanálise, o Mundo e o Rock'n'Roll.
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Speaker
A convidada de três divãs só poderia ter escolhido quem escolheu para conversarmos.
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Speaker
As duas têm muito em comum.
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Speaker
A que está aqui, de carne e osso, sempre descreveu a do disco como a voz mais doce.
00:00:38
Speaker
Já eu, acho que a que está aqui, de carne e osso, não é de voz doce, até é acicatada,
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Speaker
Mas não há nada, nada que venha das suas mãos que não seja uma doçura.
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Speaker
O disco de hoje sabe a força e a alegria.
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Speaker
Começa com uma dança e acaba com uma afirmação.
Reflexão sobre Alegria e Força Materna
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Speaker
A afirmação do nome dela, a do disco.
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Speaker
Muito embora sejam estas, a alegria e a força, exatamente as características que mais lhe reconheço.
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Speaker
A de carne e osso que tenho aqui.
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Speaker
Não é por acaso que decidimos gravar hoje, Dia da Mãe, no Alentejo, atrasando assim um bocadinho a saída do podcast de Maio.
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Speaker
Uma, a do disco, diz que mãe não é quem pare, diz que mãe é amor.
00:01:36
Speaker
A outra, aqui, em carne e osso, é a personificação desse amor.
00:01:44
Speaker
A Inês Maria Menezes tem dito constantemente que as mães deveriam viver para sempre.
00:01:50
Speaker
E eu acrescento, e vivem, as mães não morrem.
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Speaker
Chamamos por elas uma vida inteira, ora em gritos, ora em silêncio, no lugar mais profundo.
00:02:04
Speaker
E o mais incrível é que, de facto, não morrem para o bem e para o mal da humanidade.
00:02:12
Speaker
A primeira e a última memória de que não nos lembramos é dela.
História de Vida de Maria Helena Cruz
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Speaker
A ti só tenho uma coisa para te dizer, mãe.
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Speaker
A doçura do teu veludo nunca mais desaparecerá.
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Speaker
Gal Costa e o seu Gal Tropical é a escolha de Maria Helena Cruz, a convidada do 3 divãs, hoje sem a Patrícia, que está com a mãe dela.
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Speaker
Hoje só comigo, Ana Teresa, a filha da mãe que está aqui ao meu lado, a minha.
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Speaker
Sejas bem-vinda Muito obrigada filha e obrigada pelo convite Obrigada eu Estás nervosa Estás nervosa, mas deve ser de estares ao pé de mim Não, filha Deve ser de estares ao pé de mim Olha, eu não te vou chamar Maria Helena, não é?
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Speaker
Eu vou te chamar mãe Claro Mas tu, para além de seres mãe, és muitas outras coisas Conta-nos lá um bocadinho quem é que tu és
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Speaker
Portanto, eu sou Maria Helena Cruz Tenho 71 anos Ai, já sou bem alta Já sou bem alta Sou uma pessoa alegre, por natureza, bem disposta Claro, tenho os meus dias e os meus momentos, não é?
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Speaker
Mas, normalmente, sou uma pessoa positiva Que consegue ultrapassar muita coisa Pelo menos tento
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Speaker
e mostrar boa disposição a quem está comigo, a quem me rodeia.
Significado do Dia das Mães
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Speaker
Pois é, isso toda a gente reconhece, porque ao pé de ti estamos sempre a rir, não é?
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Speaker
Portanto, a não ser eu que passei alguns momentos em que vi o teu lado mais furioso...
00:04:01
Speaker
As outras pessoas vêm sempre com um sorriso e com uma gargalhada.
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Speaker
Vou bem disposta, mas pronto, eu mantenho os meus dias.
00:04:11
Speaker
Dias mais cinzentos, mais tristes, mas pronto, consigo ultrapassar.
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Speaker
E pronto, estou contente com a vida que tenho Estou feliz Estou feliz com o marido que tenho, com a filha que tenho Com os meus sobrinhos, com os meus netos emprestados Pois é, os teus netos emprestados Me dão tanta alegria Sou uma pessoa feliz
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Speaker
Olha, diz-me uma coisa, porque hoje é dia da mãe, não é?
00:04:47
Speaker
E nós tínhamos... Isto já era para ter acontecido ano passado, mas depois não aconteceu, já não sei bem porquê.
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Speaker
Porque não houve hipótese de vir aqui ao Alentejo e isto era muito mais giro se fosse gravado mesmo no dia da mãe.
Amor Incondicional e Responsabilidades Maternas
00:04:58
Speaker
Foi por causa disso.
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Speaker
mas olha, eu gosto muito aqui desta frase da Gal Costa que tu escolheste e a gente já vai ao disco mas eu queria muito falar aqui disto porque eu acho que isto é importante porque é o dia da mãe e estamos aqui mais para conversar hoje um bocadinho sobre isso do que propriamente sobre o disco mas nós já vamos ao disco o disco é o pretexto para a conversa ela diz assim ela diz que portanto a Gal Costa não teve filhos
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Speaker
E adotou uma criança já há bastante, ela já tinha 62 anos quando adotou a criança que teve e tem, ela já morreu mas continua a ser o filho dela E ela diz que mãe não é quem pare, diz que mãe é amor, mas tu és amor e pariste Portanto, tu consegues explicar o que é para ti ser mãe?
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Speaker
O que é isto de ser mãe?
00:05:58
Speaker
É carinho, é amor, é orgulho.
00:06:08
Speaker
É a coisa melhor da vida.
00:06:10
Speaker
Achas mesmo que é a coisa melhor da vida?
00:06:12
Speaker
Acho o dia mais feliz da minha vida.
00:06:14
Speaker
Foi o dia que tu nasceste.
00:06:17
Speaker
E tu, mas diz-me uma coisa.
00:06:20
Speaker
Mas depois também há dias muito difíceis, não é?
00:06:23
Speaker
Porque eu acho que, por exemplo, hoje em dia, eu acho que é sempre um ato de coragem ter um filho.
00:06:33
Speaker
Acho que há pessoas que estão mais conscientes da coragem que têm e outras estão menos.
00:06:38
Speaker
Também acho que é um... Isto é para outra discussão.
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Speaker
Acho que ter um filho ou não o ter é sempre um ato egoísta.
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Speaker
Quer seja ter, quer seja não o ter.
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Speaker
Mas isto não é para aqui chamar a dor.
Ato de Cuidar e Nurturar como Mãe
00:06:56
Speaker
Tu estavas a dizer que é a melhor coisa do mundo e que foi o dia mais bonito ou que foi o dia que tu mais gostaste, mas também é uma grande responsabilidade Pois é, porque a partir daí, pronto, é uma preocupação constante E nunca mais há a sensação de, se calhar daquele descanso Descanso
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Speaker
É mais uma sensação que perdemos um bocadinho a liberdade Sim Porque temos um ser pequenino que depende de nós Constantemente Constantemente Sim Mas é tão bom Pois, mas eu, olha, eu agora no outro dia, como é que se chama?
00:07:41
Speaker
Eu agora não me lembro do nome dele Ah, pá, é aquele, opa, não me lembro do nome dele Mas é aquele rapaz que faz a porta dos fundos O Gregório, acho que era o Gregório que dizia isto Eu vi isto num reel dos...
00:07:53
Speaker
que ele dizia, alguém dizia, pá, eu acho que não é bom ser pai, ou não é bom não, não pode ser bom, porque vocês estão sempre a queixar-se, vocês estão sempre a queixar de tudo, e uma filha fez isto e uma filha fez aquilo, e ele disse uma coisa espetacular, porque ele disse que ser pai não, foi qualquer coisa deste género, é mais dar do que receber, portanto...
00:08:13
Speaker
aquilo que nós falamos muitas vezes até em psicanálise do amor incondicional, eu não acho que seja um amor incondicional, mas a gente já vai lá, mas a questão de dar sem esperar em troca, dar só porque sabemos que há um ser humano à nossa responsabilidade.
Admiração por Gal Costa
00:08:28
Speaker
Ele deu uma resposta muito boa, eu por acaso não consigo dizer à letra, mas ele diz, ser pai ou mãe, ser pais,
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Speaker
é dar sem esperar em troca porque se tem a responsabilidade uma pessoa que veio para o mundo e que se espera que cresça e temos que lhes dar tudo para que essa criança essa pessoa possa crescer e se calhar é um bocadinho isso que tu estavas a dizer que a partir daí há sempre esta obrigação sente-se a obrigação de dar e de fazer crescer
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Speaker
Mas olha, já começámos aqui com a história da mãe, mas eu queria pegar em ti, porque tu és mais do que mãe, não é?
Memórias Musicais e Viagens em Família
00:09:10
Speaker
E queria-te perguntar agora sobre ti, por isso vamos ao disco.
00:09:15
Speaker
Tu gostas muito da Gal Costa, não é?
00:09:18
Speaker
Adoro, aliás ela já faleceu, mas continuo sempre a ouvir quando posso, ali passam um pouco os discos dela Na rádio, reverte a rádio?
00:09:29
Speaker
Na rádio, pois é Passa um pouco, mas pronto, mas vou ao YouTube e eu sempre quero Diz uma coisa, porque é que tu gostas muito da Galcosta?
00:09:41
Speaker
Não sei, filha, porque achava com uma voz ternurenta, uma voz, um olhar meigo, uma pessoa que transparcia, calma, que dava uma certa calma às músicas dela.
00:10:03
Speaker
Deixam-te mais tranquila, ficas apaziguada com as músicas dela.
00:10:09
Speaker
Mas ela também era bastante revolucionária.
00:10:11
Speaker
Pois está bem, mas eu essa parte eu não conheço muito Não conhece tanto?
00:10:15
Speaker
Não, não, da vida dela, não Era mais ouvir os discos na rádio Lembro-me de ser, pronto, uma adolescente E a minha mãe levantava cedo, ligava o rádio E eu ouvia, e quando ouvia a voz dela Sentia-me bem, gostava...
00:10:40
Speaker
Sim, é isso, é uma voz que apazigua, que te deixa de um lugar bom, não é?
Significado Emocional da Música 'India'
00:10:48
Speaker
E tantas músicas mais alegres, porque é verdade, tantas músicas mais alegres como as mais tristes, ou as mais melancólicas, são bonitas.
00:10:57
Speaker
A voz dela é doce, era uma voz doce.
00:11:00
Speaker
Eu lembro-me, quando íamos para o Algarve, íamos sempre ouvir algo.
00:11:05
Speaker
Não era só Gal Costa, também era o Julio Iglesias, também era o Roberto Carlos.
00:11:10
Speaker
Aliás, essa canção índia, não sei se é dela, se é do Roberto Carlos, porque ele também a canta.
00:11:17
Speaker
Não há muita gente que canta a canção índia, mãe, que é a tua canção favorita, não é?
00:11:22
Speaker
Deste disco do Gal Tropical.
00:11:25
Speaker
A canção índia é uma canção que é um clássico sertanejo e portanto há muita gente que a canta Agora, eu também acho que a versão da Gal Costa é mais muita E para mim gosto muito da maneira dela a cantar E é uma canção muito difícil de cantar Então olha, vamos fazer assim, vamos ouvir a índia que é a tua canção favorita e já voltamos aqui a conversar um bocadinho E estes agudos, é?
00:11:55
Speaker
A voz dela é espetacular mesmo E é por isso que tu gostas tanto desta música, não é?
00:12:02
Speaker
Gosto muito, acho a voz dela maravilhosa Porquê que tu, quando nós conversámos sobre o que diz que é que tu querias, pensaste logo na Índia?
00:12:10
Speaker
Porque, pronto, não sei Porque gosto, porque ouvi muita vez, continuo a ouvir E gosto muito da Gal Costa
00:12:22
Speaker
E traz-me recordações boas Olha, mas eu estava aqui Porque é dia da mãe E eu sabia que tu tinhas escolhido o Índia Só porque sim Que é uma forma de escolher e que é boa Porque gostas muito da melodia
00:12:39
Speaker
Mas, mãe, olha aqui, esta parte em que ela diz assim, quando eu for embora, para bem distante, e chegar a hora de dizer-te adeus, fico nos meus braços só mais um instante, deixo os meus lábios se unirem aos teus, Índia, levarei saudade da felicidade que você me deu, Índia, a tua imagem sempre comigo vai, dentro do meu coração todo o meu Paraguai.
00:13:05
Speaker
Que é o refrão, não é?
Impacto da Perda de uma Mãe
00:13:08
Speaker
Claro que ela se está a referir à Índia, mas nós podemos, se nós pensarmos nas mães ou nas filhas, é a mesma coisa, não é?
00:13:16
Speaker
Nós podemos dizer isto de uma mãe, portanto, pode ser a mãe que está a dizer quando eu for embora para bem distante e chegar a hora de dizer-te a Deus fica nos meus braços, pode ser a mãe ou pode ser a filha.
00:13:26
Speaker
Assim é a dizer a mãe.
00:13:27
Speaker
Exatamente, e eu fiquei a pensar ainda há bocado mesmo, antes de começar a gravar, a ouvir esta canção outra vez e pensei, ah, aqui está uma boa ode às mães e às filhas.
00:13:38
Speaker
Diz-me uma coisa, e perder uma mãe é terrível, não é?
00:13:43
Speaker
Ah filha, isso para mim foi das piores coisas que... Que te aconteceu.
00:13:51
Speaker
Me aconteceu, foi perder a minha mãe.
Valores e Lições Herdadas
00:13:54
Speaker
Eras muito nova Era muito nova Era muito ligada à minha mãe Foi uma parte de mim que foi com ela Sim Naquela altura Sim Porque a minha mãe era uma pessoa muito meiga, muito carinhosa Conversava muito comigo
00:14:21
Speaker
Perdão E pronto, e faz-me falta Até hoje Eu sinto a falar, não há dia, nenhum, nenhum Que eu não me lembro dela Mas pensa uma coisa Da mesma maneira que sentiste que há uma parte tua que partiu com ela Também sentes que há muita coisa dela em ti
00:14:45
Speaker
Que tu aprendeste e que sentes que está Sim, aprendi muito com ela Passou-me muitos valores Muitos valores E por isso?
00:14:55
Speaker
E que eu tento e lembro-me muito os conselhos que ela me dava E aliás, são conselhos que eu também passei a ti Transmiti a ti
00:15:07
Speaker
E ensinou-me muita coisa, pronto, e era uma pessoa que gostava que eu lesse, que eu estudasse, que eu aprendesse tudo, a fazer tudo.
00:15:25
Speaker
Estimulava Muito, e depois era uma pessoa que se eu fizesse alguma coisa mal Ela não repreendia, ela não criticava Ela tentava, fizeste agora, calhou mal, para a próxima calha melhor Então incentivava sempre a mulher Era, sempre, sempre, sempre
00:15:49
Speaker
Não recriminava, não ficava ali a bater na tecla Como muita gente fica Era uma pessoa muito inteligente Era uma pessoa Ela só tinha a quarta classe Tirada depois de adulta Porque tirou a terceira classe E adoeceu na altura E o médico O médico conceituado Que estava cá em Ponte Sur Que era o doutor Pires Que era o dono do colégio
00:16:18
Speaker
Disse para a minha avó que ela não podia continuar a estudar porque tinha um problema grave de coração, não se podia cansar, tinha que ter repouso absoluto e ela saiu da escola.
00:16:32
Speaker
Naquela altura faziam o exame da terceira classe, ela fez o exame e saiu.
00:16:38
Speaker
E pronto, e lá esteve...
00:16:41
Speaker
A camada ainda há algum tempo para se restabelecer Mas não estudava, mas lia Às escondidas da avó Tinha debaixo da cama uma caixa enorme com livros Depois a avó, a mãe dela, não é?
00:16:59
Speaker
Minha avó, saía e ela aproveitava todos os pedidos para ler Ela adorava ler
00:17:06
Speaker
E naquela altura era tudo muito difícil, as pessoas não tinham possibilidades económicas como tem ela, não tinham livros, não tinham dinheiro para os comprar.
00:17:18
Speaker
Sim, ela não tinha mesmo, não é?
Influência Literária na Infância
00:17:20
Speaker
E lembro-me dela recortar dos jornais romances que
00:17:30
Speaker
Depois ia a pouco e pouco Juntando E tinha dois ou três romances Guardados, completos Doctalhos dos jornais Mas eu também me lembro Porque via nos teus livros Que ela também leu muitos clássicos Porque tu também os tens E também os leste Havia uma coleção naquela altura Que já era uma literatura um bocadinho melhor Que era a coleção
00:17:58
Speaker
Ai, a ver se eu me lembro agora o nome Era a coleção Azula, pronto Chamava-lhe da Madame Dely Tinha vários romances Eu ainda os tenho, portanto E depois havia outra literatura barata Aqueles romancezinhos Que ela adorava Adorava ler E que eu... E depois passou-me esse vício também para mim Porque eu também Quando era mais miúda era o que eu lia Também era os livros que ela tinha Era o que eu lia
00:18:26
Speaker
E depois toda a gente lida Desde os grandes intelectuais Até aos menos intelectuais Toda a gente sabe o que é a corintelada E eu lembro-me toda a gente de comprarmos livros E os livros
Experiências de Infância e Influências Culturais
00:18:40
Speaker
da coleção da corintelada lá em casa Havia alguns, ainda havia alguns
00:18:44
Speaker
Tenho uma caixa cheia Que era onde há a avó E que depois há alguns que eu também comprei E que eram grandes dramas E grandes histórias Já nem me lembro assim muito bem das histórias Qualquer dia tenho que ler um
00:18:59
Speaker
Para te rir Para ver Mas a avó gostava muito de ler Gostava muito de cinema Ela e o avó Iam ao cinema Todos os domingos Tinham marcação no cinema Todos os domingos E aqueles grandes clássicos do cinema
00:19:20
Speaker
Do cinema, o Monte dos Vendavais Diz lá O Monte dos Vendavais O livro que eu tenho é a tua primeira edição O Monte dos Vendavais É aquele filme tão conhecido Que dá muita vez O Dr. Givago Mas esse já foi mais recente
00:19:40
Speaker
Música no Coração E tudo o vento levou Outro que era a Rebeca Também um filme muito bom Mas eu também tenho a memória da tua gargalhada Quando foste ver E tudo o vento levou ao monumental E que não houve intervalo
00:20:02
Speaker
Foram quatro horas de filme E que tu estavas à espera De poder descansar um bocadinho E que não fizeram um intervalo no filme Quatro horas, não foi três ou quatro?
00:20:13
Speaker
Eu não sei, não era nascida Quando tu é que contas essa história Muitas vezes teres ido toda contente para o meu momento Ao ver o... Três ou quatro horas
00:20:21
Speaker
O Monte dos Vendavais Ai desculpa, não é o Monte dos Vendavais O E tudo o vento levou E não haver um intervalo E eu lembro Portanto a memória que eu tenho É de tu a rir-te Portanto a memória que eu fiquei Do vento, ai que está a atrapalhar Toda a memória que eu tenho Do E tudo o vento levou É uma gargalhada tua A dizer que foste ao monumental e que não houve intervalo E que já estava tudo saturado Não, de fato
00:20:49
Speaker
O filme foi muito bom Já não tinha posição E as cadeiras eram confortáveis Porque nessa altura Aqui em Ponte Sour O nosso cinema era cadeiras De madeira E aquelas lá já eram cadeiras almofadadas Que já tínhamos um certo conforto Não era como aqui Olha, mas agora por estarmos a falar da avó
00:21:18
Speaker
e das coisas que tu apreciavas na avó e que na realidade, portanto, morreu nova, tu eras muito nova e tiveste
Jornada de Vida como Cuidadora
00:21:28
Speaker
Isto remete um bocadinho para aquilo que eu também queria conversar hoje.
00:21:32
Speaker
Que é o facto, porque hoje dá para falar de muitas coisas, não é?
00:21:35
Speaker
Dá para falar das mães, dá para falar, mas que é esta coisa do cuidado, porque tu depois, além de teres cuidado da tua mãe, até a perderes, não é?
00:21:45
Speaker
A perderes da forma como foi.
00:21:48
Speaker
Tu tens cuidado da vida toda de pessoas, mãe.
00:21:51
Speaker
E por isso, eu ainda há bocado, antes de começarmos a gravar, até estávamos a falar na tua profissão, que tu às vezes dizes doméstica.
00:21:57
Speaker
Eu não gosto da palavra doméstica, confesso, porque tu fazes muito mais coisas para além de tratares, de cuidares da casa, que tu cuidas de nós todos, constantemente.
00:22:07
Speaker
E é o que tu tens feito a vida toda Eu acho que as domésticas são um bocadinho de tudo As domésticas além de faxineiras e de cozinheiras Pois, mas é isso São educadoras, são enfermeiras São médicas Tens toda a razão São cabeleireiras
00:22:34
Speaker
São tudo Lembras-te quando eu te fazia os totos?
00:22:40
Speaker
Tu tinhas o cabelo com a da Gal Costa?
00:22:46
Speaker
E na altura que eu te puxava o cabelo todo e que te fazia as totós, lembro-me da Patrícia, uma vez querer a cabeça toda, toda cheia de totós, e eu fiz-lhe aquele penteado todo.
00:23:00
Speaker
Por isso as domésticas têm um bocadinho de tudo.
00:23:05
Speaker
Pois, mas por isso é que eu não gosto tanto do nome, porque acho que o nome reduz a pessoa a muito menos do que aquilo que ela é. Mas tu, para além... Mas atenção, há pessoas que estão em casa e que cuidam da casa e que cuidam da família...
Expectativas Sociais e Independência Financeira
00:23:19
Speaker
Mas não têm que cuidar da forma como tu cuidaste E haverá muita gente na tua posição Que é tu na realidade Infelizmente Ou felizmente porque eu acho que tu gostas de ser Aquilo que és como és Tu tens cuidado de muitas pessoas doentes Desde muito nova Lá está E tu tens sido uma cuidadora constante Ora adoece um, depois adoece outro E tu tens passado uma vida inteira Eu casei muito nova Tinha 19 anos
00:23:47
Speaker
E eu estava empregada Num escritório Numa empresa de automóveis Eu estava empregada E eu saí para casar Porque naquela altura Pois
00:24:04
Speaker
Era em casa, as donas tinham que ser donas de casa, casava, os maridos não queriam, o teu pai também não queria e eu estava em casa.
00:24:13
Speaker
Entretanto, chegou uma certa altura que eu já me ria, porque como eu estava em casa, fazia...
00:24:21
Speaker
A minha lida toda da casa E tinha tempo disponível, não é?
00:24:25
Speaker
Depois era o bombeiro da família Pois Ia ao médico Pescar medicamentos para a avó Ficava com as primas Porque a tia ia trabalhar Ia à casa da avó Ajudava a avó Ia à casa da minha sogra Ajudava a minha sogra E levava assim O tempo
00:24:51
Speaker
Mas depois, eu também me aborrecia.
00:24:55
Speaker
Apesar de ter a ti, mas tu eras uma criança que estavas muito bem educadinha, nesse aspecto, não desarrumavas, não sujavas.
00:25:08
Speaker
Tinhas sempre, quando eras mais pequenina, não, não é?
00:25:11
Speaker
Pois, eu estava a dizer isso, eu estava a pensar.
00:25:15
Speaker
Eu arrumava, eu desarrumava, mas arrumava a seguir, porque eu lembro Não, e depois mais velhinha, já me refiro aos 10, 11 anos O teu quartinho era todo arrumado por ti, as gavetas Tinhas sempre tudo com muita caixinha, muita caixinha, muita coisinha, muita coisinha Mas estava sempre tudo aconchegadinho Mas eu agora perdi-me
00:25:40
Speaker
Não, estavas a dizer que andavas sempre a socorrer E que também já te aborrecias E então eu comecei a fazer Tu andavas na escola, na altura E eu comecei a fazer os teus bolos de aniversário Que eu gostava Entretanto nasce a Patrícia E eu continuo a fazer os bolos da Patrícia
00:26:06
Speaker
para os anos dela e as colegas da tua madrinha começaram a gostar, a gostar dos bolos e pronto, e eu comecei a me entusiasmar
00:26:18
Speaker
Ia fazer bolos e doces maravilhosos.
00:26:21
Speaker
Aliás, tu cozinhas muito bem, não são só os bolos.
00:26:25
Speaker
Claro que a doçura, a que eu me referi na introdução, tem a ver com a doçura de tudo o que tu fazes, seja doce ou salgado, é tudo muito bom.
00:26:33
Speaker
E aí sentiste-te melhor, porque além de teres uma coisa que adoravas fazer...
00:26:40
Speaker
Claro, também ganhava Tinha a independência financeira Começaste a ter a tua Tinhas a tua independência financeira E toda a gente adorava as tuas coisas Tive sorte, não havia internet Se houvesse, se calhar não teria essa sorte Que a internet ensina tudo E eu tudo o que sabia era à minha custa Era aprender experiências De que estragava também muita coisinha Mas pronto
00:27:09
Speaker
Tu estragavas, tu te agravava família grande, andava toda a gente de volta a ti, havia sempre uma criança ou um adulto, uma criança ou um adulto, uma criança grande que iam buscar tudo o que sobrava.
Importância da Empatia e Julgamento
00:27:23
Speaker
Mas olha, é engraçado, tu agora disseste aí uma coisa...
00:27:28
Speaker
E eu às vezes já tenho dito isto também a propósito... Olha, a propósito de nós não julgarmos as pessoas de uma forma muito rígida.
00:27:39
Speaker
Que é, primeiro, é o pensarmos bem antes de julgar, não é?
00:27:45
Speaker
Porque nós todos, uns mais, outros menos, fazemos julgamentos.
00:27:48
Speaker
Às vezes nem nos apercebemos que o estamos a fazer.
00:27:50
Speaker
Mas, filha, a pessoa julgar para nós...
00:27:54
Speaker
É uma coisa Comentar é outra Penso eu Não sei se estou certa Na minha maneira de pensar Eu penso Mas estou incapaz de Sim, às vezes de verbalizar Mas mesmo quando nós julgamos Porque nós todos temos tendência a julgar
00:28:14
Speaker
É uma coisa que é-nos um bocadinho intrínseca, não é?
00:28:17
Speaker
Porque os outros existem e os outros fazem com que nós sintamos coisas e às vezes estamos mesmo a julgar e às vezes estamos mais a falar de nós do que dos outros quando estamos a julgar, não é?
Impacto dos Professores na Vida de Estudantes
00:28:29
Speaker
Mas filha, aí está um conselho que eu te dei e que a avó me dava a mim que é um ditado antigo
00:28:41
Speaker
Quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro.
00:28:48
Speaker
E nós não podemos julgar pelas aparências.
00:28:51
Speaker
Nunca, nunca, nunca.
00:28:53
Speaker
Mas, olha, nem pelas aparências e mesmo às vezes quando não é aparência.
00:28:57
Speaker
Ou seja, mesmo quando uma pessoa... Não temos direito de julgar ninguém.
00:29:01
Speaker
Pronto, quando uma pessoa às vezes até te conta a vida...
00:29:07
Speaker
Até mesmo quando uma pessoa, que não é pela aparência, às vezes há julgamentos que nós fazemos, até dos nossos amigos, de pessoas conhecidas nossas, que nos contam a vida delas, que sabemos as circunstâncias de vida e que às vezes estão a passar por adversidades e nós...
00:29:22
Speaker
Sem querer às vezes até julgamos Eu não estou a dizer que tu fazes o que eu faço Eu estou a fazer de uma forma geral Porque nós até nem temos... Todos erramos e todos não há ninguém que não erre Que não faça um comentário Às vezes nem é um comentário, pode ser só um juízo de valor Até mesmo para si mesmo Mas isto, que pegando no que eu queria dizer Que disseste agora aí a tua opinião Mas eu queria pegar nisto por este motivo
00:29:48
Speaker
porque eu nas conversas que tenho com as minhas amigas e até mesmo no trabalho há um exemplo do pai que eu dou sempre em relação a isto e às vezes a rigidez com que nós criticamos as coisas é que isto tu estavas a dizer o pai não quis que tu trabalhasses quando se casou contigo
00:30:08
Speaker
E tu acabaste por deixar o teu emprego Aliás, tu não pudeste estudar até mais tarde Já por uma questão também que é económica Ou foi também pelo casamento?
00:30:18
Speaker
Não, não, é naquela altura Pronto, eu era gaiata
00:30:24
Speaker
Aborrecia-me, também não era muito trabalhadora como tu és Nesse aspecto, sejas mais o teu pai E depois eu também tive uma infância na parte da escola Eu não gostava da professora e a professora não gostava de mim E eu tinha muito medo de ir para a escola Mas tu tiveste uma péssima professora Pois
00:30:50
Speaker
Que me traumatizou mesmo Todos os dias Eu ficava mal disposta Antes de ir para a escola Não era uma criança Que fosse como agora Todas as crianças Sim, porque quando nós falamos agora Os miúdos hoje em dia não têm Essa parte podem ter outros problemas Mas essa parte
00:31:11
Speaker
Não tem, porque a tua professora foi uma má professora, aliás, batia-se, portanto tu levaste-se.
00:31:17
Speaker
Eu já lhe perdoei.
00:31:19
Speaker
Tu já lhe perdoaste, mas ela bateu-te, bateu-te muitas vezes.
00:31:23
Speaker
E houve uma coisa, e às vezes não se fala muito nisso, quer dizer, toda a gente sabe, até determinada idade, sabe os traumas que teve com os professores, mas olha...
00:31:32
Speaker
Nos divãs, no consultório, nós ouvimos muitas histórias de pessoas da tua idade e mais novas do que tu, porque a própria minha professora bateu-me.
00:31:40
Speaker
Minha professora bateu-me muitas vezes também.
00:31:42
Speaker
E nos dar um estal na cara é diferente do que ela fez.
00:31:48
Speaker
Com uma régua grossa e ali reguadas.
00:31:51
Speaker
E às vezes sem pessoa saber porquê.
00:31:55
Speaker
Uma vez atrasei-me um bocadinho e entrei na escola, ela chamou-me logo ao quadro e deu-me três reguadas no inverno com as mãos geladas.
00:32:06
Speaker
Aqueceram com as reguadas geladas.
00:32:10
Speaker
Ficaste logo quentinha Mas talvez daí eu depois não gostasse muito de estudar E naquela altura o colégio era particular As possibilidades também não eram muitas Era um sacrifício que os meus pais faziam, grande E pronto, ali desisti Já me arrependi muito a vida toda
00:32:35
Speaker
De teres deixado de estar, mas já viste, mas pegando nisso, olha, vamos pegar em duas coisas, vamos pegar nas professoras e vamos pegar no pai, então, porque de facto, repara, a forma como a tua professora te tratou
00:32:51
Speaker
Podia-te ter, aliás, condenou-te uma parte tua para sempre, tanto a nível emocional como mesmo o teu percurso, porque tu desinteressaste-te da escola.
00:33:01
Speaker
Portanto, isto eu acho que é uma coisa que é importante, porque às vezes não se fala tanto nisto, não é?
00:33:08
Speaker
E até mesmo os professores estão com os alunos e muitos...
00:33:14
Speaker
Porque generaliza-se muito esta coisa que os pais é que têm que educar e não, os professores também educam, não são só os pais, os professores ensinam, mas tudo o que se passa na escola também interfere no desenvolvimento emocional daquela pessoa.
00:33:26
Speaker
Dentro da escola, não é?
00:33:28
Speaker
Porque em casa os pais têm obrigação de se educar de maneira assim de escorrer.
00:33:33
Speaker
Obviamente, mas os professores têm responsabilidade sobre o desenvolvimento emocional das crianças, é isto?
Normas Sociais e Papéis de Gênero
00:33:41
Speaker
Pois, pois, pois E muitas vezes os professores não têm essa, quer dizer, hoje em dia têm essa noção, nessa altura, quer dizer, isso era tão cruel que essa pessoa, não, mas essa pessoa era má, essa pessoa nem sequer se preocupava com o que ia ser o teu futuro ou não, mas pelo contrário
00:33:57
Speaker
Essa pessoa teria que... teria... com certeza mais vontade de te aniquilar do que de te dar outra coisa qualquer.
00:34:12
Speaker
Oh mãe, o facto dela não ser mãe não faz dela má, atenção.
00:34:20
Speaker
Para já não era mãe, nós ívamos à empatia, não é?
00:34:23
Speaker
Não é preciso ser mãe Não, filha, aí poderia ser de uma revolta aquela Ah, isso aí sim, aí sim percebo Aí sim percebo, aí sim percebo, estou a perceber o que tu estás a dizer Sim, aí sim, sim Quem conhecia a vida dela, o passado dela e...
00:34:40
Speaker
depois não era aí com essa idade de 6, 7 anos que eu ia ver isso eu depois reconheci mais tarde é que tu percebeste e a forma como ela foi provavelmente tratada mas pronto, esquecendo a história da tua professora põe isto só aqui na atualidade porque acho que são histórias importantes e que marcaram muitas pessoas e às vezes não se fala tanto nisso mas isto até é para falar porque eu ainda não disse aquilo que tinha vontade de dizer que temos estado aqui à volta das coisas que é
00:35:10
Speaker
O mesmo homem que te disse a ti que tu não deverias, que deverias sair do trabalho e ir para casa, cuidar da casa, foi o mesmo homem que me disse a mim, estuda e tira um curso porque tu nunca podes depender de um homem.
00:35:28
Speaker
Mas filha, para uma coisa, mas naquela altura era assim Mas por isso eu te estava a dizer, quando nós às vezes estamos a julgar as pessoas pelo machismo, pela uma série de coisas, não é?
00:35:42
Speaker
Porque aquilo que o pai teve contigo foi uma atitude machista Não, porque propriamente nem foi ele que impôs
00:35:51
Speaker
Mas, tudo bem, tudo bem, mas isto... Já fazia parte das raparigas ficarem em casa, aprenderem as coisas de casa e depois... Era uma coisa que não se pensava e esse assim naturalmente, não era?
00:36:04
Speaker
E esse assim naturalmente nem paravam bem para pensar.
00:36:07
Speaker
Mas se tu tiveres que classificar essa atitude, é uma atitude machista, porque é uma atitude de vais tratar de mim, vais ficar dependente de mim e portanto eu vou ter algum poder sobre ti de certa forma e eu vou continuar a trabalhar, mas tu vais ficar privada de ter uma vida profissional, vais deixar a tua profissão para estar aqui.
00:36:34
Speaker
ou seja, o que eu acho interessante aqui é que a mesma pessoa que faz isto, lá está é a mesma pessoa que me diz a mim exatamente o oposto tu tens que estudar e tens que trabalhar e tens que estudar porque tu nunca podes depender de um homem portanto, isto
00:36:52
Speaker
relativamente àquilo que eu estava a dizer que às vezes também somos muito rígidos com os julgamentos que fazemos dos outros ou seja, às vezes a mesma pessoa que pode ter um julgamento que pode ter tido até uma atitude machista pode ter muitas outras que não são é neste sentido, ou seja eu gosto de tocar nisto porque eu acho que o ser humano pode ser muitas coisas e acho que o ser humano pode ser pode cometer erros
00:37:21
Speaker
que pode ou não ter mais consciência deles e pode também ter boas atitudes e nem sempre.
00:37:30
Speaker
E a mesma pessoa pode fazer duas coisas que são completamente dispares e que são antítese uma da outra sem que...
Desafios e Alegria no Cuidado Familiar
00:37:42
Speaker
Sem que a possamos pôr numa só gaveta Estás a perceber?
00:37:46
Speaker
E eu acho que em relação ao pai Foi muito interessante É uma história que eu gosto de contar Porque eu costumo ver a mesma pessoa que tirou a minha mãe do emprego E que diz, vãs para casa e tens que cuidar da casa Naquela altura, filha, ele não me tirou do emprego Porque eu saí porque quis Eu saí Nem ele nunca me disse Vais deixar Eu lembro-me de
00:38:08
Speaker
ser suspensa no trabalho, que o trabalho era pouco, e os patrões suspenderam-me a mim e a uma colega minha, e depois estive em casa um tempo, não é?
00:38:20
Speaker
E voltaram a chamar-me, e eu nessa altura já não fui.
00:38:24
Speaker
Porque estava, casava, dentro de pouco tempo.
00:38:27
Speaker
Era uma coisa natural.
00:38:30
Speaker
O teu pai aí não foi questão dele não querer.
00:38:35
Speaker
Depois é que eu não apanhei trabalho nenhum, nem me esforcei para isso, nem ele...
00:38:41
Speaker
Mas de qualquer forma, acho que ele ao longo da vida fez a reflexão de que tu tens que estudar para não dependeres de um homem e foi um dos grandes conselhos que eu recebi.
00:38:50
Speaker
Repara, o teu pai foi sempre uma pessoa que valorizou muitas mulheres.
00:38:56
Speaker
Valorizou sempre As mulheres No trabalho que elas faziam Em casa Valorizou sempre Nunca Porque quantos homens Estão em casa e não fazem nada E muitas vezes Certas mulheres Quando perguntavam Então o que é que faz
00:39:18
Speaker
Para mim, como não tinha emprego Muitas mulheres Estou em casa, não faço nada Contra elas falavam Estou em casa, não faço nada Não, fazes tudo o dia todo E nunca se para Mas
00:39:37
Speaker
Pronto, eu depois gostava daquilo que fazia e depois tinha os avócios, os teus primos, que eram pequenos, que acabei por... Que faziam companhia a toda hora.
00:39:49
Speaker
Porque me ajudaram também a passar o tempo e...
00:39:55
Speaker
E agora são os outros Claro, mas lá está E também nisto, portanto, foste sempre cuidadora Nesse aspecto Mas também cuidaste muitas pessoas doentes E acho que isso desgasta muito E há muitas pessoas como tu A cuidarem de pessoas E às vezes fala-se pouco Quer dizer, não é?
00:40:16
Speaker
Às vezes fala-se pouco Isto é uma forma de dizer Às vezes fala-se, outras vezes não se fala Mas acho que os cuidadores são pessoas Não se percebem, muitas vezes
00:40:25
Speaker
Não se apercebem Do que mãe?
00:40:29
Speaker
Porque a pessoa que trata Claro, não sofre a dor Que a doente está a sofrer Mas sofre muito Mas sofre muito Claro
00:40:42
Speaker
Nem me refiro só ao trabalho Ao esforço Ao próprio acompanhamento da doença Da pessoa A ver a pessoa ali a sofrer Dia a dia O tempo a passar, a pessoa não melhorar É pesada, é muito pesada E pronto, isso para mim foi o
00:40:59
Speaker
Tens passado a vida a cuidar de pessoas que adoecem.
00:41:03
Speaker
Pois foi o meu sogro, o avô Rafael, depois a seguir a avó Fernanda, depois o pai, juntou o pai com o avô Maurício.
00:41:15
Speaker
Agora, a tia, pronto, e tem sido muita gente doente à tua volta e tu consegues manter a tua boa disposição e as tuas gargalhadas sempre.
00:41:24
Speaker
Portanto, e eu acho que isto é importante é perceber que há pessoas que passam uma vida inteira a cuidar das outras e que é de facto uma coisa muito pesada e difícil.
00:41:35
Speaker
E que há muitas pessoas no país e no mundo a fazerem aquilo que tu fazes.
00:41:40
Speaker
Claro que cada um à sua forma, com a sua personalidade, com as suas características, mas tens passado o tempo a cuidar de pessoas e no fundo a conseguires manter a tua sanidade mental.
00:41:56
Speaker
Que é uma coisa que toda a gente quer dizer.
00:41:59
Speaker
Tu tens os teus mentes, não é?
00:42:03
Speaker
Às vezes vamos dar contigo a cantar ópera sozinha Que é uma boa, que é ótima Isso é uma maneira de desanuviar Isso é saúde Já não canto Isso é saúde Para os miúdos, brincadeira Isso é saúde Olha, estavas aí a dizer que te arrependeste de De não ter depois continuado a estudar, continuado a trabalhar
00:42:28
Speaker
Mas lá está, nós vemos-te a fazer aquilo que tu fazes com gosto.
00:42:34
Speaker
Eu gosto dos trabalhos de casa.
00:42:39
Speaker
Tudo aquilo que eu faço, eu faço com prazer, gosto.
00:42:42
Speaker
E quando estou mais embaixo, agora como agora andei aí tão...
00:42:47
Speaker
Partiste uma perna, mas já estás boa, não é?
00:42:49
Speaker
Parti, mas não foi a perna que me deu preocupação, filha, foram os comprimidos que eu tomei que te fizeram mal, sim.
00:42:57
Speaker
Que me fizeram mal e as coisas sucederam, tudo relacionado com o mesmo, sem eu me aperceber.
00:43:05
Speaker
Olha, então nós já vamos continuar para pararmos com as doenças, não é?
00:43:10
Speaker
Vamos ouvir a minha música favorita do disco da Galo Que é... Ai, que eu já estava aqui a pô-la há anos de passar Que é A Força Estranha, está bem?
00:43:23
Speaker
Vamos ouvir e já voltamos a conversar Espetacular, não é?
00:43:31
Speaker
Também gostas desta, não é?
00:43:32
Speaker
Muito, eu gosto de todas.
00:43:35
Speaker
Por isso uma força me leva a cantar, por isso essa força estranha, por isso é que eu canto, não posso parar, por isso essa voz, essa voz, essa voz também.
00:43:43
Speaker
Isto é a vida, não é?
00:43:45
Speaker
É a vida dentro das pessoas, que é a vida que tu tens, não é?
00:43:47
Speaker
Estávamos aqui a falar desta questão do...
00:43:52
Speaker
do estar com os outros cuidar dos outros, haver momentos muito difíceis mas ter que se andar para a frente e sentir sempre uma força cá dentro para continuar e para continuar a darmos a luta e a fazermos aquilo que gostamos e que a vida continua e isso é mesmo a força da vida que o dia da manhã há de ser melhor que o de hoje
00:44:13
Speaker
Ou pelo menos igual ou para
Impacto de Eventos Históricos na Vida
00:44:16
Speaker
Para viver Sim, é isso também e é por isso que eu escolhi esta canção Porque acho mesmo que esta voz, esta força interna, não é?
00:44:28
Speaker
Como a Patrícia às vezes costuma dizer, força interna Ela diz muitas vezes, força interna, temos que ter força interna
00:44:36
Speaker
Esta força E que temos Que eu reconheço em ti E que reconheço em outras pessoas Mas há pessoas que têm menos E a Gal Costa tinha E vê-se nesta letra Nesta forma De estar na vida Que a própria Gal Costa teve Então Diz-me uma coisa E o mundo
00:45:04
Speaker
Diz logo, tu preocupas-te com o mundo?
00:45:06
Speaker
Minha filha, preocupo-me muito com vocês, jovens, porque eu já estou ao caminho.
00:45:17
Speaker
Não Mas não te assusta, é que ainda podes passar Tu preocupas-te com os mais novos Mas não te preocupas Pronto Mas para além de nós O estado do mundo não te preocupa?
00:45:31
Speaker
Ai, tu não me preocupa, filha Ou tu gostas do mundo em que estás?
00:45:35
Speaker
Ai, não, por amor de Deus, não Não, mas repara Desde Desde miúda
00:45:47
Speaker
Houve a Segunda Guerra Mundial, foi nessa altura.
00:45:51
Speaker
Portanto, quando eu nasci... Tu já nasceste no pós-guerra.
00:45:56
Speaker
Mas ainda se estavam a passar E pronto, eu também não me lembro Não tenho noção disso Mas lembro-me da minha mãe contar Que Era tudo racionado Ainda Os alimentos A pessoa não comprava o que queria Para já não havia E depois não era a quantidade que a pessoa queria Lembro-me da minha mãe contar Depois
00:46:23
Speaker
Pronto, vivi na parte do fascismo que as pessoas não podiam falar, não podiam criticar, não podiam conversar.
00:46:38
Speaker
Era tudo muito... Em segredo, as pessoas tinham medo.
00:46:42
Speaker
E as pessoas tinham medo de tudo.
00:46:44
Speaker
Não se podia... Por exemplo, íamos a um supermercado, na altura não havia, eram mercearias, como eles chamavam.
00:46:52
Speaker
A pessoa não tinha a vontade de dizer, ai, tudo tão caro, está tudo tão caro.
00:46:59
Speaker
Nem se podiam dizer.
00:47:00
Speaker
Se houvesse algum da pida ali, apanhava logo.
00:47:06
Speaker
Portanto, nessa altura Depois a guerra no ultramar Que ao fim e ao cabo o teu pai Teve lá três anos Não foram três dias, foram três anos Sofreu lá bastante E ainda sofre E continua a sofrer E continua a sofrer Também se fala pouco disso Também se fala pouco Do que Do que a guerra fez Aos combatentes Em termos
00:47:34
Speaker
Tanta mãe que ficou sem filhos, tantos jovens que perderam a vida lá.
00:47:39
Speaker
E tantos que estão doentes por causa disso.
00:47:41
Speaker
Tantos que estão doentes e tantas famílias ainda sem terem... Apoio?
00:47:48
Speaker
Uma compensação, ou viverem mal com míseras refletas.
00:47:51
Speaker
Sim, sim, sim Porque a guerra traumatizou muito Traumatizou as pessoas E hoje as pessoas E não é só Vamos lá ver, há o stress pós-traumático Que tem determinado tipo de sintomas Mas há o stress pós-traumático Que é vivido no corpo E as pessoas, há muita gente doente Por causa do trauma da guerra Que não é só os sintomas Das alucinações Não é só, porque nós estamos Porque
00:48:20
Speaker
que fala-se muito do stress pós-traumático e as pessoas quando nós falamos em stress pós-traumático o que visualizam é muitas vezes estes sintomas que são as alucinações as memórias de guerra, a perturbação do sono mas não é só isso isso há muitas pessoas que vivem e que viveram com isso logo no pós-guerra e agora muitas doenças que as pessoas vão desenvolvendo ao longo da vida que os combatentes desenvolveram e muito
00:48:48
Speaker
São devidas ao trauma de guerra Entre outras coisas Mas também ao trauma de guerra E não se fala muito sobre isso Pois não Outra das coisas que não Ficou subvalorizado Três anos A juventude Tão novinhos Tantos que lá ficaram
00:49:11
Speaker
O teu pai conta tanta passagem que uma que ele conta, que eu me arrepio muito, é dele ir num hélio para uma cidade, eu não sei se era para a beira, se era para não pula, ir lá de moeda de hélio, ir um rapaz completamente ligado, só com o nariz,
00:49:37
Speaker
Destapado E lhe pedir para ele coçar o nariz Porque estava completamente Imobilizado e não conseguia Imobilizado E pediu ao pai se ele coçava Ele foi-lhe coçar o nariz até Lembro-me, pronto, esta passagem Entre muitas que o teu pai conta Mas pronto, ele também lá sofreu um bocadinho Claro Ser operado duas vezes ao mesmo joelho
00:50:03
Speaker
Mas essa história não deixa de ser engraçada, desculpa lá, porque a mesma coisa que... Vamos lá ver.
00:50:10
Speaker
A guerra provocou-lhe, ou seja, por causa da guerra ele ficou com problemas nesse joelho, mas esse joelho salvou-o de muitas idas.
00:50:19
Speaker
Para a frente de combate e portanto eu até acho isso uma
Mudanças Sociais e Revolução
00:50:23
Speaker
Há malos que vêm por bem.
00:50:25
Speaker
Exatamente, é isso mesmo e não deixa de ser também uma história engraçada porque daquilo que eu costumo contar, que o professor António Coimbra de Matos estava no departamento de psiquiatria.
00:50:36
Speaker
Em Nampula, exatamente no mesmo ano que o meu pai estava no mesmo hospital e portanto eu costumo contar que os dois homens mais importantes da minha vida, Coimbra de Matos e o meu pai...
00:50:52
Speaker
antes mesmo de eu nascer estavam no mesmo hospital em Nampula e provavelmente cruzaram-se naqueles corredores sem se conhecerem obviamente e eu viria a ser aquilo que eles passaram a ter em comum mais tarde depois veio a guerra no ultramar e tu não te quero interromper o raciocínio veio a guerra no ultramar estávamos a falar do mundo depois dá-se o 25 de abril
00:51:19
Speaker
Isso é uma coisa boa.
00:51:21
Speaker
Então não é, filha.
00:51:23
Speaker
Mas no dia 25 de Abril, espera lá.
00:51:29
Speaker
Foi uma pilha de ervas que eu apanhei.
00:51:34
Speaker
Porque não estavas em Lisboa, não sabias nada do que são.
00:51:37
Speaker
Fia, não estava em Lisboa e as pessoas não tinham conhecimentos, não tinham-se de política.
00:51:42
Speaker
Pensas que nessa altura alguém tinha conhecimentos?
00:51:48
Speaker
Não se podia falar nisto, não se podia falar naquilo.
00:51:54
Speaker
E quando eu tinha... O pai estava doente.
00:52:00
Speaker
Estava na cama com gripe.
00:52:04
Speaker
tinha vindo à praça, aqui abaixo.
00:52:08
Speaker
E então entrei na loja do Sr. Joaquim Fortes e estava ele ao pé da rádio e disse-me assim, ele mandou-me a ir a não falar, vou vir, fez-me um sinal.
00:52:26
Speaker
E depois disse, há uma revolução em Lisboa, dou-lhe para o governo.
00:52:33
Speaker
Opa, eu fiquei, ele cheio de medo.
00:52:36
Speaker
O que é que isto vai dar agora?
00:52:38
Speaker
O que isto vai dar?
00:52:39
Speaker
Eu vou para cima, vou lá para casa da avó, com a mãe, houve uma revolução.
00:52:45
Speaker
Já a tua avó estava ao pé do rádio ouvido.
00:52:49
Speaker
Depois vou para casa e disse ao pai, fui logo, muito aflita.
00:52:53
Speaker
Mas a avó tinha a taberna aberta?
00:52:55
Speaker
Estava, foste à taberna?
00:52:56
Speaker
Ah, então e o que é que estava a acontecer na taberna?
00:52:58
Speaker
Só estava ela ou estava mais... Ela ao pé do rádio, o Júlio, a ouvir os dois.
00:53:03
Speaker
Só que filha, não se estavam a perceber de nada.
00:53:08
Speaker
Depois a televisão abriu, mais tarde...
00:53:12
Speaker
E foi depois quando começámos a ver os movimentos todos e a perceber.
00:53:18
Speaker
Quem se apercebeu de tudo foi a avó Chica.
00:53:24
Speaker
A minha avó que estava deitada.
00:53:26
Speaker
Não dormia de noite.
00:53:30
Speaker
Acompanhou na rádio.
00:53:32
Speaker
E ela depois de manhã disse Ai, ouve qualquer coisa em Lisboa porque eu ouvi isto, isto.
00:53:43
Speaker
Quer dizer, pronto, as pessoas já podiam falar, já podiam, depois diziam tudo e mais alguma coisa, começou a falta de respeito.
00:53:53
Speaker
Tudo era uma loucura, as pessoas, tudo era do movimento das Forças Armadas.
00:54:02
Speaker
E pronto, e passou.
00:54:04
Speaker
Mas... E as pessoas começaram a ter muito mais liberdade de uma vida diferente.
00:54:08
Speaker
Claro, e hoje em dia vive-se muito diferente daquilo que...
Pensamento Crítico e Esperança para o Futuro
00:54:12
Speaker
Então, mas quando pensas no mundo, o que é que tu tens medo?
00:54:15
Speaker
Ai filha, sei lá, da fome, das doenças, as pessoas podem sofrer, de ver crianças, eu tenho pena de todos, mas crianças e velhotes...
00:54:31
Speaker
É o que me toca mais, ver aquelas crianças com fome.
00:54:36
Speaker
Isso é aflitivo e sempre tem.
00:54:39
Speaker
Nós sabemos que há fome no mundo e há muita fome no mundo.
00:54:44
Speaker
Tanto nos países em África como não só em África.
00:54:50
Speaker
A gente não tem dinheiro para comida, mas tem para armas.
00:54:54
Speaker
E o que tem, empregam em armas...
00:54:58
Speaker
E com tanta fome, tanta doença, isso é que me refalta.
00:55:03
Speaker
Pronto, ainda bem, eu tenho conhecimentos para poder discutir por isto ou por aquilo.
00:55:08
Speaker
Há muita coisa, não é, que eu não entendo.
00:55:12
Speaker
Mas é uma das coisas que me refalta, é isso, e que tenho medo.
00:55:18
Speaker
Mas tens medo do quê?
00:55:22
Speaker
Que se volte a passar fome como danos?
00:55:25
Speaker
Se for não é como Dantes, filha Porque Dantes, cada pessoa fazia a sua hortinha O pouco que havia Ainda as pessoas iam tendo Ou seja, tu achas que pode ser mais Então não é, filha Há mais porque há muito pouca gente já a fazer isso
00:55:44
Speaker
pois porque dependemos todos mais uns dos outros não é?
00:55:50
Speaker
no entanto isso só acontecerá de facto se tivermos outra vez uma forma de ditadura instalada não é?
00:56:00
Speaker
É o que temos de mais certo Não sei se é o que temos de mais certo Agora que eu acho que Não sei se é o que temos de mais certo Mas A forma como alguns líderes mundiais Se posicionam E até alguns Alguns dirigentes partidários De Portugal se posicionam Temos que pensar O que é que queremos para nós Temos que pensar o que é que queremos para nós
00:56:29
Speaker
E temos de pensar que... e temos que ouvir muito bem, com os ouvidos todos muito bem abertos, não é?
00:56:37
Speaker
E com ouvidos de ouvir, porque é muito fácil uma frase de um dirigente partidário iludir-nos ou...
00:56:51
Speaker
E, portanto, é mesmo muito importante pensar o futuro e pensar de que forma é que queremos que a nossa vida continue e que este mundo continue.
00:57:02
Speaker
Embora eu também perceba que...
00:57:10
Speaker
Exatamente, e nisto nós temos falado muito ao longo dos podcasts.
00:57:16
Speaker
Tu falavas aqui de valores, valores que te transmitiram, aquilo em que tu acreditas, o que tu vês.
00:57:22
Speaker
Hoje em dia as coisas estão muito pervertidas e o sentido das coisas está muito pervertido e é nesse sentido que se nós não estivermos muito atentos ao discurso latente dos líderes políticos que podemos dar um tiro no próprio pé.
00:57:37
Speaker
E portanto eu acho que é importante...
00:57:39
Speaker
Estar atento àquilo que é dito, ouvirmos com ouvidos de ouvir e pensarmos acima de tudo.
00:57:45
Speaker
Depois de ouvirmos, pensarmos no que acabámos de ouvir e tentar perceber o que é que está a ser ali dito.
00:57:52
Speaker
Caso contrário, é muito fácil prometerem-nos ouro e depois só vamos podermos ter só carvão a seguir, não é?
00:58:02
Speaker
E carvão já não é mau Já não é mau Acho que é preciso ter E pensarmos nisto E acho que o mundo não está a um sítio bonito Não está a um sítio fácil No entanto Tem muitas coisas boas E como tem muitas coisas boas Nós temos que Temos que lutar por elas Não podemos Não podemos
00:58:29
Speaker
Temos que pensar que temos um pensamento crítico e com o nosso pensamento crítico nós podemos mudar coisas.
00:58:36
Speaker
Se não usarmos o nosso pensamento crítico, ah, pois claro que alguém vai pensar por nós.
00:58:41
Speaker
Quando nós não pensamos, alguém pensará por nós.
00:58:45
Speaker
E portanto... Claro, e a nossa vida ficará nas mãos de quem pensa por nós.
00:58:52
Speaker
Normalmente a nossa vida fica nas mãos de quem pensa por nós, se nós não pararmos para pensar...
00:59:01
Speaker
O disco da Gal Costa é um disco de alegria e de força que nos traz toda uma série de letras e de canções que nós não falámos, olha, por acaso reparei agora que eu não tinha percebido isto, apercebi-me agora que é um disco que foi editado portanto há músicas que são mais antigas mas o disco, este disco Gal Tropical foi editado no ano em que eu nasci, já viste mãe no dia da mãe tu escolheste um disco que foi editado no ano
00:59:28
Speaker
Em que eu nasci Em 79 É verdade Pronto, olha, já conversámos aqui sobre imensas coisas Apetece dizer mais alguma coisa que não tenhas dito?
00:59:39
Speaker
Apetece dizer ou falar ou dizer alguma coisa que nós não tínhamos tocado aqui?
00:59:48
Speaker
Não, estás bem disposta, não é?
00:59:51
Speaker
Gostaste de estar aqui a conversar este bocadinho.
00:59:55
Speaker
Pronto, então olha, muito obrigada por teres aceito o convite, que eu sei que não era uma coisa que te agradava muito, mas como eu acho que podia ser agradável estar a conversar contigo.
01:00:06
Speaker
E como o 3D Vans gosta de...
01:00:12
Speaker
de trazer para o Ivan pessoas que nos toquem e neste caso as mães tocam-nos e tu és a minha mãe e és uma cuidadora e eu acho que isso é uma coisa muito... Que tens de comida.
01:00:33
Speaker
Que tens de comida?
01:00:37
Speaker
Eu diria de alimento, eu diria de alimento.
01:00:40
Speaker
Não, tu tentas, tu tentas, tu tentas encher-me de comida, mas é que eu não sou muito golosa, não é?
01:00:46
Speaker
Tiveste um bocadinho de azar que eu não sou muito golosa.
01:00:51
Speaker
Era, mas cresci, mãe.
Música como Laço Familiar
01:00:53
Speaker
Tanto que gostavas de bichinho, molhinho.
01:00:59
Speaker
mas isso ainda gosto, bifes e molhos e batatinhas fritas ainda gosto, o que eu dispenso é o açúcar, isso mas olha da baba de camelo mas era baba de camelo e goste da torta de chocolate mas aí não resistes à torta de chocolate não resisto, é uma fatia não mas como acho que o açúcar é o grande assassino
01:01:25
Speaker
Do corpo humano A doçura não Mas o açúcar sim, percebes?
01:01:32
Speaker
Muito bem Então olha, vamos terminar a nossa conversa Vamos ver do jantar Que já é quase hora de jantar Vou só contar uma passagem tua Para terminar-me a rir Ok, então vá Muito engraçada Tu ias sempre pedir o bimbelim
01:01:50
Speaker
Deixa-me só explicar que no Alentejo, o pão por Deus em Lisboa, no Alentejo chama-se blim-blin.
01:01:59
Speaker
E que blim-blin é o diminutivo de blim-blin.
01:02:03
Speaker
Portanto, nós dizemos assim tudo de seguida que é vamos ao blim-blin e depois deixou do seu blim-blin para fazer o blim-blin.
01:02:11
Speaker
Em que fazemos exatamente o mesmo que o pão por Deus.
01:02:15
Speaker
Tinhas uma bolsinha de renda Tinha, tinha um cote de crochê com uma flor Uma florinha que até foi a vizinha Maria Luísa que te fez Que tu eras querida ali Da vizinhança toda Eres pequenina, eras querida E ela fez-te essa bolsinha
01:02:37
Speaker
Eras tu pequenina, mas entretanto cresceste um bocadinho
Conclusão com Anedotas e Memórias
01:02:42
Speaker
mais e devias ter talvez os teus sete anitos, oito anitos, e então não é como agora.
01:02:52
Speaker
que as crianças, temos medo das crianças andarem sós e mais na rua.
01:02:56
Speaker
Não andava-se à vontade, não é?
01:02:58
Speaker
Tive ainda esse privilégio de brincar.
01:03:01
Speaker
Brinquei, brinquei.
01:03:03
Speaker
Muito, muito, muito, muito, muito.
01:03:06
Speaker
Então, pegávamos na bicicleta de manhã e vinhamos à noite.
01:03:10
Speaker
Se foste com uma amiga pedindo o bimblin, pronto, e eu disse-te logo as ruas, ali perto, onde tu podias ir, e tu lá andaste.
01:03:21
Speaker
Chegaram as duas com a bolsa meio.
01:03:28
Speaker
E tu tocaste a campainha e numa grande conversada com a outra e então era assim.
01:03:35
Speaker
Tu, uma, andavas doente com o amigo dali, outra, não ias pedir o bem-belim.
01:03:40
Speaker
No outro, adoecias, não ias.
01:03:42
Speaker
Depois ias no outro, quase.
01:03:46
Speaker
E então, tu estás a combinar-me de contente, muito feliz, vinham as duas lá com o bimblin e estavas a combinar no próximo ano a ida ao bimblin com ela, com essa dita amiga.
01:04:00
Speaker
E então chamaste-me, oh mãe, oh mãe, olha lá, eu para onde vou pedir o bimblin, oh tu doente?
01:04:09
Speaker
Perguntei-te logo, olha, mas isso... Querias combinar com ela, não é?
01:04:17
Speaker
Oh mãe, eu vou ao bimbelim ou estou doente?
01:04:21
Speaker
Estava muitas vezes gente Mas olha isso, agora fez-me lembrar Uma história que me contaram
01:04:29
Speaker
E que eu acho que, olha, isso é engraçado, a história que tu foste buscar porque te apetecia rir, é uma história que eu vou aqui deixar sobre aquilo que é saúde.
01:04:40
Speaker
Há uma pessoa que há pouco tempo me contou isto, que o filho, com exatamente a mesma idade, sete ou oito aninhos, lhe foi perguntar, oh mãe, será que eu chumbo na carta de condução?
01:04:54
Speaker
E a mãe respondeu-lhe,
01:04:57
Speaker
Que não, que a mãe respondeu-lhe, mas ó filho, mas tu só tiras a carta daqui a 10 anos.
01:05:05
Speaker
Ó mãe, está bem, mas e se eu chumbo?
01:05:08
Speaker
E ela disse, ó filho, mas tu podes chumbar, mas tu não chumbas, e se tu não passares à primeira, podes fazer outra vez?
01:05:17
Speaker
podes, aquilo não se faz só uma vez tu podes fazer outra vez e eu depois perguntei e ele ele abalutou-te contente pronto isto para dizer que isto é que é a saúde, não é?
01:05:30
Speaker
o que é importante é haver alternativa o que é?
01:05:35
Speaker
O que é importante é haver alternativa, portanto, a preocupação dele, 10 anos antes, era se podia chumbar na carta, mas ele a partir do momento em que percebeu que tinha uma alternativa, ficou livre e contente e aliviado e foi brincar.
01:05:49
Speaker
E isto, só para terminar, é o que fica da vida, ou seja...
01:05:55
Speaker
em liberdade e com alternativas à saúde tudo o que não seja alternativa e que seja opressão e que seja condicionado só nos leva à doença e disso é que nós não nos podemos esquecer porque é aqui que reside a força da vida
01:06:18
Speaker
Vamos ver do jantar.
01:06:19
Speaker
Também gostei muito.
01:06:21
Speaker
E até uma próxima.
01:06:23
Speaker
Eu também te amo muito.
01:06:30
Speaker
Então vá, vamos lá.
01:06:31
Speaker
Quero agradecer à Climepsi pelo material com que estivemos aqui a gravar.
01:06:36
Speaker
Quero agradecer à Carolina, que hoje não fez a recolha de somas, que estará a fazer depois o tratamento do mesmo.
01:06:43
Speaker
Quero agradecer à minha mãe por ter estado aqui presente connosco.
01:06:47
Speaker
Vamos mandar um beijinho à Patrícia Câmara e cá nos encontramos novamente no final do mês.
01:07:02
Speaker
3 Divãs, a psicanálise, o mundo e o rock'n'roll.