A tragédia do genocídio e a resposta passiva do mundo
00:00:22
Speaker
Hoje é dia mundial da criança.
00:00:25
Speaker
Israel já matou mais de 17 mil.
00:00:29
Speaker
Nunca, nunca imaginei assistir a um genocídio.
00:00:32
Speaker
Muito menos ao genocídio de um povo que está entregue à oração.
00:00:38
Speaker
Chega a desejar ser crente.
00:00:40
Speaker
Onde é que estão as pessoas que permitem uma coisa destas?
00:00:44
Speaker
É nelas que se tem votado, certo?
00:00:47
Speaker
É nelas que aqui em Portugal também temos vindo a votar, certo?
00:00:52
Speaker
Santa inocência, a minha, que de inocente nada tem.
00:00:57
Speaker
É dilacerante a sensação de impotência.
00:01:00
Speaker
É revoltante a passividade a que tenho assistido.
00:01:04
Speaker
pergunto-me muitas vezes que seres humanos somos e conseguiremos ser perante a brutalidade em Gaza.
00:01:11
Speaker
Sinto-me deprimida.
00:01:13
Speaker
Confesso que não gosto do mundo em que temos vivido desde a morte do David Bowie.
00:01:18
Speaker
Podem rir, mas é verdade.
00:01:20
Speaker
Reparem na quantidade de acontecimentos desde então, carregados de desesperança.
00:01:26
Speaker
Não me apetece nomeá-los, só o nosso grandioso Bowie.
00:01:30
Speaker
Que sorte temos em sermos seus contemporâneos.
00:01:33
Speaker
Por aqui, desde 1974, temos vindo a viver e a construir o que hoje vivemos.
Encontrando esperança num mundo sombrio através do cuidado com as crianças
00:01:39
Speaker
A responsabilidade é só nossa.
00:01:42
Speaker
Conhecer a convidada de três divãs foi um rasgo de esperança pelo qual enrompeu luz na minha escuridão.
00:01:50
Speaker
Também anda na luta desenfreada por cuidar de todas as crianças, todas as crianças grandes e as pequenas.
00:01:59
Speaker
Quando me disse o nome da banda e do disco escolhido, confesso que não o reconheci, só mesmo quando o coloquei a tocar.
00:02:07
Speaker
Como eles próprios dizem, as nossas memórias dependem de uma câmara defeituosa na nossa mente.
00:02:13
Speaker
E também dizem, o dono da memória é uma maldição terrível.
00:02:19
Speaker
Plans é o nome do disco de hoje e a banda que o fez também diz que todo o plano é uma pequenina oração ao Pai Tempo.
00:02:29
Speaker
Depressão, esperança, entusiasmo e responsabilização são a coluna vertebral deste disco.
00:02:35
Speaker
Não será esta a coluna vertebral que também queremos para o mundo, por oposição ao delírio omnipotente, ao vazio e à irresponsabilidade a que temos assistido a partir dos nossos umbigos.
Empatia e responsabilidade como caminho para a liberdade
00:02:47
Speaker
Desculpem, enganei-me, queria dizer telemóveis.
00:02:50
Speaker
A mim parece-me um bom plano e não precisamos de ir a correr tomar medidas de resistência, tantos disparates que tenho ouvido na última quinzena.
00:03:00
Speaker
Só temos de passar a ver o outro, a tentar compreendê-lo e exigir que se responsabilize, pois, ao fazê-lo, já lhe estamos a mostrar o caminho para a liberdade.
00:03:11
Speaker
Hoje, para conversar comigo e com a Patrícia Câmara, está cá a Tânia Carneiro, que nos trouxe os Dead Cab for Cutie,
00:03:20
Speaker
Sejas bem-vinda, Tânia.
00:03:25
Speaker
E agora podes te apresentar.
00:03:28
Speaker
Portanto, quero agradecer aqui o convite à Ana e à Patrícia de poder ser o terceiro divã aqui.
00:03:37
Speaker
Mas acho que é sobretudo uma conversa íntima entre boas amigas e isso é que é uma das coisas mesmo boas da vida.
00:03:45
Speaker
E isso não nos tiraram, não é?
00:03:53
Speaker
Pelo menos conversas internas podemos sempre ter, não é?
00:03:56
Speaker
Haja memória e a presença do outro dentro de nós, não é, Patrícia?
Intimidade e a essência da infância na conexão genuína
00:04:00
Speaker
É, estava a pensar que nós tínhamos combinado que eu não falava por cima dela.
00:04:06
Speaker
Mas dissemos logo um sim em uníssono quando tu disseste a intimidade.
00:04:09
Speaker
Porque acho que é um... Acho que tucaste num ponto que é o centro de tudo, não é?
00:04:13
Speaker
É a possibilidade de entrar em contacto verdadeiro e interno e externo com o espaço que há de comum, que é isso que nós buscamos quando vamos buscar também esta ideia que tu tão bem puseste no teu texto...
00:04:25
Speaker
da criança que no fundo é a infância interna, não é?
00:04:28
Speaker
Esse lugar de onde tudo nasce, não é?
00:04:31
Speaker
Onde nós temos que regressar, não há dúvida nenhuma, pronto.
00:04:34
Speaker
E como nós nos conhecemos a uma data de anos, já podemos achar que conhecemos muito bem tudo.
00:04:39
Speaker
Dizer uma data de anos é mesmo dizer 20 ou 30, não é?
00:04:44
Speaker
Sim, mas olha lá, eu queria que a Tânia se apresentasse melhor.
00:04:49
Speaker
A Tânia tem que dizer quem é. Tu tramaste-me com essa coisa do apresentar.
00:04:53
Speaker
Pronto, que eu fiquei assim... Nós estávamos a pôr a almofadinha, isto era a almofadinha interna, que era para tu te sentires mais aconchegada.
00:05:01
Speaker
Andei a semana toda a pensar
Identidade pessoal e mudanças ao longo do tempo
00:05:02
Speaker
E ontem... E estava nisto, e quem é que eu sou, e quem é que eu sou, e como é que eu vou responder a isto?
00:05:09
Speaker
E ontem o meu filho, que tem sete anos, à noite...
00:05:15
Speaker
Eu disse assim, estás com muito sono?
00:05:17
Speaker
Ele, não, não mãe, estou muito triste.
00:05:19
Speaker
Eu, mas estás triste porquê?
00:05:21
Speaker
É que eu não sei quem sou, mãe.
00:05:23
Speaker
Eu não sei quem sou.
00:05:26
Speaker
E eu disse, olha Vicente, eu também não, eu já tenho esta idade, não te preocupes, vais sabendo.
00:05:32
Speaker
Pronto, e então fiquei a pensar nisto, e já andava a pensar, não é?
00:05:36
Speaker
De quem é que eu sou, e pensei, quem é a pessoa que eu sou agora e como é que me fui construindo.
00:05:40
Speaker
E depois pensei, agora tenho quase 50, e pensei em mim aos 40, aos 30, aos 20, aos 10, e depois, eu acho que aquilo que eu sou,
00:05:52
Speaker
é o que há de comum em mim em todas estas idades, embora com diferentes versões, não é?
00:05:58
Speaker
Porque é tipo iPhone 16, lá está, acho que com versões diferentes.
00:06:03
Speaker
E fiquei a pensar o que é que era comum em mim, é que lugares é que eram bons para mim em todas estas idades.
00:06:11
Speaker
E percebi que era este, não é?
00:06:15
Speaker
intimistas e as relações intimistas compartilha que é o tipo de relações que eu mais gosto gosto de relações duais e gosto de pequenos grupos, é o que eu mais gosto também gosto de festa, mas onde eu me sinto mesmo bem, os lugares bons é nesta intimidade depois do que é que eu gosto também, gosto muito de histórias, de histórias
00:06:37
Speaker
contadas, histórias ouvidas, de criar histórias, de ver histórias no cinema, histórias de todas as maneiras e efetivas.
00:06:44
Speaker
Eu lembro muito da minha avó a contar histórias, que era muito bom, contos de fadas.
00:06:49
Speaker
E outra coisa que, não sei se posso dizer que gosto, mas que senti que é comum e transversal ao longo destes anos,
00:06:57
Speaker
É um troço melancólico, gigante e uma coisa existencialista, que eu acho que este meu filho também já tem, com 7 anos, e que pensa quem é que eu sou e que no outro dia também me disse que não tem futuro.
00:07:09
Speaker
Eu não tenho futuro.
Influência de figuras importantes na vida profissional de Tânia
00:07:10
Speaker
E eu só me lembrava do Charlie Brown e do...
00:07:14
Speaker
E do Snoopy, eu acho que eu também era esta pessoa e que era aquela coisa que o Charlie Brown dizia, ou era o Linus que dizia assim, eu sou a pessoa errada para a minha vida.
00:07:29
Speaker
E acho que é este lado mais melancólico e é por isso que escolhi este álbum e este lado existencial que também traça muito a minha vida e a coisa do sentido da vida.
00:07:40
Speaker
Acho que foi isso tudo que me conduziu à profissão que escolhi
00:07:44
Speaker
psicologia, acho que foi por estes lugares, não é?
00:07:48
Speaker
Da necessidade de encontro, de gostar de histórias dos outros, de ouvir pessoas a contar histórias e de querer resolver esta minha melancolia que nunca resolvi, não é?
00:07:59
Speaker
E de resolver, acho que é uma coisa boa, honestamente.
00:08:02
Speaker
Era isso que eu ia dizer.
00:08:06
Speaker
Traço essencial à vida humana.
00:08:10
Speaker
Depois, neste percurso, no meu percurso profissional mais ligado à psicoterapia, conheci
00:08:18
Speaker
uma das pessoas que não é da área, mas que também... Conheci três pessoas, acho que houve três pessoas que foram muito importantes na minha vida, muito representativas.
00:08:26
Speaker
Uma delas foi a minha tia, Helena, que não sendo... é das Ciências de Educação, dá aulas na faculdade, e estuda muito metodologia e utiliza muito o método crítico, o pensamento crítico e não sei o quê, pronto.
00:08:43
Speaker
e é super entusiasmada pela profissão dela e é muito autêntica e muito genuína.
00:08:50
Speaker
Foi o professor Marco Paulino que foi meu chefe e que é muito, muito, muito humano e é uma pessoa que pensa muito bem e que tem uma grande, grande empatia pelos outros.
00:09:03
Speaker
Tem as emoções assim à flor da pele, mas isso é outra questão, porque as coisas também se resolvem, não é?
00:09:10
Speaker
Mas cria conflitos com quem deve criar, que normalmente é com as assimetrias.
00:09:17
Speaker
E pronto, e depois foi o Dr. Jé Barata, que foi quem me fez conhecer aqui a Patrícia Câmara.
Criatividade compartilhada através da escrita e do desenho
00:09:24
Speaker
que é outra das pessoas que eu admiro muito e que acho que também pensa muito bem, que também é muito genuína, que é muito capaz e que me fez conhecer depois a Ana Teresa, que também, e de mais aspas, portanto acho que estas pessoas, os outros mais velhos que me ajudaram a formar de alguma maneira e agora as minhas amigas que são meus pares, mas que são uma referência incrível para mim,
00:09:49
Speaker
e para quem eu gosto de encaminhar muitas pessoas e é isto o que é que é mais meu é isto gostar de conversas como diz um amigo meu que é em que se põe o coração em cima da mesa acho que isso é mais importante as emoções mas nada, acho que é isto acho que foi isto que me fez mas nada, isto é imenso mas tu ainda fazes outra coisa quer escrever histórias também
00:10:18
Speaker
Pois, mas isto também foi... isto também não foi...
00:10:22
Speaker
Eu escrevi histórias... Eu sempre fiz muitas histórias na minha cabeça, não é?
00:10:25
Speaker
Aliás, eu aos 10 anos ainda tinha amigos imaginários.
00:10:27
Speaker
Acho que já ninguém tem amigos imaginários aos 10 anos.
00:10:29
Speaker
Eu ainda tinha amigos imaginários aos 10 anos e que fazia muitas histórias sempre na minha cabeça.
00:10:33
Speaker
Mas nunca escrevi histórias.
00:10:35
Speaker
E escrevi esta história porque era para a minha filha.
00:10:37
Speaker
Eu escrevi esta história mais para tentar ajudar ali a ultrapassar uma coisa.
00:10:42
Speaker
E vocês me impulsionaram imenso.
00:10:44
Speaker
Ajudaram-me imenso.
00:10:45
Speaker
Se não fosse... Sem vocês não tinha escrito nada.
00:10:49
Speaker
Portanto, fui impulsionada...
00:10:52
Speaker
pela minha filha, para ajudar e por vocês.
00:10:54
Speaker
Portanto, acho que isso saiu de um lugar, é isso de encontro, acho que foi isso.
00:10:58
Speaker
E para além das histórias, também fazes desenhos extraordinários, não é?
00:11:02
Speaker
Que não são os desenhos que estão nas edições dos teus livros, porque têm uma ilustradora própria, não é?
00:11:08
Speaker
Mas os teus desenhos são muito bons.
00:11:10
Speaker
E a primeira versão de todas que nós conhecemos é com os teus desenhos também, já conhecemos as outras, mas com os teus, que são extraordinários.
00:11:18
Speaker
E pronto, é espetacular teres esse mundo todo, não é?
00:11:24
Speaker
Eu fiquei comovida, por isso é que não consegui...
00:11:31
Speaker
Falta dizermos que eram histórias que no fundo são histórias... Sabes o que é?
00:11:35
Speaker
Eu ia dizer histórias para crianças, mas eu não acho que seja assim.
00:11:38
Speaker
Um bocadinho seguindo a tua linha desde o princípio, até da Ana Teresa, não é?
00:11:43
Speaker
Porque este lugar elementar interno é este que nós temos que regressar se queremos fazer alguma coisa diferente,
Conexões genuínas e superação da dor coletiva
00:11:48
Speaker
Nós sabemos isto do ponto de vista da nossa profissão e da nossa forma de estar provavelmente na vida...
00:11:52
Speaker
Às vezes já não sabemos muito como é, como é que fazemos irrigar esta ideia pelas artérias secas da humanidade, mas lá cá estamos para tentar, não é, Ana Teresa?
00:12:06
Speaker
Também ficaste emocionada.
00:12:07
Speaker
Fiquei emocionada e não... Olha, nem sei bem.
00:12:12
Speaker
o que é que fiquei porque estava aqui a pensar que é isto o bom da vida eu estava a pensar estamos aqui as três sentadas no dia mundial da criança temos imensas desgraças na nossa cabeça de que
00:12:30
Speaker
que temos vista toda a hora, mas depois acho que também é este lado que nos permite sair um bocadinho dessa depressão, que é quando há este encontro, não é?
00:12:38
Speaker
E quando estamos aqui a conversar e ouvimos a Tânia a falar da vida e da forma de estar e do que gosta e do que não gosta, acho que é também o que nos permite desviar um bocadinho.
00:12:52
Speaker
desta dor que eu acho que eu tenho sentido mesmo muito presente diariamente.
00:12:56
Speaker
Posso ir ao encontro do que estás a dizer por causa disto da dor e da cooperação que a Tânia falou.
00:13:04
Speaker
Estava a pensar...
00:13:06
Speaker
está a pensar como sítio de resgate, não é?
00:13:08
Speaker
Porque a rama desta intensidade desta dor adormece-nos.
00:13:12
Speaker
E este é o perigo.
00:13:14
Speaker
As coisas que nós temos estado a viver, a mim às vezes até me dão um arraso de sonolência, que é uma coisa que para mim é uma resposta nova.
00:13:20
Speaker
Eu costumo ficar super agitada a querer fazer coisas, esta resposta psicosomática nova é nova para mim.
00:13:26
Speaker
Mas, tal como foi na altura da pandemia, nós estávamos as três a conversar,
00:13:32
Speaker
me houve qualquer coisa que vocês disseram que eu não me consigo lembrar ainda ontem à noite estava a ver se me conseguia lembrar mas não me consigo lembrar o que foi dito sei que o que foi dito permitiu-me sair de uma dormência brutal em que também estava com aquela sensação de que nós não conseguíamos dar resposta foi a Alexandra e a Alexandra estava nessa conversa exatamente de nutrir qualquer coisa era exatamente estávamos todas a conversar e a Alexandra contou uma história em que havia uma falta de nutrição havia um sonho onde havia uma falta de nutrição parecia que foi a Alexandra foi uma conversa que estávamos todas juntas
00:14:01
Speaker
mas essa conversa onde alguém diz qualquer coisa que te confere sentido nesse encontro autêntico é o que te permite desadromecer da brutalidade eu acho que é isto que nós pretendemos e que temos conseguido fazer de alguma
Curiosidade infantil e o desenvolvimento da empatia
00:14:12
Speaker
estes encontros autênticos produzem qualquer coisa também te desadromecem as partes que estão numa dor tal que não conseguem encontrar já pontos de esperança mas eu também acho, como tu disseste maravilhosamente isso seria impossível sem esse lugar interno de pesquisa existencial que o teu filho põe brilhantemente, não é?
00:14:30
Speaker
A pergunta dele não é incrível?
00:14:33
Speaker
Eu gostava que toda a gente se pusesse a pensar nessa pergunta.
00:14:36
Speaker
Eu, no outro dia, estava a dar uma aula e perguntava isso.
00:14:38
Speaker
Como é que nós podemos falar, por exemplo, sobre identidades sem pensar na nossa própria?
00:14:44
Speaker
E eu acho que é este o problema atual.
00:14:47
Speaker
Tu só sabes pôr fora, não é?
00:14:48
Speaker
Quer dizer, não quer pôr o problema atual.
00:14:49
Speaker
Acho que é o problema que faz com que o problema se torne maior, que é esta incapacidade de fazer este movimento de interioridade, de intimidade.
00:14:56
Speaker
Que só é possível, mas é porque eu quero dizer isso a isto, o que só é possível é exatamente nesse lugar de cooperação verdadeira, da autenticidade, onde tu pões o coração em cima da mesa, não é?
00:15:05
Speaker
E te recordas e te voltas a enregar as zonas que estão adormecidas.
00:15:13
Speaker
Acho que foi essa sorte também, não é?
00:15:16
Speaker
De ter encontrado pessoas ao longo da vida que também permitiram esses encontros verdadeiros.
00:15:21
Speaker
Acho que a psicosomática e o Zé Barata foram mesmo... Aliás, foi assim também que conheci a Filipe Menezes, nas supervisões com o Zé Barata.
00:15:28
Speaker
De facto, foi uma série de pessoas...
00:15:32
Speaker
que surgiram daqui e que permitem esta liberdade e a vontade, não é?
00:15:37
Speaker
A possibilidade de pensar verdadeiramente em conjunto, sem medo de pensar em conjunto.
00:15:42
Speaker
Sem medo, e sem medo de dizer.
00:15:44
Speaker
E de diferença, não é?
00:15:47
Speaker
Que é que tem sido tão enlouquecedor tentar ter uma conversa.
00:15:52
Speaker
Nós assistimos desde a rádio à televisão, a...
00:15:56
Speaker
Ao dia a dia, entre as pessoas na rua, nós conseguimos perceber isto numa mercearia, um comentário, o quão fragmentante existe.
00:16:08
Speaker
Não sei, mas eu estou a gostar.
00:16:09
Speaker
Pode ser um neologismo.
00:16:12
Speaker
O quão fragmentante ou fragmentador.
00:16:16
Speaker
Não sei, mas fragmentante é mais bonito.
00:16:17
Speaker
Não, não, mas o quão fragmentante é alguém dizer uma coisa diferente.
00:16:22
Speaker
Mas é que eu acho que é tanto.
00:16:23
Speaker
É tanto, faz o M. Continua.
00:16:26
Speaker
De repente uma pessoa diz uma coisa, às vezes até sensata, uma coisa só de dar ouvido ao outro, de ouvir uma outra opinião.
00:16:34
Speaker
Só isto, que é qualquer coisa do género, mas esperem só um bocadinho, deixa eu ouvir até ao fim, coisas deste género.
00:16:40
Speaker
Deixa-me ouvir até ao fim.
00:16:41
Speaker
Espera, espera só um bocadinho, porque eu quero saber aquela opinião.
00:16:45
Speaker
Só isto tem fragmentado amizades, relações, conversas, seres, passagens ao ato, violência.
00:16:53
Speaker
É uma coisa inacreditável.
00:16:56
Speaker
E agora, a partir disso, tu estavas a dizer, alguém me contou esta semana que a filha pequenina, 6, 7 anos, estava muito preocupada porque não conseguia perceber
00:17:10
Speaker
o que é que o outro sentia.
00:17:12
Speaker
Por exemplo, ela conseguia perceber o que é que sente ao comer uma laranja, mas não conseguia perceber o que é que o outro sentia ao comer uma laranja.
00:17:20
Speaker
E ela estava numa aflição a dizer aos pais que queria perceber como é que eu faço isto, eu não consigo parar de pensar nisto, eu preciso perceber o que é que o outro sente quando está a comer uma laranja para saber se é igual àquilo que eu sinto quando estou a comer uma laranja.
00:17:37
Speaker
Uma miúda de 6 ou 7 anos, que eu acho extraordinário.
00:17:40
Speaker
E é o princípio da empatia.
00:17:42
Speaker
É curiosidade pelo sentir do outro e é o princípio da empatia.
00:17:47
Speaker
Quer dizer, é incrível, a empatia pode até já lá estar, mas esta tomada de consciência de eu quero chegar ao outro e não consigo e precisar da voz de um adulto que lhe explique que já está a conseguir, só pelo facto de estar a fazer a pergunta.
00:18:04
Speaker
Isto é muito bom e é disto que se trata...
00:18:08
Speaker
Sim, é o entusiasmo pelo encontro.
00:18:10
Speaker
Ser maior, sempre o entusiasmo pelo encontro, ser maior do que o medo do encontro.
00:18:14
Speaker
O medo do encontro e desta genuinidade, não é?
00:18:19
Speaker
Do medo da entrega, acho que é. Da vulnerabilidade.
Vulnerabilidade como força e conexão autêntica
00:18:21
Speaker
Nós estamos sempre a ouvir, eu continuo batendo a mesma tecla, mas a ideia...
00:18:25
Speaker
que foi passando sempre e continua a ser passada é sempre a ideia de que a vulnerabilidade é um lugar de fragilidade sim, sim, olha um lugar de uma coragem tremenda automática, não é uma coisa que a pessoa fica a pensar que está a ter mas é um automatismo que é em si mesmo um ato de coragem aqui numa canção do disco
00:18:44
Speaker
que eu não sei qual é, bem na quinta canção do disco.
00:18:49
Speaker
É o Fóluio Entre the Dark.
00:18:51
Speaker
É a tua, que tu é nessa.
00:18:55
Speaker
A dada altura, já vamos lá, mas porque era a propósito disto que vocês estavam a falar, então eu lembrei-me desta frase, porque ele fala a dada altura do catolicismo e depois fala a dada altura da mulher vestida de negro, não é?
00:19:08
Speaker
Uma freira, não é?
00:19:11
Speaker
é isso mesmo e então eu lembrei-me disto agora que vocês estavam a falar mas podemos passar já diretamente a ela vamos ouvir a canção favorita da Tânia que é Tânia diz lá outra vez I will follow you into the dark é isso mesmo I will follow you into the dark e já voltamos a conversar Tânia então porque é que tu gostas tanto desta canção
00:19:42
Speaker
Eu gosto tanto desta canção porque acho que
Conexão humana e a natureza efêmera da vida na música
00:19:44
Speaker
Acho que é uma canção que é entre o efêmero e o eterno.
00:19:51
Speaker
que acho que é uma canção de verdadeiro encontro, em que não há abandono, está-se lá verdadeiramente em presença, até ao fim, mesmo saber que é um momento duro e escuro e não se larga a mão, está-se lá sempre, eu acho que isso é a coisa mais bonita que existe.
00:20:09
Speaker
E depois também acho, eu acho que este álbum todo é sobre, acho eu, para mim, representa aquilo que é o
00:20:19
Speaker
O que é que é ser humano?
00:20:20
Speaker
Eu acho que é muito sobre isto, sobre o que é humanidade e o que é ser humano.
00:20:29
Speaker
E falando dos grandes temas da vida, que é a morte, o amor, a entrega, o luto.
00:20:37
Speaker
E eu acho que ele, de uma maneira, assim, sei lá, com maturidade, eu acho que é uma maturidade diferente, não é uma coisa de amor de excitação, etc.
00:20:45
Speaker
Não, é um amor maduro, integrado, inscrito, integrado, em que se está lá.
00:20:53
Speaker
É para estar, é para estar em presença, é para não largar, é para estar lá de mão dada.
00:20:57
Speaker
E até fico a pensar, não é?
00:20:59
Speaker
Ele quando fala de eternidade, que é o outro guardado dentro de nós, quando fala de eternidade, e não é eternidade transcendental católica, ele está lá só no escuro também, vai contigo para o escuro e fica lá.
00:21:11
Speaker
E isso é super bonito.
00:21:13
Speaker
E depois, também acho que se pode comparar às vezes com a psicoterapia, também pensei nisso, que...
00:21:19
Speaker
Que é isso que nós fazemos, não é?
00:21:20
Speaker
Que estamos com o outro nos lugares mais escuros e mais difíceis e não lhe largamos a mão.
00:21:26
Speaker
Estamos ali com eles.
00:21:27
Speaker
Eu acho que isso também faz imenso sentido.
00:21:29
Speaker
Para além disso, esta música transformou mesmo a minha vida.
00:21:34
Speaker
Foi em 2008 e acho que foi quase tipo o moto ou a cereja no topo do bolo para uma grande transformação da minha vida.
00:21:42
Speaker
E tem um impacto emocional muito grande para mim.
00:21:46
Speaker
Posso fazer uma coisa que está a fazer?
00:21:49
Speaker
Gostei tanto de te ouvir, primeiro ponto.
00:21:53
Speaker
Mas enquanto te ouvia, talvez por ligação interna, não sei, olha, devo andar à procura da minha almofadinha interna, então vejo o José Barata
Implicações éticas de valorizar os outros nas interações humanas
00:21:59
Speaker
Mas como tu falaste nele há bocado.
00:22:02
Speaker
Porque me lembrei de uma coisa incrível, não sei se vocês se lembram, quando o Dr. José Barata morreu, e foi a primeira homenagem que fizemos na Ler devagar.
00:22:09
Speaker
A Maria José Vidigal levava um texto que tinha escrito para o Zé, vocês recordam-se.
00:22:14
Speaker
E a coisa que me marcou do que ela disse foi relativamente alguém que tinha morrido.
00:22:20
Speaker
E ela estava tristíssima e estava novo no funeral.
00:22:24
Speaker
E estava à frente, perto do caixão.
00:22:26
Speaker
E quando era a altura mesmo de enterrar.
00:22:29
Speaker
Eu não consegui lembrar quem era, mas não me interessa.
00:22:31
Speaker
O que interessa é o movimento do Zé Barata.
00:22:33
Speaker
E então ela disse, não me posso esquecer que o Zé Barata veio comigo até à frente e deu uma mão.
00:22:39
Speaker
Esteve ali comigo naquele lugar.
00:22:42
Speaker
Portanto, é isso que tu dizes.
00:22:44
Speaker
É a capacidade de ir a esse lugar que é a finitude.
00:22:47
Speaker
Disseste maravilhosamente.
00:22:48
Speaker
E esse lugar, ainda ter esse lugar desta maneira existencial, é a eternidade que se impõe.
00:22:54
Speaker
É a única possível.
00:22:55
Speaker
É a única possível, é esta.
00:22:57
Speaker
É a aceitação da condição existencial que eu acho que está nesta música maravilhosa.
00:23:01
Speaker
É a companhia interna que te permite fazer este movimento.
00:23:03
Speaker
Só agora acrescentando uma coisa que nós estávamos... Não é acrescentando, é só ponto disto.
00:23:06
Speaker
Porque eu ando a pensar sobre isto cada vez com mais.
00:23:08
Speaker
Eu acho que durante muito tempo nós sobrevalorizámos a questão da autoestima.
00:23:11
Speaker
E no outro dia eu li um texto de alguém que já não lembro quem era.
00:23:16
Speaker
Não é que estou sem querer exagerar nisto, porque eu acho que é importantíssimo, e quando nós falamos no reconhecimento do outro e no revestimento daquilo que nós somos pelo olhar do outro, é verdade, mas a par e passo com isso, eu acho que existe outro movimento, este que nós estávamos a falar há bocado, a par e par com isto.
00:23:31
Speaker
Em simultâneo, eu acho que há mesmo uma inscrição ética da existência pelo desejo de conhecer e pelo impacto interno do encontro com o outro.
00:23:40
Speaker
Que não é só a autoestima, que te reforça no prazer de estar, mas não é só a autoestima.
00:23:45
Speaker
E que se deve inscrever, sim, eticamente.
00:23:49
Speaker
E regressamos até um bocadinho ao Zé Barata, que eu acho que de alguma maneira o Zé dizia isto.
00:23:55
Speaker
Não, não, estás-me a pedir desculpa do quê?
00:23:57
Speaker
Porque eu pensei assim porque... Não, não, não, porque eu estava a pensar nisso que tu estavas a dizer e... Mas acho que é uma coisa que acontece em simultâneo, não acham?
00:24:08
Speaker
Ou seja, uma coisa leva à outra, não é?
00:24:10
Speaker
Sim, só que vivemos numa altura em que se hipervalorizou a questão do... Pronto, já sabes, o meu ódio de estimação não quero falar sobre isso pela 49ª vez, mas nesta autocentração, que se traduz de muitas maneiras na nossa área também, com palavras que eu acho tremendas, que não são inscritas relacionalmente...
00:24:25
Speaker
Mas houve esta sobrevalorização do gosta de ti, tens que gostar de ti.
00:24:29
Speaker
Primeiro tens que gostar de ti para depois gostar dos outros.
00:24:31
Speaker
Claro que eu acho que isto teve um momento histórico, não é?
00:24:33
Speaker
Foi importante naquela altura aparecer este discurso assim.
00:24:36
Speaker
Mas depois chegou-se ao lugar onde se secou o lugar relacional também como um lugar de amor.
00:24:40
Speaker
Ou seja, o lugar onde tu só podes gostar de ti porque aquele lugar existe e porque gostas daquele lugar por si mesmo.
00:24:45
Speaker
E ficares mesmo contente.
00:24:47
Speaker
É porque eu acho que a conversa só da autoestima valida o ataque invejoso.
00:24:51
Speaker
Que é isto que temos estado a assistir, não é?
00:24:53
Speaker
Eu zango-me porque me zango, porque eu não tenho isto e fico zangado.
00:24:56
Speaker
E ao ficar zangado, eu posso qualquer coisa, porque misturam-se os lugares.
00:25:00
Speaker
Há uma validação de um lugar de zanga que não é um lugar inscrito nisto que nós estamos a falar, não é?
00:25:07
Speaker
Não sei se estou a conseguir explicar.
00:25:09
Speaker
Por isso é que me parece que é mesmo importante, não é que provavelmente nós sabemos isto e está implícito, mas acho que é bom torná-lo explícito agora.
00:25:15
Speaker
O prazer do encontro é eticamente inscrito, que é olhar o outro e ver o outro
Expressões saudáveis de raiva em dinâmicas relacionais
00:25:21
Speaker
Aliás, o que é isto que tu estás entendendo?
00:25:23
Speaker
Até a zanga passou a ser narcísica, deixou de ser uma coisa relacional, não é?
00:25:29
Speaker
Porque eu acho que é bom quando nós nos zancamos com o outro, mas se for uma questão relacional, porque se for uma questão do ponto de vista narcísico e de ataque ao narcisismo no outro, é uma porcaria, pronto.
00:25:39
Speaker
É o pressuposto básico, volta só ao pressuposto básico de existência, que é uma raiva só para morder, não é?
00:25:44
Speaker
Que não traz nada.
00:25:45
Speaker
Aliás, que é só uma ação quase somática.
00:25:47
Speaker
Que é ódio por ódio, não é?
00:25:49
Speaker
Aliás, é mesmo primário, o ódio deixa de ter o lado bom, que eu acho que é do ódio, não é?
00:25:56
Speaker
Que é como eu imagino, quando nós imaginamos as paletas dos pintores, que eu agora até estava ali a olhar para aquele quadro e estava a pensar, as paletas dos pintores...
00:26:05
Speaker
Que é aquela coisa, as nossas emoções são todas feitas a partir de uma mistura de ódio e amor, não é?
00:26:11
Speaker
E o ódio pode ter uma componente muito boa nos afetos, se não for ódio por ódio, por e primário, não é?
00:26:20
Speaker
Que às vezes atingimos esse ódio quando se trata de sobrevivência, de uma reação de sobrevivência, mas...
00:26:26
Speaker
Quer dizer, estas reações narcísicas também são de sobrevivência, também nos é a tornar todos muito primárias, não nos podemos esquecer disto e que se pode fazer isto de outra forma.
00:26:35
Speaker
E há menos lugar para outro, há menos comunidade.
00:26:40
Speaker
E isso por causa das crianças...
00:26:43
Speaker
de ser o dia mundial da criança, acho que é um lugar que faz muita falta, não é?
00:26:47
Speaker
Que é o lugar da família alargada e o lugar da comunidade e de facto de ter esta preocupação com o outro, com o outro porque é mais velho, porque o outro, não é?
00:26:58
Speaker
E quase como se, não sei se nas zonas rurais também é assim, mas nas zonas urbanas há muito esta ideia, não é?
Perda de comunidade e apoio relacional para jovens e idosos
00:27:06
Speaker
Que é isto, a autoestima
00:27:08
Speaker
e eu tenho que fazer as minhas coisas à minha vontade e portanto não vou visitar porque não me apetece, não vou fazer porque não me apetece e de repente os mais velhos estão todos mais sozinhos e os mais novos ficam todos muito mais sozinhos também.
00:27:22
Speaker
E numa zona de cru...
00:27:24
Speaker
Cru, que se transforma muito facilmente em crueldade, não é?
00:27:27
Speaker
Esse é que é o problema.
00:27:28
Speaker
Neste sítio de não entrega relacional e de não perceber o prazer que é o encontro.
00:27:32
Speaker
Estava a pensar até aquela ideia que está num livro de um psicanalista brasileiro, que eu não me lembro, mas que eu acho que a pergunta é posta assim, relativamente aqui às questões trans, mas a maneira como a pergunta é posta, eu acho que é esta pergunta, este lugar que falta, ou que nós temos que fazer...
00:27:47
Speaker
Reabilitar, não é?
00:27:49
Speaker
A pergunta é, o título do livro é o que aprender com as transidentidades?
00:27:54
Speaker
O que aprender com o outro?
00:27:55
Speaker
O que encontrar no outro que me traz a mim qualquer coisa?
00:27:58
Speaker
Mas estava a dizer até da questão das gerações, porque há esta coisa de rasgar o tempo a direito como se a hierarquia relacional da própria idade não trouxesse qualquer coisa.
00:28:08
Speaker
E estávamos a falar aí no meio rural é igual, não é?
00:28:12
Speaker
Tornou-se igual, que é uma coisa assustadora, porque ainda no Acolha, quando foi agora no encontro da AP, estávamos a falar disto, do porquê que a criança deixou de brincar na rua e o que é que está por trás disso e o que é que leva a isto, que é de facto esse sentido até de preocupação com o outro que tu estavas a falar, porque, por exemplo, na rua...
00:28:35
Speaker
tu tinhas que te preocupar constantemente com os outros porque em banda ou não ou num grupo de dois ou três na rua a criança e na rua e sem ter as costas quentes do adulto permanentemente tinha que viver dessa forma e te responsabilizar pelos companheiros e vice-versa
00:28:55
Speaker
e isso hoje em dia não acontece nem numa rural em que as crianças já quase nem vão sozinhas para casa há filas e filas também de carros a irem buscar crianças à escola porque se tem medo de deixar uma criança sozinha na rua, pronto isto para ir ao encontro só para exemplificar aquilo que estavas a dizer há muito menos relação sim e
00:29:21
Speaker
Olha, e acaba por ser uma coisa... É estranho, não é?
00:29:24
Speaker
Acaba por ser... Não sei, há uma estranheza... Não sei... Eu vivi muito tempo em meio rural e assim como vivo também há tanto tempo... Vivi... Olha, aliás, eu acho que é mais ou menos... Não, já vivo há mais tempo em meio urbano do que em meio rural.
00:29:41
Speaker
Mas eu lembro-me que era uma coisa que eu estranhava quando chegava cá... Quando chegava a Lisboa, porque nós...
00:29:50
Speaker
Foi Lisboa que principalmente me colocou em contacto com a minha própria solidão.
00:29:57
Speaker
Ou seja, a minha solidão já cá estava, mas o estímulo da cidade, que é engraçado, é paradoxal quase, mas é o estímulo da cidade é que me colocou em contacto com a minha solidão.
00:30:14
Speaker
E, de facto, foi uma das coisas que eu estranhei, porque...
00:30:19
Speaker
não sentindo tanto a atmosfera de comunidade, a pessoa fica de facto mais só, que é uma coisa que depois nos permite também, tem o seu lado bom, que nos permite explorar ao máximo a nossa solidão, quem estiver interessado nisso, mas quem não está sofre muito, porque
00:30:45
Speaker
Mas sim, sim, acho que é uma bonita canção.
00:30:49
Speaker
Ah, isto para dizer o quê?
00:30:50
Speaker
Ainda bem que toquei aqui nesta questão da solidão.
00:30:52
Speaker
Oh Tânia, porque eu não conheci esta canção.
00:30:55
Speaker
Quando tu disseste o nome do álbum e a banda, eu já não me lembrava nada deles, nada.
00:30:59
Speaker
Só quando eu meti aquele outro cara é que eu vi que era.
00:31:02
Speaker
E quando vi a tua canção, penso, eu nunca ouvi isto na minha vida, eu nunca ouvi a tua canção favorita na vida, portanto, ouvi no dia que tu me comunicaste e hoje já ouvi duas ou três vezes.
00:31:12
Speaker
E é engraçado porque eu estava a ouvi-la e estava a pensar assim, ora aqui está uma pessoa que compreendeu mesmo que no mundo estamos sozinhos, mas não estamos.
00:31:24
Speaker
e toca aí as palavras tu descreveste perfeitamente esta questão do amor maduro e da maturidade que se vê no álbum todo eu ainda há bocado estava a sentir isto nesta canção estava a pensar eu nunca liguei muita importância a esta banda mas eles já diziam coisas espetaculares ele saiu em 2005 mas tu cruzaste com ela em 2008 é isso mesmo Patrícia
00:31:50
Speaker
Queres conversar sobre a tua?
00:31:51
Speaker
Não, vamos ouvir Vamos ouvir a canção da Patrícia que é Your heart is an empty room Patrícia Então, porquê que tu gostas tanto desta?
00:32:06
Speaker
Eu vou dizer assim, eu não sei se gosto tanto desta porque eu gostei muito do álbum todo e estava com dificuldade em escolher e adorei a da Tânia, mas depois pensei, não vou fazer isto.
00:32:17
Speaker
E depois quando estava a ver as letras, até os nomes das canções, nem foi as letras, quando li aquela senti companhia, porque estava tão zangada com o mundo, quando li.
00:32:28
Speaker
E vi o teu, ai desculpa, até não consigo dizer, diz-me lá outra vez o nome da música.
00:32:34
Speaker
O teu coração é um quarto vazio.
00:32:36
Speaker
Exato, o teu coração é um quarto vazio.
00:32:38
Speaker
Eu pensei, pois é disto que se trata, não é?
00:32:40
Speaker
Como é que nós conseguimos elaborar a perda das coisas sem cair no sítio do vazio, não é?
00:32:46
Speaker
Ou seja, que eu acho que depois este álbum tem esta coisa incrível porque te dá dois lugares, como tu diz há bocadinho, não é?
00:32:51
Speaker
Dá a melancolia, o otimismo, não é?
00:32:54
Speaker
E portanto, isso é maravilhoso e eu acho que até nesta música isso está
Frustração com o vazio social e a busca por conexão
00:32:58
Speaker
A verdade é que eu preciso mesmo destas coisas quando estou muito zangada com o mundo, ou muito chateada.
00:33:02
Speaker
E se não falo sobre isso, não consigo falar sobre mais nada.
00:33:05
Speaker
Então penso assim, eu não consigo dar andamento ao meu pensamento sobre este disco e sobre isto tudo, sem dizer que estou muito zangada
00:33:15
Speaker
com a escolha, consciente ou inconsciente, que tão facilmente se faz para um lugar do vazio.
00:33:21
Speaker
E eu não consigo ter um olhar sobre isto, tenho uma certa irritação também com a condescendência, não consigo olhar para isto e não pensar que há lugares em nós que nós também conseguimos escolher um bocadinho.
00:33:32
Speaker
E, portanto, fazer um movimento anticru acho que nos cabe também a todos nós.
00:33:37
Speaker
Pronto, pois claro, com as diferenças individuais daquilo que foi a vivência de cada um de nós, mas acho que não pode ser o suficiente, não podemos ancorar nesse lugar eternamente para justificar uma coisa que tem que ser mais elaborada, mas até vou dizer uma coisa, até por solução disto.
00:33:50
Speaker
Eu era adolescente, vi um filme, que se calhar vocês também viram, que adorei, que se chamava O Coração Rebelde, que era com o Christian Slater e com o Marisa Tomei, lembram?
00:33:59
Speaker
Era de uma pureza, chamava-se O Coração Rebelde.
00:34:03
Speaker
O Coração Rebelde estava em alguém...
00:34:07
Speaker
que tinha a capacidade de dizer aquilo que tu disseste há bocadinho, não é?
00:34:10
Speaker
A Marisa também era muito acelerada, lembram-se, a falar, e ele dizia, e ela interrompiu, é uma coisa por acaso que eu faço com frequência, porque também tenho esta aceleração, às vezes quando eu estou de trigo, com a humanidade.
00:34:21
Speaker
Mas ele dizia, deixa-me acabar.
00:34:24
Speaker
Aquilo tudo disseste há bocadinho.
00:34:25
Speaker
Ele passava a vida a dizer às pessoas que deixassem acabar.
00:34:28
Speaker
E é este homem, que claro que como se lembram depois tinha uma insuficiência cardíaca, e que optou por não fazer um transplante cardíaco porque achava que podia perder aquilo, olha, a alma, se fizesse o transplante, perdendo o próprio coração de uma maneira mais literal, não interessa, mas o simbólico estava muito lá.
00:34:45
Speaker
podia perder a capacidade de amar da maneira como ele amava até aquela mulher, que era a Marisa Tomei, eu achei aquilo tudo uma coisa fabulosa, era lindíssimo, mas o que é que eu acho mais lindo ainda, quer dizer, não é o que eu acho mais lindo, mas pensando agora nisto que te estava a dizer, como é que, de um coração tão macerado, não é?
00:35:04
Speaker
havia esta capacidade de dizer deixa-me terminar, deixa-me contemplar estes lugares todos e extraordinariamente se chama a esse coração, coração rebelde.
00:35:13
Speaker
É este lugar de rebeldia que não é o lugar que berra.
00:35:17
Speaker
É este lugar de rebeldia que dá o entusiasmo, que dá a vida.
00:35:20
Speaker
E é este lugar de rebeldia que, de alguma maneira, tem que ser mais audível por todos nós.
00:35:25
Speaker
E, portanto, lá está o tentar fazer o movimento que tu também falaste logo na tua introdução
00:35:32
Speaker
fazer este movimento de tornar mais audível dentro de nós aquilo que é a capacidade de estar na relação com o outro por este prazer que é o encontro com o outro, volta a dizer e portanto esta música que eu escolhi é este duplo lugar porque acho que a música em si mesma também tem este sítio há uma parte qualquer que ele diz as paredes blue as paredes azuis o toque
00:35:56
Speaker
Entra o rei do sol.
00:35:59
Speaker
A esperança a entrar porque as paredes são azuis, não é?
00:36:02
Speaker
Porque se as paredes forem mesmo opacas, não entra nada.
00:36:08
Speaker
São esta construção de muros que tem estado a enganar a humanidade, não é?
00:36:11
Speaker
As pessoas continuam enganadas com este lugar, já que estão a salvo na construção de barreiras relacionais.
00:36:15
Speaker
E é o sítio onde morrem.
00:36:17
Speaker
E onde nos fazem morrer, infelizmente.
00:36:18
Speaker
Daí a minha zanga também, porque aí também é um bocado comigo, fico zangada de imaginar.
00:36:22
Speaker
que posso estar às mãos da morte de alguém que resolveu morrer, não é?
00:36:26
Speaker
E isso também me arreca muito, estás a ver, fico muito zangada, estou muito zangada com isto, portanto, quando ouço alguma condescendência com isto, fico nervada, porque o prazer do encontro está lá sempre à nossa espera, não é?
00:36:35
Speaker
À espreita, e que terá, volto a dizer, a ver com a vida que tivemos, mas não chega para justificar, não chega mesmo, não é?
00:36:41
Speaker
Como sabes, eu trabalho em algumas casas de acolhimento, etc., vi situações terríveis, e isso não retirou a humanidade das pessoas, portanto, há aqui outras coisas que têm que ser pensadas e não se podem pôr sempre à história
00:36:52
Speaker
muito condescendente, muito perigosa, de justificar o vazio relacional sempre pela história de vida.
Importância do diálogo para responsabilidade e compreensão mútua
00:36:57
Speaker
Porque isso alimenta um lugar, volto a dizer, de raiva, que é um lugar de inveja e não um lugar que busca um encontro novo na relação com o outro.
00:37:03
Speaker
E depois também acho que é isso tudo que tu disseste, tão bem dito e sempre tão bem posto, que é, acho que temos que parar com esta coisa de vir com antídese.
00:37:15
Speaker
Sim, é isso mesmo.
00:37:16
Speaker
Porque o que eu tenho visto mais, e por isso é que estava até no título usei a palavra disparate, porque as pessoas assustam-se com qualquer coisa e aparecem com a sua antítese.
00:37:31
Speaker
não tem qualquer... não tem qualquer sentido, quer dizer.
00:37:36
Speaker
Portanto, aqui sim é que eu acho que tem que haver um movimento de resistência, não é?
00:37:41
Speaker
Que é o movimento de resistir a colocar a antítese como opção a seguir, porque é que ela não está bem.
00:37:47
Speaker
Portanto, temos mesmo que parar e perguntar às pessoas porquê é que elas fizeram isto?
00:37:55
Speaker
Porquê é que estás a fazer isto?
00:37:57
Speaker
Porquê é que estás a pensar assim?
00:37:58
Speaker
Porque só nesta audição
00:38:01
Speaker
é que se está a fazer responsabilização ao mesmo tempo.
00:38:05
Speaker
Não é só lançarem-se umas antíteses para o ar...
00:38:09
Speaker
E a vida continua, não nada disso.
00:38:11
Speaker
Nós temos que nos responsabilizar por aquilo que pensamos, por aquilo que fazemos, pela fórmula como nos colocamos e temos que nos responsabilizar pelo outro.
00:38:19
Speaker
E é nesta troca, é nesta conversa e é nesta audição do outro que a responsabilização é feita.
00:38:26
Speaker
Porque nós não responsabilizamos o outro a apontar o dedo.
00:38:30
Speaker
Nós responsabilizamos o outro quando o obrigamos a pensar.
00:38:33
Speaker
E quando obrigamos a refletir sobre aquilo que são as suas vozes e as suas opções.
00:38:39
Speaker
E é disto que eu também estou um bocado de farta, porque até pessoas... Eu vou para as caixas de comentários, com toda a gente a dizer-me que estou louca, mas tenho estado lá, por lá, tentar por alguém... Tentar dialogar.
00:38:50
Speaker
Mas é que é mesmo, dialogar, porque eu acho que temos que perceber muito bem o que é que os outros andam a fazer e porquê é que andam a fazer.
00:38:58
Speaker
E nós também, e o que é que nós andamos a fazer e porquê é que andamos a fazer.
00:39:02
Speaker
troca que nos responsabilizamos uns pelos outros e é nesta troca que reside a liberdade.
00:39:08
Speaker
É a colivagem em vez de integração.
00:39:11
Speaker
Eu acho que isso é o que aparece aqui toda hora, que é as nuances e de ir mastigando e mentalizando.
00:39:19
Speaker
Acho que a antítese é isso, é vais para um lugar oposto, vais para um lugar de colivagem permanentemente.
00:39:27
Speaker
Mas também não sei como é que se chama as pessoas.
00:39:31
Speaker
Como é que se apela às pessoas para olharem para o outro?
00:39:35
Speaker
Sim, não é só para olharem para o outro, é para olharem também para dentro, não é?
00:39:39
Speaker
E por pôr em causa também aquilo que estão a dizer.
00:39:42
Speaker
Há vários, não há só a minha, mas há vários caminhos.
00:39:44
Speaker
Claro, da minha experiência agora nas rechas de comentários...
00:39:48
Speaker
Ana, para sempre olhar para mim como se eu fosse louca.
00:39:51
Speaker
Mas na minha experiência das caixas de comentários, eu acho que é um bocadinho não aceitar como nosso o que não é. Porque rapidamente tu dizes qualquer coisa e és colado a uma identidade.
00:40:01
Speaker
O que eu penso que é importante fazermos todos é não colar à identidade e, portanto, não responder porque é que aquela identidade não é a minha.
00:40:08
Speaker
Só perguntar porque é que me foi atribuída, não é?
00:40:11
Speaker
Porque é que no discurso ela me é atribuída.
00:40:13
Speaker
Eu acho que isso...
00:40:14
Speaker
isso leva logo a um outro lugar.
00:40:15
Speaker
Olha, que eu tenho visto, salvo, raríssimas exceções, de impossibilidades totais de pensamento, não é?
00:40:22
Speaker
Eu tenho sentido, posso estar a querer acreditar no que estou a dizer e não ser verdade, mas tenho sentido que é capaz de fazer qualquer coisa diferente.
00:40:32
Speaker
Eu também pensava, estava aqui, Otânia, essa pergunta que tu fizeste, como é que nós podemos...
00:40:38
Speaker
Por as pessoas olharem umas para as outras e para dentro ao mesmo tempo, eu acho que isto é um longo caminho, não é?
00:40:44
Speaker
E tenho que começar por toda uma revisão da educação nas escolas, tudo.
00:40:48
Speaker
Há imenso trabalho fazer, imenso, imenso trabalho.
00:40:51
Speaker
Aquilo que nós podemos ir fazendo no nosso dia-a-dia, nós, aqui as três, enquanto profissionais, fazemos.
00:40:57
Speaker
Enquanto pessoas que somos, que vos conheço tão bem com as características que temos, fazemos.
00:41:03
Speaker
Mas acima de tudo, eu estava a conversar isto com alguém esta semana, é...
00:41:08
Speaker
Temos que parar de ficar... A luta diária é de facto dizer bom dia, boa tarde, obrigada, bom trabalho.
00:41:18
Speaker
Se faz favor, a luta diária é mesmo estares no teu local de trabalho e se vês uma injustiça, não ficas sossegadinha no teu lugar confortável, porque os sossegadinhos no lugar confortável trouxeram-nos aqui.
00:41:32
Speaker
o ficar, o... tem que ser diária portanto, qualquer coisa que tu vejas que te incomoda, aquilo que são os teu conjunto de valores, tu tens que intervir tu não podes passar na rua e fingir que não vês um sem-abrigo tu não podes passar na rua e se tiver alguém caído no chão, tu tens que ir ajudar tu não podes assistir a um maltrato e encolher-te e ficar sossegada à espera de passares pelos pingos da chuva para que isso não te incomode ou te altere o dia isso foi o que nos trouxe aqui e isto
00:42:00
Speaker
É básico, é o que as pessoas têm que começar a fazer.
00:42:03
Speaker
E de facto as pessoas têm que se começar a responsabilizar por aquilo que não têm feito e que o ser humano tem que fazer, não pode ignorar o outro, não pode.
00:42:18
Speaker
Pronto, isto é sim coisas muito práticas e muito à superfície, não é?
00:42:23
Speaker
Porque nós sabemos que nem todos conseguimos...
00:42:26
Speaker
fazer este exercício e mesmo quando conseguimos, não conseguimos fazê-los em todas as alturas e a vida é subjetiva e há intersubjetividade entre toda a gente e isso é que é o bom da vida.
00:42:40
Speaker
Mas temos que ir estando alerta para isto, quer dizer, não podemos passar na rua e achar que a rua é nossa e que podemos fazer o que bem nos apetece sem que o outro interfira na nossa dinâmica, porque interfere
00:42:53
Speaker
E nós temos que estar alertas para isso e temos que agir de acordo com isso.
00:42:58
Speaker
Era isto que eu tinha para dizer.
00:43:02
Speaker
A minha canção favorita, olha, vamos ouvi-la, é o Soul Meets Buddy, não é?
00:43:08
Speaker
É, Soul Meets Buddy.
00:43:10
Speaker
E já voltamos a conversar.
00:43:12
Speaker
Ora então, porquê que eu escolhi esta canção?
00:43:15
Speaker
Perguntam-me vocês.
Unidade e complexidade na jornada do corpo e da alma
00:43:21
Speaker
Porque quando entretanto eu pus o disco e percebi que afinal já conhecia esta banda quando achava que não conhecia e que eu conhecia esta banda exatamente por esta canção quando ela saiu.
00:43:33
Speaker
E portanto não foi por nada assim muito mais substancial.
00:43:36
Speaker
Para já porque é uma banda rock e esta canção roça assim um bocadinho mais o rock.
00:43:44
Speaker
e é o Soul Meets Buddy, pronto, e o Soul Meets Buddy só este título diz tudo, não é?
00:43:51
Speaker
Quando a alma encontra o corpo, ou quando a alma conhece o corpo, e pronto, como sou a favor da complexidade, acho que as duas juntas andam muito melhor do que separadas, não é?
00:44:05
Speaker
E acho que também, sendo uma canção de esperança, gostei muito aqui desta frase que eles a dada altura dizem que ainda acreditam que ainda há estradas para os nossos sapatos.
00:44:20
Speaker
E isto, eu acho que haverá sempre, sempre, sempre estrada para os nossos sapatos.
00:44:28
Speaker
sempre, a não ser que um meteorito destrua o planeta, totalmente.
00:44:35
Speaker
Aí deixará de haver estradas, mas haverá sempre.
00:44:40
Speaker
E, portanto, é isso que eu gosto de me agarrar e acho que toda esta canção nos leva para aqui e para esta complexidade do encontro
00:44:54
Speaker
anti-fragmentação anti-clivagens não é?
00:44:59
Speaker
e a favor de uma vivência plena e pronto acho que é isto
00:45:06
Speaker
Eu estava a pensar que ele diz isso, não é?
00:45:08
Speaker
Ele diz os sapatos e depois no I Follow You em Todos os Arques ele diz outra coisa que é agora que os nossos sapatos já estão gastos mas ele mantém-se lá na mesma, não é?
00:45:18
Speaker
Os nossos sapatos já estão gastos mas estamos aqui na mesma.
00:45:21
Speaker
E é a mesma autenticidade essa coisa de ser inteiro.
00:45:26
Speaker
E independentemente dos sapatos estarem gastos não quer dizer que não há rastrada.
00:45:29
Speaker
até podes ir descalço a sua preciso não é isso mesmo e depois há aqui uma coisa mais narcísica que é ele diz então olhos castanhos eu te mantenho por perto hum?
Curiosidade infantil como fonte de sabedoria
00:45:49
Speaker
so brown eyes I hold you near isto agradou-me
00:45:56
Speaker
pronto, acho que é isto abre o que ele depois diz e podemos voltar a este lugar em que também precisamos de ser especiais que é o lugar em que gostamos também de ser especiais e que começamos com as crianças podemos acabar com as crianças com esta criança dentro de nós que também precisa de ser especial e portanto também precisa da admiração do outro
00:46:27
Speaker
e é este lugar que as pessoas também se têm esquecido que na exigência do receber se demitem também do receber e é muito importante recebermos também do outro porque de facto isso é que como a Patrícia diz irriga a nossa humanidade é na troca, é no dar e no receber e pronto diz Patrícia, diz
00:46:54
Speaker
não, não, ia só, estava a gostar muito, e tu não acabaste?
00:46:58
Speaker
não, acabei, eu não tinha nada a dizer não, ia só dizer aqui, porque achei que acho que é fabuloso, porque acho que esta música toca às três, não é?
00:47:03
Speaker
nós as três e toca às três músicas porque... e os três diversos e a psicossomática fica muito contente com esta escolha, não é?
00:47:15
Speaker
sol meets body encontras o coração rebelde verdadeiramente, e portanto o quarto já não fica vazio
00:47:22
Speaker
E, pelo contrário, preenches verdadeiramente o quarto e já podes fazer o caminho que está logo na primeira da melancolia, da possibilidade de caminhar com esta condição existencial sempre presente.
00:47:32
Speaker
Eu acho que os miúdos sabem isso, nós quando somos pequenos sabemos isto, implicitamente.
00:47:38
Speaker
O bizarro realmente é como é que nós vamos deixando isto.
00:47:40
Speaker
Deixamos de ouvir isto.
00:47:41
Speaker
Deixamos de ouvir isto.
00:47:42
Speaker
E vamos ficando, não é?
00:47:43
Speaker
Sim, absolutamente, acho mesmo.
00:47:45
Speaker
Aliás, mas acho que todo adulto reconhece que muitas vezes vai perdendo coisas de criança e só o empobrece.
00:47:54
Speaker
Pois, não sei, mas agora quase que é um clichê, parece que não podes dizer, quando a gente diz, não é?
00:47:57
Speaker
Recuperar a parte mais genuína, mais não sei o quê, parece quase uma coisa, é muito facilmente risível, por isso é que é extraordinário como é que se transforma aquilo que há de melhor, mas é que eu vos digo, eu acho que anda sempre aqui a inveja, não é?
00:48:11
Speaker
Que é a mesma incapacidade de fazer os movimentos da alteridade.
00:48:16
Speaker
Mas que mostra a incapacidade de... Ajuda-me.
00:48:21
Speaker
É aquilo que mostra a incapacidade de fazer os movimentos internos de diferenciação da existência.
00:48:29
Speaker
Pelo reconhecimento, como tu estavas a dizer.
00:48:32
Speaker
Eu acho que não é só... Volto a dizer.
00:48:33
Speaker
Pelo reconhecimento que é... Estás a dar qualquer coisa ao mundo e as pessoas ficam contentes com esta coisa que estás a dar a montar.
00:48:40
Speaker
Mas lembro agora, por falar em crianças, aquela mesma também que me dizia aquela coisa do...
00:48:45
Speaker
Os pais estavam preocupados porque ela fazia perguntas muito sem interesse, não é?
00:48:49
Speaker
Portanto, para a escola aquilo não tinha o sucesso que eles achavam que era necessário e que estava inscrito naquilo que nós vamos ver no dia-a-dia da sociedade, não é?
00:48:57
Speaker
Mas a pergunta mais estúpida que ela tinha feito, a que a mãe me referiu, era quantos grãos de areia há, não é?
00:49:05
Speaker
Quantos grãos de areia há na praia?
00:49:07
Speaker
Nós vamos conversando e é ela que diz, há tantos quantos conseguimos encontrar, não é?
00:49:13
Speaker
Este lugar que está lá, inscrito desde a nossa existência, como é que nós abdicamos disto e queremos fazer um movimento que dilui esta capacidade de contar?
O papel da inveja na formação da identidade e crescimento pessoal
00:49:23
Speaker
Não, nós não queremos.
00:49:24
Speaker
Nós não queremos, somos condicionados.
00:49:25
Speaker
mas é isto que tu fazes maravilhosamente tu não diluís a capacidade de contar tu contas tu Tânia agora eras tu Tânia até agora o tu estava a ser eu mas agora o tu é a Tânia não, tu também querida, claro que sim mas era por causa das histórias da Tânia que tem isso também eu estava só a clarificar porque não estávamos a dizer o nome uma da outra
00:49:46
Speaker
Estávamos em indiferenciação identitária, mas boa.
00:49:50
Speaker
Agora, deixem-me só dizer-vos uma coisa, porque é assim, nós todos nascemos com amor e ódio, certo?
00:49:56
Speaker
E isto agora tocares-te da inveja, Patrícia.
00:49:59
Speaker
É porque nós, também é uma coisa que se tornou, não se fala da inveja, porque é assim, porque a inveja é usada de forma corriqueira, não é?
00:50:07
Speaker
Ah, ele tem inveja de mim.
00:50:08
Speaker
Ah, eu tenho inveja dela.
00:50:09
Speaker
Ah, não sei o quê, não sei o quê.
00:50:10
Speaker
E pronto, e não se passa daí.
00:50:12
Speaker
E é uma coisa simplista para justificar qualquer coisa.
00:50:15
Speaker
Mas a inveja é a emoção mais primária de todas.
00:50:21
Speaker
Ela está primária.
00:50:26
Speaker
Mas também é primitiva, porque é das primeiras a formar-se.
00:50:29
Speaker
É logo nos primeiros dias.
00:50:31
Speaker
É das primeiras a formar-se.
00:50:32
Speaker
Ou seja, e nós temos-nos a ignorar disso.
00:50:36
Speaker
Só se for no sentido de garantir que vais fazer movimentos de identidade e de construção identitária.
00:50:41
Speaker
Claro, mas o que eu estou a dizer é que não se fala quase da inveja, quando eu acho que ela é importantíssima.
00:50:47
Speaker
É importantíssima e eu acho que metade das pessoas não percebe o que é inveja, tanto que usa a palavra inveja de forma corriqueira.
00:50:57
Speaker
Mas diz, Tânia, diz.
00:50:58
Speaker
Acho que ninguém quer ser confrontado com a própria inveja.
00:51:01
Speaker
Acho que as pessoas não querem.
00:51:03
Speaker
Eu pensei em fazer o monstro da inveja a determinada altura.
00:51:06
Speaker
Porque não se vende.
00:51:09
Speaker
Porque as pessoas não querem comprar e não querem ser confrontadas com isso dentro delas.
00:51:14
Speaker
Não aguentam ter esse lado mau.
00:51:16
Speaker
Quando falam de inveja é só projetado nos outros.
00:51:18
Speaker
Apontam sempre o dedo.
00:51:20
Speaker
Nunca reconhecem por dentro.
00:51:22
Speaker
As pessoas sabem quando têm inveja.
00:51:26
Speaker
Mas quer dizer, assim como sabem quando têm raiva e quando têm ódio.
00:51:29
Speaker
Pronto, então, mas olha, paciência.
00:51:32
Speaker
Mas nós queremos falar sobre ela, tu tens que escrever sobre ela.
00:51:40
Speaker
Mas só para pôr as coisas, estava a pensar agora, porque em complexidade, não é?
00:51:45
Speaker
Porque quando estás a falar de inveja corriqueira, se as pessoas tiverem capacidade de dizer, se eu disserem assim, olha, eu tenho inveja, acho a tua casa linda, que inveja.
00:51:56
Speaker
há aqui um lugar onde eu reconheço que a casa é tua não é minha quando eu digo que eu tenho inveja é um sítio de inveja que é boa porque eu estou contendo que tu tens a tua casa e na realidade não quero destruí-la portanto tem que correr queira nesse sentido mas porque o meu prazer de te ver ter prazer em ter uma casa que até partilhas
00:52:13
Speaker
É admiração, muitas vezes.
00:52:14
Speaker
Sim, mas dilui esse lugar, porque o lugar da diferenciação identitária, onde eu fico contente porque tu tens esta casa, se sobrepõe ao lugar do eu não tenho esta casa.
00:52:25
Speaker
Estou conseguindo explicar o que é isso?
00:52:28
Speaker
Mas este reconhecimento que eu quero dizer é, este reconhecimento deste lugar, para mim, já é muito bom.
00:52:33
Speaker
Tu dizes-me o dia a dia, olha, que inveja que eu tenho de não sei o quê, já é maravilhoso, porque o que está a acontecer atualmente é que isto, como tu dizia muito bem, a inveja não nomeada, ou a impossibilidade de reconhecer este lugar, transforma as relações em dois lugares.
00:52:46
Speaker
Ou, lá está o lugar tirânico em que eu quero impedir-te de tu teres a tua própria identidade, para eu não ter que olhar para mim, ou a diluição identitária em que eu vou buscar dentro de ti aquilo que me faz falta, sem perceber, e me aproprio, até aniquilando as barreiras da fronteira identitária,
00:53:00
Speaker
E acho que está tudo bem e não há problema nenhum.
00:53:02
Speaker
Não é até benigno.
00:53:04
Speaker
Eu vou até ir buscar uma coisa, que foste tu que disseste, mas eu digo como se tivesse sido eu a dizê-la.
00:53:08
Speaker
Fico contente comigo mesma porque acho que disse uma coisa extraordinária, mas há uma parte de mim que sabe que eu não a disse.
00:53:12
Speaker
Portanto, o vazio continua a estar lá e vai crescendo.
00:53:15
Speaker
E as identidades não se constroem.
00:53:16
Speaker
E ao não se construírem, como sabemos, faz o quarto vazio sem coração rebelde.
00:53:20
Speaker
Sem coração rebelde, pronto.
00:53:23
Speaker
Concordo em pleno, mas é um desejo pessoal meu começarmos a chamar as coisas pelos nomes.
00:53:31
Speaker
E, portanto, eu acho que as pessoas têm que perceber mais sobre a inveja porque ela é maligna e destrutiva.
00:53:40
Speaker
O que é que tu disseste?
00:53:42
Speaker
Ah, sim, inveja-me ali Mas estava a pensar, olha, até me perdi O que é que tu queres dizer?
00:53:47
Speaker
Estava a dizer que temos que tratar as coisas E por isso é que quero que a Tânia escreva sobre Não, escreva na sua literatura infantil Porque temos escrito sobre isso imensas vezes Todas Mas Acho que É uma coisa que tem que ser falada Mesmo que as pessoas não queiram Há pessoas que não querem e há pessoas que querem
00:54:12
Speaker
E como há pessoas que querem, não podemos calar.
00:54:17
Speaker
Pronto, quero dizer mais alguma coisa.
00:54:24
Speaker
Ah, já sei o que é que eu queria dizer.
00:54:27
Speaker
Não era por causa da higienização que nós vamos falando, não é?
00:54:29
Speaker
Que nós temos feito tanta coisa na sociedade psicossomática por causa disto.
00:54:32
Speaker
Esta higienização, por exemplo, da saúde, higienização das relações, em que tudo tem que ser posto de uma maneira como se não houvesse.
00:54:39
Speaker
Por isso é que eu te digo, eu acho que há uma confusão tremenda entre os conceitos e os lugares todos dentro das pessoas.
00:54:44
Speaker
Porque, por exemplo, como sabemos, este olhar da saúde que é totalitarista, a tal coisa do tens de correr não sei quantas horas, tens de fazer não sei o que, tens de comer não sei o que mais, tens de não sei o que é que é para viveres para sempre.
00:54:54
Speaker
Que é exatamente o oposto do viver para sempre.
00:54:57
Speaker
Mas é este lugar totalitarista.
00:54:58
Speaker
É a mesma coisa de, de alguma maneira, haver também uma impossibilidade de viveres coisas que são mais de irritação e de zanga, que têm que ser mentalizadas e que precisam de um simbólico, higienizadas também.
00:55:07
Speaker
Porque eu não podia sequer pensar que tenho uma irritação tremenda com alguém para depois poder pensar que foi o meu preconceito que me fez ter irritação.
00:55:14
Speaker
Se eu não posso sequer pensar isto porque a partir daí não posso ter irritação, então o preconceito transforma-se em
Exploração dos pensamentos e emoções para uma autoconsciência mais profunda
00:55:19
Speaker
coisa em si mesma.
00:55:20
Speaker
E este é o problema também.
00:55:21
Speaker
Esta higienização total das coisas leva a lugares tremendos dentro de todos nós.
00:55:25
Speaker
Ou seja, é a ausência de pensamento sobre o nosso pensamento.
00:55:29
Speaker
Sobre a perversão.
00:55:30
Speaker
A não intimidade, usando ali a frase da Tânia.
00:55:35
Speaker
Tânia, queres dizer alguma coisa?
00:55:37
Speaker
Porque eu vou passar a agradecer-te pela
Encerramento e gratidão pela conversa
00:55:40
Speaker
Gostaste de estar aqui?
00:55:44
Speaker
Gostámos muito de ter cá e espero que voltes.
00:55:47
Speaker
Patrícia Câmara, muito obrigada pela tua presença também.
00:55:52
Speaker
Quero agradecer e queremos agradecer à Carolina, que hoje não está cá, mas que irá trabalhar o nosso sonzinho todo em casa, e queremos agradecer à Climepsi pelo material com o qual temos estado a gravar esta conversa.
00:56:06
Speaker
Eu sou a Ana Tereza e voltamos daqui a um mês.
00:56:19
Speaker
3 Divãs, a psicanálise, o mundo e o rock'n'roll.